O que são modulações de efeitos efeitos diferidos na declaração de inconstitucionalidade?

A decisão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, uma das mais aguardadas atualmente na área tributária no país, foi adiada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 28 de novembro e ainda não há previsão para que seja proferida. Trata-se do julgamento dos embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional no caso Imcopa (RE 574706), no qual se fixou a tese de repercussão geral de que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins. Entre alegações de omissões e contradições, a Fazenda Nacional requereu a modulação dos efeitos do julgado, para que eles sejam produzidos apenas a partir do julgamento dos embargos. Em razão da enorme relevância do caso, mais uma vez a modulação de efeitos ganhou destaque no cenário tributário nacional.

Com o intuito de garantir a segurança jurídica e proteger o interesse social, a modulação de efeitos pode ser adotada para determinar que uma decisão do STF tenha eficácia prospectiva ou a partir de uma data estabelecida pelo tribunal, quando um entendimento do STF modifica o posicionamento anterior do tribunal ou declara determinada lei inconstitucional. Assim, o STF pode decidir, caso a caso, a partir de quando sua decisão valerá, considerando questões atinentes ao julgamento.

O STF consignou que os embargos de declaração são o instrumento adequado para pleitear a modulação do julgado,[1] uma vez que, regra geral, a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei tem efeitos retroativos, respeitando a ideia de que a lei inconstitucional nasce inconstitucional. Assim, a partir da positivação da modulação na Lei nº 9.868/99,[2] o STF tem aplicado esse método em algumas de suas decisões, ponderando sua resposta conforme a demonstração de fatos e exposição de motivos da parte embargante.

O instituto da modulação ganhou força com o advento do Novo Código de Processo Civil, que permitiu estabelecer um marco temporal para efeitos de decisões que alteram a jurisprudência dominante no tribunal.[3] Desse modo, embora recente, o dispositivo do NCPC tem sido aplicado na Suprema Corte, inclusive pelo ministro Marco Aurélio, que notadamente sempre foi contrário à modulação.[4]

No RE 643247,[5] o ministro assegurou a aplicação do disposto no CPC/15 e modulou os efeitos da decisão ao afirmar que “(...)O § 3º do artigo 927 admite, no caso de alteração de jurisprudência dominante do Supremo, a modulação dos efeitos do pronunciamento, desde que fundada no interesse social e no da segurança jurídica. Considerada a advertência de parcimônia na observância do instituto, quando atendidos os requisitos do dispositivo, há de ser admitida a modulação dos efeitos da decisão, de modo a consagrar a boa-fé e a confiança no Estado-juiz”.[6]

Também tem posicionamento firme quanto à modulação o ministro Gilmar Mendes, que em regra se manifesta levando em consideração o impacto que esse mecanismo pode ter nos cofres públicos.[7] Em julgado recente (RE 870947), cujo acórdão ainda não foi publicado,[8] o ministro votou favoravelmente à modulação, devido ao impacto financeiro e orçamentário que a ausência dela acarretaria. Prevaleceu, no entanto, a divergência inaugurada pelo ministro Alexandre de Moraes, na qual se consignou que a modulação esvaziaria os efeitos práticos do julgado.

Por outro lado, no caso ICMS Cesta Básica (RE 635688), cuja tese defendida pelo contribuinte restou vencida no julgamento de mérito, o ministro relator Gilmar Mendes afirmou que uma modulação de efeitos exprimiria uma inversão do resultado efetivo do julgamento.[9]

No caso Imcopa, os argumentos da União em defesa da modulação dos efeitos são, principalmente, de ordem econômica, consignando que haveria um impacto financeiro e orçamentário na ordem de bilhões. Todavia, o STF tem rechaçado fundamentos meramente econômicos, asseverando que, por si só, eles não constituem o interesse social necessário para que a modulação de efeitos ocorra.[10] Essa técnica, portanto, poderia tornar inócua a decisão.

O STF já consignou também que é imprescindível uma verdadeira alteração na jurisprudência para a fixação de um novo marco temporal para eficácia dos efeitos da decisão.[11]

Há situações específicas na qual o STF deu sobrevida a leis declaradas inconstitucionais, como nas ADIs 429 e 4171. Na primeira, questionavam-se dispositivos da Constituição Estadual cearense que concediam isenções tributárias para alguns produtos e determinados tipos de pessoas físicas e jurídicas. Embora tenha decidido pela inconstitucionalidade dos dispositivos, o STF concedeu eficácia prospectiva a um dispositivo que não havia sido suspenso pelo deferimento da medida cautelar em assentada anterior.[12]

