O que se pode saber sobre a Europa do início dos anos 1930 com base?

ARTIGOS

A revolução silenciosa na europa: mudança intergeracional nas sociedades pós-industriais1 1 Artigo publicado originalmente sob o título "The Silent Revolution in Europe: Intergenerational Change in Post-Industrial Societies", no American Political Science Review (v. 65, n. 4, p. 991-1017, Dec.1971). Agradecemos a gentileza da Cambridge University Press, detentora dos direitos editoriais, bem como do próprio Ronald Inglehart, autor do artigo, pelas autorizações para traduzirmos e publicarmos em português o texto. Tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda e revisão da tradução de Feliciano de Sá Guimarães; agradecemos o auxílio de Emerson Urizzi Cervi com alguns termos técnicos.

The silent revolution in europe: intergenerational change in post-industrial societies

La révolution silencieuse en europe: du changement intergénéra-tionnel dans les sociétés post-industrielles

Ronald Inglehart

() é Professor da Universidade de Michigan (Estados Unidos) e Diretor da organização World Values Survey

RESUMO

O presente artigo investiga a hipótese de que houve uma alteração intergeracional nos valores fundamentais em determinados setores das populações de alguns países da Europa Ocidental desde a II Guerra Mundial; tais valores mudaram da opção por segurança econômica e ordem social (valores "aquisitivos") para a expressão intelectual e artística, bem como por mudanças sociais radicais (valores "pós-burgueses"). A hipótese foi testada por meio da aplicação de um questionário em diversos grupos sociais. Embora os respondentes "pós-burgueses" sejam de modo geral jovens, o argumento desenvolvido aqui é que não se trata de uma característica de uma fase de vida mais aberta a mudanças e sem ônus familiares e sociais: trata-se, sim, de uma alteração profunda dos valores, em virtude da afluência econômica característica dos países da Europa Ocidental após 1945. Essa mudança de valores influencia também as atividades políticas e as preferências político-partidárias, permitindo em particular o surgimento e a afirmação da "nova esquerda".

Palavras-chave: mudança de valores; mudança intergeracional; valores aquisitivos; valores pós-burgueses; nova esquerda.

ABSTRACT

This article examines the hypothesis that, since World War II, there has been intergenerational change in the fundamental values of particular segments of the population in some Western European countries. Values have shifted, as it were, from prioritizing economic security and social order ("acquisitive values") to intellectual and artistic expression and radical social change ("post-bourgeois" values). We have tested this hypothesis through a questionnaire applied to a variety of social groups. Although the "post-bourgeois" respondents are more likely to be youth, our argument here is that the changes we note should not be attributed to a stage in the life cycle in which people tend to be more open to change and bear less family and social burden: rather, they reflect a deep shift in values linked to the economic affluence of Western European countries after 1945. This change in values also influences political activities and political party preferences. leading, above all, to the emergence and consolidation of a "New Left".

Keywords: changing values; intergenerational change; acquisitive values; post-bourgeois values; New Left.

RESUMÉ

L'article présenté investigue l'hypothèse selon laquelle il y aurait eu une altération intergénérationnelle par rapport aux valeurs fondamentales dans certains domaines des populations de quelques pays de l'Europe Occidentale depuis la II Guerre Mondiale; ces valeurs là ont changé de l'option pour la securité économique et l'ordre sociale (des valeurs "acquisitives") pour celle de l'expression intelectuelle et artistique, aussi bien que pour les changements sociaux radicaux (des valeurs "post-bourgeoises"). Cette hypothèse a été testée par le biais de l'application d'un questionnaire dans des groupes sociaux variés. Malgré le fait que les personnes "post-bourgeoises" qui lui ont répondu soient en général des jeunes, l'argument développé ici vérifie qu'il ne s'agit pas d'une caractéristique d'une étape de vie plus ouverte aux changements et sans contraintes familières et sociales: il s'agit, en effet, d'une altération profonde des valeurs, à cause de l'affluence économique caractéristique des pays de l'Europe Occidentale après 1945. Ce changement de valeurs influence aussi les activités politiques et les préférences politiques et partidaires, ce qui rend possible en particulier le surgissement et l'affirmation de la "nouvelle gauche".

Mots-clés: changement de valeurs; changement intergénérationnel; valeurs acquisitives; valeurs post-bourgeoises; nouvelle gauche.

I. ESCASSEZ ECONÔMICA E PRIORIDADES POLÍTICAS: UM QUADRO ANALÍTICO2 2 O autor está em débito com Samuel Barnes, Karl Deutsch, Kent Jennings, Warren Miller, Robert Putnam e Donald Stokes pelos comentários e críticas feitos a uma versão anterior deste artigo.

Uma transformação pode estar ocorrendo nas culturas políticas das sociedades industriais avançadas. Essa transformação parece estar alterando as prioridades básicas dos valores de dadas gerações, como um resultado de condições em mutação que influenciam suas socializações básicas. As mudanças parecem afetar a posição que se assume nos temas políticos atuais e pode alterar as tendências de longo prazo de pertencimento a partidos políticos. Neste artigo apresentarei evidências baseadas em pesquisas feitas em seis países a respeito desses processos.

Os dados encontrados parecem sustentar uma interpretação específica das causas da mudança de valores nas sociedades pós-industriais. Deixem-me primeiramente delinear esta interpretação. Minha hipótese básica é que indivíduos perseguem vários objetivos em ordem hierárquica - dando atenção máxima às coisas que sentem ser as mais importantes necessidades não satisfeitas em um dado momento3 3 Para uma apresentação mais completa dessa hipótese, cf. Inglehart e Lindberg (s/d) e Inglehart (1971b). . Um homem perdido no deserto, por exemplo, pode estar obcecado com sua necessidade de água, devotando virtualmente toda a sua atenção a buscá-la. Quando o suprimento de água é facilmente disponível mas os alimentos são escassos, o indivíduo não se importa mais com essa necessidade (tendo atingido homeostase biológica a esse respeito) e pode devotar-se à coleta de alimento. Uma vez que seu suprimento de comida tenha atingido um nível de subsistência, um indivíduo pode continuar empenhando-se a fim de garantir um nível confortável de segurança econômica; depois, ele pode gradualmente mudar seu foco, vindo a desejar bens mundanos como símbolos de afluência - mais com o objetivo de aumentar o seu status entre os seus conhecidos menos afluentes do que para a utilidade dos próprios bens. Em um sentido, entretanto, a busca de símbolos de afluência poderia ser vista como algo derivado da busca pelo sustento.

Parece-nos que grupos importantes entre as populações das sociedades ocidentais ultrapassaram esses estágios e hoje agem na busca de metas que - ao contrário de sinais de afluência - não mais têm relações diretas com os imperativos da segurança econômica4 4 Um exemplo de reversão induzida por prioridades biológicas em condições de fome é descrito em Davies (1963, p. 13). Um forte crítico tomando parte de um experimento perdeu progressivamente seu interesse pelo trabalho de bem-estar social após várias semanas de um regime de semi-inanição. . Esses indivíduos - oriundos em grande medida de coortes mais jovens das modernas classes médias - têm socializados durante um longo período sem precedentes e anormalmente longo de afluência também sem precedentes. Para eles, a segurança econômica pode ser vista como garantida, da mesma forma que o suprimento de água ou o ar que respiramos.

Se essa hipótese estiver correta, ela sugere que o conflito político intergeracional é provável. É possível que encontremos tais conflitos se for verdade que os indivíduos têm uma tendência a reter uma dada hierarquia de valores ao longo de sua vida adulta, uma vez que seu caráter básico tenha sido formado durante a infância e a juventude. Uma ilustração poderia ser o avaro que experimentou dificuldades econômicas em sua infância, viu o trabalho duro e a frugalidade como uma via de saída e continuou acumulando freneticamente muito tempo após suas necessidades econômicas terem sido satisfeitas. É claro que esse é um caso extremo, mas evidências consideráveis sugerem que as pessoas tendem, de fato, a reter as preferências instiladas desde cedo. Baseando-nos no trabalho de Abraham Maslow (1954)5 5 Uma excelente discussão das hierarquias de valores e das suas implicações políticas aparece em Lane (1970, cap. 2). , pensamos que as coortes etárias que experimentaram as guerras e a fome da era prévia aos milagres econômicos da Europa Ocidental concederiam uma prioridade relativamente alta para a segurança econômica e para aquilo que Maslow denomina de necessidades de segurança. Para as coortes mais jovens, um conjunto de valores "pós-burgueses", relativos à necessidade de pertencimento [a grupos] e a necessidades estéticas e intelectuais, seria mais provável de assumir o topo da lista de prioridades6 6 As evidências que sustentam essa hipótese podem ser obtidas do estudo feito por Richard Flacks sobre ativistas e não-ativistas políticos entre os estudantes da Universidade de Chicago. Seus achados indicam que os estudantes de lares relativamente afluentes tendem a dar maior ênfase no envolvimento em objetivos intelectuais e estéticos, considerações humanitárias e oportunidades para a auto-expressão. Eles também tendem a não dar tanto valor ao sucesso material, às realizações pessoais, à moralidade convencional e à religiosidade. Além disso, é muito mais provável que eles se tornem ativistas do que os estudantes de origens menos afluentes. Cf. Flacks (1967). .

Provavelmente a mais bem documentada evidência da persistência das preferências políticas instiladas desde cedo é encontrada na área da identificação partidária7 7 Cf. entre outros Campbel et alii (1960) e Converse e Dupeux (1966). . Mas é precisamente nessa área que nossas hipóteses têm outra implicação interessante - elas sugerem a presença de uma pressão de longo prazo atuando no sentido de remodelar as relações prévias entre classes sociais e preferências partidárias. Se a mudança para um novo conjunto de prioridades de valores resulta do alcance do ponto de saturação de necessidades a que se dava previamente prioridade máxima, poderíamos esperar que um novo ordenamento de valores manifeste-se em primeiro lugar e de modo mais completo entre aqueles grupos que tenham atingido os maiores níveis de afluência. Em outras palavras, poderíamos esperar encontrá-la primeiro na classe média superior. Na classe operária ou em grupos rurais encontraríamos apenas após um considerável intervalo. Mas a despeito do fato de que o status da classe média geralmente tende a ser associado com partidos políticos relativamente conservadores, o tipo de prioridades valorativas recém-emergentes parece provavelmente estar ligado ao apoio a mudanças sociais radicais. Parece-nos que sob certas condições isso pode levar a mudanças significativas nos partidos políticos de esquerda, no que se refere a grupos mais jovens de classe média. Por outro lado, é relativamente provável que os trabalhadores tenham valores fundamentais que os façam recrutas potenciais de partidos conservadores - a despeito de sua tradicional associação com partidos de esquerda. Esses indivíduos atingiram um certo nível de prosperidade de modo relativamente recente e, aparentemente, continuam a conferir um valor comparativamente alto para a defesa e ampliação de seus ganhos recentes. Paradoxalmente, embora eles tenham ocupações da classe trabalhadora, eles podem manifestar o que às vezes é percebido como uma mentalidade "burguesa".