A ADI 4171, por sua vez, impugnava dispositivos do Convênio ICMS 110/2007 que previam o estorno do crédito na forma de recolhimento do valor correspondente ao ICMS diferido e não mediante anulação escritural. Como esses dispositivos foram julgados inconstitucionais, o Plenário do STF entendeu por bem dar um prazo de seis meses para que os estados adotassem um novo modelo, haja vista que o reconhecimento de inconstitucionalidade implicaria prejuízo a alguns deles.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o STF apenas aplica a modulação de efeitos, levando em consideração as particularidades que envolvem cada caso, quando há questões atinentes à segurança jurídica,[13] bem como relevante interesse social,[14] o que necessita de farta demonstração pela parte requerente. O STF assegurou exceções em casos nos quais houve modulação de efeitos a partir da concessão da liminar, garantindo sua eficácia para ações em curso.[15] Dessa forma, mesmo que não haja uma padronização da técnica, há critérios bem definidos para não surpreender as partes nem os outros grupos que serão impactados pela decisão.

Quanto ao caso Imcopa, caberá ao STF sopesar os argumentos apresentados pela Fazenda Nacional e a realidade fática do julgado, que nada mais foi do que uma reafirmação de jurisprudência do caso Auto Americano (RE 240785).[16] Considerando o panorama traçado neste artigo, tudo leva a crer que, com base nos precedentes, não haverá a modulação requerida, pois não se trata de alteração jurisprudencial e é imprescindível garantir a segurança jurídica. E, conforme disse o ministro Gilmar Mendes no caso ICMS Cesta Básica, a modulação significaria uma inversão do resultado do julgamento.


[1] ADI 2797 ED, relator(a): min. Menezes Direito, relator(a) p/ acórdão: min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2012, DJe-039. Divulg: 27-02-2013. Public: 28-02-2013. Ement VOL-02678-01 PP-00001.

[2] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

[3] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

  • § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[4] O ministro Marco Aurélio votou diversas vezes de forma desfavorável à modulação, como nos REs 560626, 55943, 680089 (Temas 02, 03 e 615) e ADIs 4481 e 4628.

[5] Tema 16 RG – tese fixada: “A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim” (acórdão publicado em 19 de dezembro de 2017, DJe 292, divulgado em 18 de dezembro de 2017.

[6] RE 643247 ED, relator(a): min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2019, acórdão eletrônico DJe-140. Divulg: 27-06-2019. Public: 28-06-2019.

[7] Vide REs 560626 e 680089 (Temas 02 e 615 RG).

[8] O julgamento dos embargos de declaração no RE 870947 terminou em 3 de outubro de 2019.

[9] RE 635688 ED-segundos, relator(a): min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, processo eletrônico DJe-114. Divulg. 29-05-2019, Public. 30-05-2019.

[10] Vide RE 559937 (Tema 01 RG) e ARE 957650 (Tema 891 RG).

[11] RE 651703 ED, relator(a): min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2019, processo eletrônico DJe-093. Divulg. 06-05-2019, Public. 07-05-2019.

[12] Foi outorgada sobrevida de 12 meses ao benefício fiscal previsto no art. 192, §2º, da Constituição do Estado do Ceará.

[13] Nesse sentido, REs 560626, 559943, 593849 (Temas 02, 03 e 201 RG, respectivamente) e ADIs 4481 e 4171.

[14] Nesse sentido, ADIs 3796 e 4171.

[15] Nesse sentido, ADI 4628 e RE 639856 (Tema 616).

[16] RE julgado em 08 de outubro de 2014. Acórdão publicado em 16 de dezembro de 2014, DJe 246, divulgado em 15 de dezembro de 2014

O que é modulação de efeitos efeitos diferidos na declaração de inconstitucionalidade?

Modulação dos efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal das decisões do Supremo em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que ali cheguem, de modo a terem efeitos exclusivamente para o futuro (prospectivos).

O que são modulações de efeitos na declaração de inconstitucionalidade?

Modular os efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que cheguem para julgamento, e passem a ter exclusivamente os efeitos para o futuro, ou seja, prospectivos.

O que é a modulação de efeitos temporais na Ação Direta de Inconstitucionalidade?

A Teoria da Modulação Temporal dos Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade e sua utilização pelo STF. Analisa a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal alterar a data em que iniciará a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma norma.

Quais são os efeitos da decisão de inconstitucionalidade?

Efeitos da decisão A decisão no controle concentrado produzirá efeitos contra todos (erga omnes), e também efeito retroativo, ex tunc, retirando do ordenamento jurídico o ato normativo ou lei incompatível com a Constituição. Trata-se, portanto de ato nulo.