Em suma, a hipótese da "maioria da classe média"8 8 Essa linha de raciocínio é exposta em Dahrendorf (1964a) e Lipset (1967b). pode estar correta, pelo menos até determinado ponto: o aumento da afluência faria a classe trabalhadora sentir que possui algo em jogo no sistema. Em comparação com o emergente grupo pós-burguês, tanto o proletariado quanto a burguesia da sociedade industrial compartilhavam certos valores aquisitivos; seus conflitos não eram devidos a diferenças nas prioridades dos valores básicos, mas ao fato de que um lado tinha, e estava opressivamente disposto a manter, o que o outro lado queria acima de tudo. Se de fato fosse esse o caso, um crescente grau de posse de propriedades poderia muito bem aburguesar os trabalhadores, diminuindo a intensidade do conflito de classe. Entretanto, as sociedades ocidentais não parecem ter alcançado uma nova era de política consensual: o surgimento das prioridades de valores "pós-burgueses" de um setor pequeno mas crítico dessas sociedades pode levar a uma fase em que as clivagens políticas não se basearão mais principalmente nos conflitos econômicos conhecidos - mas, crescentemente, serão polarizados de acordo com diferenças nos valores prioritários básicos9 9 Joseph Schumpeter (1942) argumentou em termos um tanto semelhantes. . Esse novo eixo da clivagem política poderia, inicialmente, opor uma seção da classe média ao restante da sociedade. Ao pressupor a prosperidade contínua, todavia, nossa análise sugere que esse grupo desviante deveria crescente em seu tamanho relativo.

Em um artigo recente (INGLEHART, 1971b), o resultado da rebelião e das eleições francesas de 1968 foi interpretado com base no seguinte esquema conceitual. Argumentamos que a revolta de maio foi um evento que teve um impacto excepcionalmente poderoso no eleitorado francês, levando muitos eleitores a reexaminar suas habituais preferências partidárias à luz dos valores fundamentais - e a realinharem-se de acordo. Embora a retórica prevalecente na revolta de maio tenha-a apresentado como o movimento de um proletariado explorado levantando-se contra a opressão burguesa gaullista, nas eleições subseqüentes a classe trabalhadora mostrou uma clara mudança que favoreceu os gaullistas - enquanto a moderna classe média10 10 Distinguimos a classe média moderna da classe média tradicional com base nas ocupações: o último grupo consiste em pequenos empresários e artesãos independentes; o primeiro grupo compreende pessoas com ocupações não-manuais no setor moderno da economia e tende a caracterizar-se por um nível mais alto de segurança econômica (e uma probabilidade menor de ser atraído para movimentos radicais de extremadireita). Nosso uso dessa distinção foi sugerida pela análise de Seymour Martin Lipset (1960, especialmente cap. 5). (especialmente seus membros mais jovens) mostraram uma clara mudança para a esquerda, em comparação com a forma como esses grupos votaram em 1967. Eles aparentemente fizeram assim porque, em parte, a classe média mais jovem tendeu a valorizar menos a segurança econômica e a ordem doméstica que os trabalhadores. As desordens de 1968 - particularmente porque acarretaram destruição de propriedade - parecem ter tido um impacto negativo na classe trabalhadora, mudando muitos dos trabalhadores de suas tradicionais lealdades políticas esquerdistas para o apoio ao General De Gaulle - que foi largamente visto como um garantidor da ordem.

Graças a um programa de pesquisa da opinião pública em curso, patrocinado pela Comunidade Européia, foi possível fazer um conjunto de predições baseado nessa interpretação dos dados sobre a França de 1968 e submetê-lo a um teste transnacional mais exaustivo. Trabalhando em colaboração com o Serviço de Informação da Comunidade Européia, tomei parte na elaboração de uma pesquisa feita em seis países sobre mudança política na Europa Ocidental, que foi a campo em 197011 11 Estamos em dívida com Jacques-René Rabier, Diretor Geral do Serviço de Informações da Comunidade Européia, pelo papel que desempenhou em encorajar a pesquisa colaborativa internacional com a Universidade de Michigan (e diversas outras) nos últimos vários anos. . Os itens incluídos nessa pesquisa foram elaborados para avaliar os aspectos politicamente relevantes da hierarquia de valores básica de um indivíduo. Queríamos saber quais valores um respondente classificaria como mais importantes quando fosse forçado a escolher entre coisas como, por um lado, segurança econômica e ordem doméstica (que percebíamos como indicativos de valores instrumentais ou "aquisitivos") e, por outro lado, itens relativos a valores prioritários expressivos ou "pós-burgueses". Nossa expectativa era de que aqueles que tivessem sido sociabilizados em condições de afluência relativamente alta e estável deveriam apresentar uma preferência relativa por valores tais como liberdade de expressão e participação política. No contexto social corrente, conforme foi levantada a hipótese, esses valores deveriam ser ligados a uma posição relativamente orientada para mudanças nos temas políticos atuais. E se, conforme a hipótese, estivéssemos lidando com um aspecto básico, em vez de periférico, da sociabilização dos indivíduos, deveríamos encontrar indicações de que essas preferências influenciariam um leque maior de suas opiniões políticas.

Poderíamos esperar que o surgimento de preferências de valores que não se encaixassem com os valores da sociedade como um todo fosse ligado a uma preferência por partidos políticos orientados para a mudança - nos termos dos conceitos tradicionais, os partidos de esquerda. Todavia, essa tendência sofreria a resistência de um outro aspecto da persistência presumida do aprendizado político inicial - a tendência à persistência de identificações político-partidárias inicialmente adquiridas. Na medida em que certos indivíduos adquiriram um sentido de identificação com os partidos de direita e de centro (tradicionalmente de classe média), eles deveriam ser lentos em mudar seus apoios para um partido da esquerda, mesmo assumindo a presença de preferências valorativas fundamentais favoráveis. O inverso também deveria ser verdadeiro; os respondentes que fossem criados em uma tradição política de esquerda normalmente seriam inibidos de mudar para partidos da direita, mesmo assumindo a presença de preferências valorativas relativamente conservadoras.

II. UMA TIPOLOGIA EMPÍRICA DAS PRIORI-DADES VALORATIVAS E SUA RELAÇÃO ESPERADA COM A HISTÓRIA ECONÔMICA

Essas hipóteses referem-se a mudanças nas prioridades valorativas durante longos períodos de tempo. Muito poucas séries temporais relevantes estão disponíveis e conseqüentemente não se pode testar essa interpretação diretamente. Fazê-lo conclusivamente requereria um programa de pesquisa de larga escala e funcionando ao longo de várias décadas. Entrementes, pode-se submeter essas hipóteses a vários testes indiretos. Embora esses testes não possam fornecer uma validação ou uma falsificação definitiva, eles podem ajudar o leitor a formar sua opinião a respeito da relativa plausibilidade dessa interpretação, à luz da configuração total das provas.

O primeiro tipo de prova indireta é retirado da análise transversal de coortes etárias. Essa abordagem envolve problemas metodológicos substanciais. Pode-se, de fato, obter conclusões sobre mudanças ao longo do tempo a partir de dados transversais? Em certas condições, e bem claramente, a resposta é "sim": ela depende de quanta confiança tem-se em que os dados transversais medem as características relativamente estáveis de uma dada coorte etária12 12 Para discussões e aplicações sofisticadas desse tipo de análise, cf. Butler e Stokes (1969, especialmente cap. 3, 11 e 12). Esses autores descobriram que a filiação partidária é mais propriamente uma característica estável das coortes inglesas. No relativamente longo vaivém dos Conservadores para os Trabalhistas que ocorreu de 1959 a 1963, a substituição do eleitorado (ligado a diferentes taxas de nascimento e de óbito) desempenhou na verdade um papel maior que o desempenhado pela conversão de eleitores de um partido para outro. . Para dar um exemplo óbvio, pode-se projetar quantos indivíduos terão 21 anos de idade nos Estados Unidos daqui a uma e duas décadas, se dados sobre o tamanho dos vários grupos etários de hoje estiverem disponíveis. A predição poderia ser prejudicada por uma grande guerra ou outra catástrofe, mas em caso contrário é provável que ela seja razoavelmente acurada. Para dar um outro exemplo, vejamos as diferenças nos níveis educacionais entre as respectivas coortes etárias de nossas seis amostras nacionais (cf. Tabela 1). As diferenças são consideravelmente grandes, refletindo a expansão maciça dos ensinos secundário e superior na Europa Ocidental durante as duas últimas gerações. Esses dados, eu poderia argumentar, refletem uma característica relativamente permanente das respectivas coortes etárias: exceto no grupo mais novo, é improvável que os níveis aumentem muito, nem é provável o declínio para qualquer uma das coortes. A presença de um alto nível de educação formal pode ter importantes efeitos no comportamento político de um dado grupo. Na medida em que tais relações podem ser demonstradas, é provável que projeções longitudinais derivadas das diferenças entre as coortes etárias sejam razoavelmente confiáveis.

Com essas observações em mente, examinemos o padrão de respostas de uma série de itens que foram elaborados para medir a hierarquia de valores politicamente relevantes de um indivíduo. Amostras nacionais representativas das populações com mais de 15 anos de idade da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Bélgica, dos Países Baixos, da França e da Itália responderam a seguinte questão13 13 O trabalho de campo foi realizado em fevereiro e março de 1970, por Louis Harris Research Ltd. (Londres), Institut für Demoskopie (Allensbach), International Research Associates (Bruxelas), Netherlands Institut voor de Publieke Opinie (Amsterdã), Institut français d'opinion publique (Paris) e Institut per le Ricerche Statische e l'Analisi del'opinione Pubblica (Milão). As respectivas amostras tiveram os seguintes N: 1 975 (Inglaterra), 2 021 (Alemanha), 1 298 (Bélgica), 1 230 (Países Baixos), 2 046 (França) e 1 822 (Itália). A pesquisa também incluiu Luxemburgo, mas o número de respondentes desse país (335) foi considerado muito pequeno para ser usado na presente análise. A amostra neerlandesa foi ponderada para corrigir deficiências amostrais e o N ponderado aparece nas tabelas das páginas seguintes. Enquanto os dados dos Países Baixos são, na opinião do autor, menos confiáveis que os dos outros países, as diferenças intra-amostrais cruciais discutidas neste artigo são suficientemente grandes para minimizar a probabilidade de que elas simplesmente reflitam erros amostrais. Por outro lado, comparações transnacionais baseadas nas margens neerlandesas devem ser vistas com reservas. As pesquisas nos países da Comunidade Européia foram patrocinadas pelo Serviço de Informações da Comunidade Européia. A pesquisa na Inglaterra foi apoiada com recursos da Universidade de Michigan. : "Se você tivesse que escolher entre as seguintes coisas, quais são as duas que parecem mais desejáveis para você?

- Manter a ordem no país.

- Dar mais voz ao povo em importantes decisões políticas.

- Combater o aumento de preços.

- Proteger a liberdade de expressão".

Somente duas escolhas foram permitidas; assim - deixando-se de lado a ausência de respostas e a ausência parcial de respostas -, era possível a um respondente selecionar qualquer um de seis possíveis pares de itens. Com respeito à nossa hipótese, dois dos itens (o primeiro e o terceiro) foram vistos como indicadores de preferências valorativas "aquisitivas" tradicionais: presume-se que uma preocupação com a ordem doméstica relaciona-se, acima de tudo, com a proteção à propriedade14 14 Do ponto de vista da maioria de nossos respondentes, isso significa o seguinte: em situações extremas, ameaças à ordem doméstica podem, é claro, envolver perigo para a vida das pessoas. Na medida em que uma preocupação com a segurança pessoal de alguém está envolvida, o item cobre a necessidade que Maslow situa imediatamente abaixo das necessidades econômicas em sua hierarquia. Desse modo, respostas pós-burguesas são vistas como algo que refle a segurança a respeito tanto das necessidades econômicas quanto das necessidades de segurança. Há motivos para esperar que o padrão de prioridades intergeracional possa ser similar para esses dois tipos de necessidades: coortes mais velhas são mais prováveis de terem experimentado ameaças à sua segurança física, assim como à sua segurança econômica, durante os anos de formação. O efeito de persistência da experiência anterior é sugerido pelo fato de que é mais provável que os alemães mais velhos expressem um medo de guerra mundial do que as coortes do período posterior à II Guerra Mundial (cf. MERKL, 1971). Contudo, duvidamos de que muitos de nossos respondentes sentissem-se fisicamente ameaçados em 1970. Para a maioria esse item provavelmente evoca nada mais que pensamentos de ameaça à propriedade. Seguimos a tradição marxista ao conferir um importante papel à determinação econômica - embora somente dentro de certas margens. Tanto antes da industrialização quando após ela uma sociedade industrial alcança um limiar de segurança econômica geral; cremos que é provável que outros valores prevaleçam mais amplamente. O conceito de renda discricionária é análogo à nossa interpretação de segundo limiar: quanto mais uma economia cresce bastante além do nível de subsistência, um comportamento especificamente econômico pode ser explicado por meio de variáveis econômicas em proporções progressivamente menores. ; já a relevância do aumento de preços para motivações aquisitivas é razoavelmente auto-evidente. Os outros dois itens desse conjunto foram percebidos como indicadores de uma preferência por valores "pós-burgueses". Eu uso essa expressão consciente de que as liberdades políticas estão entre as coisas tradicionalmente valorizadas pela burguesia - mas com a convicção de que esse grupo foi caracterizado de maneira ainda mais distinta por uma preocupação predominante em adquirir e manter bens econômicos. Não é uma questão de avaliar uma coisa positivamente e outra, negativamente: outros itens de nossos dados indicam que a maioria confere um valor positivo a todos os quatro objetivos acima. Mas na política às vezes impossível maximizar um bem sem prejuízo para outro. Em tais casos, a prioridade relativa entre os objetivos valorizados torna-se uma consideração vital. Nossas questões, portanto, foram elaboradas na forma de itens de escolha forçada, em um esforço de medir tais prioridades. Empiricamente, o que se percebe é que, embora quase todos apóiem a liberdade de expressão (por exemplo), há diferenças notáveis na prioridade conferida a ela pelos vários grupos sociais.

A escolha de um item "pós-burguês" mostrou uma correlação positiva relativamente forte em cada amostra nacional com a escolha do outro item "pós-burguês"; o mesmo era verdadeira a respeito dos dois itens "aquisitivos". Assim, aproximadamente metade dos respondentes em cada amostra escolheu um dos dois pares "puros" de valores preferenciais, com a outra metade dispersa sobre os quatro pares remanescentes, "misturados" (ou ambivalentes), somada às não-respostas (cf. a Tabela 2). Note-se que o par "aquisitivo" puro predominou entre as seis amostras em uma proporção de pelo menos 3:1.

Com base nas escolhas feitas entre esses quatro itens, é possível classificar nossos respondentes em grupos de valores prioritários15 15 O autor usa a expressão " value priorities", cuja tradução literal seria "prioridades valorativas". Preferimos "valores prioritários" porque nos parece descrever melhor a idéia de que os valores em questão são importantes e não tanto as prioridades (nota do tradutor). , variando de um tipo aquisitivo "puro" a um tipo pós-burguês "puro", com várias categorias intermediárias. O uso dessa tipologia fornece uma base simples, direta e intuitivamente significativa para análise. Devo enfatizar, entretanto, que o uso dessas categorias não se baseia exclusivamente nas escolhas individuais dos quatro objetivos listados acima. Ao contrário, esses quatro objetivos foram selecionados como a base de nossa tipologia porque eles parecem constituir um indicador particularmente sensível de um amplo espectro de outras preferências políticas - algumas das quais têm uma relação razoavelmente óbvia com os quatro itens básicos, enquanto outras parecem ser bastante distintas, em termos do valor de face. Por exemplo, com base no par de valores escolhido por um indivíduo qualquer, pode-se fazer uma predição razoavelmente acurada de sua resposta para o seguinte item: "Nos últimos anos, inúmeras manifestações estudantis de larga escala ocorreram na (Inglaterra) e em outros países. De modo geral, como você vê-as? Você é:

- muito favorável

- apenas favorável

- apenas desfavorável

- muito desfavorável".

A Tabela 3 mostra os respectivos níveis de apoio às manifestações estudantis em cada um dos seis países. Enquanto a maioria foi desfavorável em cada país, há uma ampla variação nos níveis de apoio de acordo com a escolha do par de valores: uma diferença média de amplos 55% separa os tipos "aquisitivo" e "pós-burguês" de respondentes. Em cada país, os respondentes que escolheram o par "pós-burguês" puro são o grupo mais favorável às manifestações estudantis, dando-lhe uma forte maioria de apoio. De modo geral, é mais que quatro vezes mais provável que apóiem as manifestações que os respondentes "aquisitivos". Com somente uma exceção entre os 36 pares de valores mostrados, os respondentes que escolheram o puro par de valores "aquisitivos" são menos favoráveis às manifestações estudantis (no único caso excepcional, os respondentes "aquisitivos" estão nos três pontos percentuais do grupo menos favorecido).

A análise fatorial das respectivas amostras nacionais consistentemente mostrou que essas escolhas de valores estão entre os itens de alta avaliação [high-loading] (em um conjunto de 25 variáveis) que interpreto como um fator de "valores aquisitivos-pós-burgueses"16 16 Outros itens considerados importantes nesse fator referiam-se a: expectativas de um maior padrão de vida; apoio a manifestações estudantis; apoio a mudanças sociais radicais e apoio a uma variedade de propostas para a integração européia (todas as quais tinham polaridade positiva); ênfase em segurança no emprego; orgulho da própria nacionalidade e apoio a Forças Armadas nacionais fortes (que tiveram polaridade negativa). Devido à limitação orçamentária, o questionário inglês era mais curto que os usados nos países da Comunidade Européia e a análise fatorial dessa amostra omite alguns dos itens disponíveis em conjuntos maiores de dados. Deixando de lado essas omissões, o padrão de resposta inglês parece ficar paralelo ao encontrado no continente. O fato de que as expectativas de maiores padrões de vida no futuro andem em conjunto com a relativamente baixa prioridade conferida à segurança econômica é interessante. Isto tende a confirmar nossa interpretação de que, para o grupo pós-burguês, os valores econômicos são relativamente pouco importantes porque são assumidos como garantidos. . Em cada caso, a escolha de "ordem" e "preços" teve avaliações relativamente altamente negativas, ao passo que a escolha de "liberdade de expressão" e "participação" tiveram avaliações relativamente altamente positivas.

Tendo em vista o valor de face desses itens, não é particularmente surpreendente que encontremos uma forte relação entre essas escolhas de valores e o apoio ou a oposição dos respondentes a manifestações estudantis. Mas essas mesmas escolhas de valores também mostram relações significativas com outras preferências políticas que não têm similaridades óbvias em termos do valor de face. Por exemplo, elas servem como bons preditores de atitudes relacionadas à integração européia supranacional. A Tabela 4 mostra a relação entre as escolhas de valores e as respostas em um índice de três itens de apoio à integração européia17 17 Esse índice baseou-se nas respostas aos seguintes itens: "Supondo que as populações da Inglaterra e do Mercado Comum fossem consultados para decidir sobre as seguintes questões, como você votaria? - Seria favorável, ou contrário, à eleição de um parlamento europeu via sufrágio universal e direto, ou seja, um parlamento eleito por todos os eleitores dos países-membro? - Estaria disposto a aceitar, acima e além do governo (inglês), um governo europeu responsável por uma política comum em política externa, defesa e economia? - Se um Presidente dos Estados Unidos da Europa fosse eleito pelo voto popular, você estaria disposto a votar em um candidato que não fosse de seu próprio país, se seus programa e personalidade correspondessem mais proximamente às suas idéias que aqueles candidatos de seu próprio país?" Um respondente seria categorizado como "claramente favorável" à integração européia se desse respostas favoráveis a todos os três itens ou a ao menos dois deles, desde que a resposta ao terceiro item fosse "eu não sei", em vez de "contrário". Para uma exploração muito mais detalhada desse assunto, cf. Inglehart (1971a). . Mais uma vez, encontramos os dois conjuntos teoricamente "puros" de prioridades de valores ocupando os pólos opostos do contínuo - com os respondentes pós-burgueses marcadamente mais europeus em suas perspectivas que os respondentes de tipo aquisitivo. Há apenas duas pequenas exceções à regra segundo a qual os respondentes que escolheram os pares de valores teoricamente "ambivalentes" são mais europeus que os tipos aquisitivos teoricamente puros e menos europeus que os tipos pós-burgueses. A ordem nos pares "ambivalentes" muda um pouco do padrão encontrado na Tabela 3, com uma preocupação com elevação de preços agora mostrando uma associação mais forte com o fim negativo da escala que a preocupação com a ordem doméstica que inicialmente ocupara aquele lugar; em outros aspectos, o ordenamento dos pares de valores permanece o mesmo. De modo geral, os respondentes pós-burgueses têm mais de duas vezes chances de serem classificados como "claramente favoráveis" à integração européia supranacional que os respondentes aquisitivos18 18 Há uma certa similaridade entre a configuração das preferências "pós-burguesas" e o bem conhecido conceito de "autoritarismo". Ambos os conceitos relacionam-se às prioridades que se concede à liberdade, em oposição à ordem. E - como acabamos de ver - a posição libertária parece ligada ao internacionalismo. Isso decorre do fato de que, de acordo com nossa análise, os grupos pós-burgueses alcançaram a segurança a respeito das necessidades de segurança e sustento. Na medida em que o Estado-nação é visto como um baluarte protegendo o indivíduo contra ameaças estrangeiras, ele é menos importante para os respondentes pós-burgueses. Além disso, em termos psicológicos eles têm um montante maior de "capital de risco" disponível para investimento em projetos com apelo intelectual e estético - como a unificação européia. Há diferenças tanto teóricas quanto empíricas entre nossa posição e a prevalecente na literatura sobre o autoritarismo. Enfatizamos um processo causal historicamente formado que não é necessariamente incompatível com - embora certamente adota uma perspectiva diferente de - a psicodinâmica do autoritarismo. Empiricamente, o autoritarismo, como as prioridades de valores aquisitivas, tende a vincular-se a um status econômico menor. Em contraste, há indicações de que as crianças e os jovens tendem a ser mais autoritários que os adultos. (Stouffer, contudo, relatou evidências de diferenças consideráveis entre grupos etários de adultos quanto ao grau de "tolerância para o não-conformismo", sendo os jovens adultos bem mais tolerantes que os adultos mais velhos; ele vê essa evidência como refletindo tanto os ciclos de vida quanto efeitos intergeracionais (cf. STOUFFER, 1955, p. 89)). De qualquer forma, nem explorações prévias nem a presente pesquisa revelaram relações razoavelmente fortes ou consistentes entre itens padronizados de escala F e as atitudes mencionadas aqui. Os dois conceitos parecem relacionados, mas os itens que serviram como indicadores de autoritarismo em pesquisas anteriores aparecem como tendo aplicabilidade limitada na Europa dos anos 1970. Para um relatório de uma exploração transnacional prévia sobre o autoritarismo e o internacionalismo, cf. Inglehart (1970). A literatura sobre o autoritarismo é imensa; o trabalho clássico é o de Adorno (1950); cf. também Christie e Jahoda (1954). .

Como veremos aqui, essas escolhas de valores também mostram um notável conjunto de relações com a estrutura social e com preferências partidárias. Dificilmente esse é o tipo de padrão que poderia surgir de respostas aleatórias ou de respostas superficiais para estímulos transitórios. O que se evidencia é que esse itens correspondem a um aspecto relativamente bem integrado e profundo da orientação política dos respondentes.

Se esses itens de fato correspondem a atitudes que foram anteriormente estabelecidas e relativamente persistentes, as respostas a eles deveriam apresentar padrões distintos, refletindo distintas condições que prevaleceram durante os anos de formação das respectivas coortes etárias. Nosso próximo passo, portanto, consiste em examinar variações nas respostas de acordo com os grupos etários. Antes de fazê-lo, deixem-nos especificar, tão precisamente quanto possível, que tipo de padrão deveríamos encontrar tendo por base nosso esquema analítico.

Em primeiro lugar, as coortes formadas mais recentemente deveriam exibir a maior proporção de respostas pós-burguesas e a menor proporção de respostas aquisitivas, em cada amostra nacional. Os respondentes nascidos após 1945 constituem o único grupo que - tão longe suas memórias alcançam - foi socializado inteiramente em condições de afluência crescente, sem interrupções devidas a grandes mudanças econômicas. Como uma primeira aproximação, portanto, poderíamos prever que: (1) a distribuição de atitudes deveria assemelhar-se a uma curva em forma de "L", com uma proporção bem baixa de atitudes pós-burguesas sendo encontrada entre os respondentes nascidos antes de 1945, e um rápido aumento da prevalência de valores pós-burgueses entre aqueles nascidos após essa data; inversamente, a ocorrência de valores aquisitivos deveria ser uniformemente alta entre todas as coortes nascidas antes de 1945, com uma queda precipitada assim que alcançamos as coortes posteriores à II Guerra. Esse padrão apenas serve como uma primeira abordagem. Seria ridículo argumentar que nenhuma mudança nos valores básicos pode ocorrer durante a vida adulta; nosso ponto é simplesmente que a probabilidade de ocorrerem tais mudanças torna-se muito menor após alcançar a maturidade e provavelmente continua a declinar daí em diante. À medida que o reaprendizado da idade madura acontece, a curva básica em formato de "L" tende a declinar. O fato de que as preferências de valores provavelmente se cristaliza em diferentes indivíduos em idades um tanto diferentes também tenderia a produzir esse efeito.

Não deveríamos esperar encontrar uma incidência nula de valores pós-burgueses mesmo entre as coortes mais idosas: sempre existe pelo menos um pequeno estrato de indivíduos economicamente seguros capazes de conferir prioridade máxima a valores não-aquisitivos. Mas esse estrato deveria ser muito pequeno entre as coortes idosas se, de fato, ele tende a refletir o nível de afluência prevalecente em uma dada sociedade durante os anos pré-adultos de uma dada coorte.

Da mesma maneira, a distribuição dessas preferências valorativas deveria variar transnacionalmente de uma forma previsível - refletindo a história econômica da nação em questão. Felizmente para nossa análise, há diferenças substanciais nas experiências econômicas no século XX das nações de nossa amostra. Essas variações habilitam-nos a fazer predições sobre o nível e a inclinação relativos das curvas de distribuição de valores para dadas nações. Em poucas palavras: níveis absolutos altos de riqueza em uma dada nação em um dado momento deve prever proporções relativamente altas de respondentes pós-burgueses entre as coortes socializadas sob tais condições; taxas altas de crescimento para um dado país prediriam aumentos relativamente grandes na proporção de respondentes pós-burgueses, ao longo dos grupos etários dos países. O progresso econômico da Inglaterra, em particular, apresenta um claro contraste com os outros cinco países. Ao longo das primeiras quatro décadas do século XX, a Inglaterra - o lar da primeira Revolução Industrial - era de longe o país mais rico da Europa e, em comparações mundiais, ficava em segundo lugar apenas atrás dos Estados Unidos (e, às vezes, do Canadá) em renda per capita. Durante a década anterior à II Guerra Mundial, entre os países de nossa amostra, os Países Baixos ficaram em uma situação muito próxima à da Inglaterra (com uma renda per capita correspondente a 71% da inglesa), seguidos pela França, Bélgica e Alemanha, ficando a Itália bem atrás (possuindo apenas 27% da renda per capita da Inglaterra). No período posterior à II Guerra, a posição economicamente privilegiada de que a Inglaterra por muito tempo desfrutou começou rapidamente a deteriorar-se (cf. Figura 1). Embora seu nível absoluto de renda tenha crescido gradualmente (interrompido por períodos de estagnação), a Inglaterra foi ultrapassada por seus vizinhos europeus, um de cada vez - dos quais quase todos experimentaram um crescimento econômico muito mais rápido e contínuo; essas taxas de crescimento foram particularmente altas nos casos da Alemanha e da Itália (cf. Figura 2). Por volta de 1970, a Inglaterra fora ultrapassada por cinco dos seis países da Comunidade Européia, com o sexto país (Itália) não muito atrás.

Com base nesses dados históricos, podemos elaborar quatro predições a respeito das curvas esperadas de distribuição de valores, adicionalmente à curva em formato de "L" proposta anteriormente em nossa primeira predição. São elas: (2) entre os respondentes que alcançaram a a idade adulta antes da II Guerra Mundial, o tamanho do estrato que conheceu a segurança econômica durante seus anos formativos seria pequeno - mas seu tamanho relativo deveria ser maior na amostra inglesa que nas outras amostras nacionais. Traduzido para os resultados esperados da pesquisa, isso significa que as coortes inglesas agora na faixa dos 55 anos de idade ou mais deveriam apresentar a mais alta freqüência de valores pós-burgueses. (3) A taxa de mudança de valores encontrada na Inglaterra, entretanto, deveria ser muito menor que a dos outros cinco países. Sua taxa de crescimento econômico desde a II Guerra Mundial foi aproximadamente a metade da média dos países da Comunidade Européia. Como uma primeira abordagem, poderíamos esperar que a taxa de aumento dos valores pós-burgueses encontrada entre as coortes inglesas mais jovens seja mais da metade maior que a da Comunidade Européia. (4) Em termos da prevalência dos valores pós-burgueses entre as coortes mais jovens, poderíamos esperar que a Inglaterra seja ultrapassada por todos os países da Comunidade Européia, com exceção da Itália. (5) Entre essas seis nações, a Alemanha e a Itália - os dois países que experimentaram a mudança econômica mais rápida durante o período posterior à II Guerra Mundial - deveriam apresentar o maior número de mudanças intergeracionais nas prioridades de valores básicos19 19 É difícil interpretar o padrão transnacional como uma reação a eventos correntes nas respectivas nações. Há considerável evidência de uma recente reação do tipo "lei-e-ordem" face às desordens estudantis em cada um desses países. Mas se as diferenças transnacionais fossem largamente o resultado de tal reação, deveríamos determinar que a ênfase na ordem fosse maior que todas na França (onde a recente sublevação foi a maior) e menor que todas na Inglaterra (que teve a menor quantidade de desordem doméstica). Os dados manifestamente falham em corresponder a esse padrão. Devemos explicá-los em termos de predisposições anteriores às - em vez de resultantes de - recentes desordens domésticas que esses países experimentaram. .

Com essas cinco predições em mente, deixem-nos examinar as relações empíricas entre as preferências de valores e as coortes etárias em cada amostra nacional (cf. Tabela 5, abaixo). Nossa predição básica - de que as coortes mais jovens serão menos propensas a apresentar valores prioritários aquisitivos e mais provavelmente valores pós-burgueses - é confirmada de maneira impressionante. Entre as coortes mais velhas, a preferência desproporcional pelo par puramente "aquisitivo" é acachapante: metade ou aproximadamente metade de toda a coorte escolheu esse único par entre as seis possibilidades. A maioria dos respondentes remanescentes da coorte é ambivalente; um pequeno grupo - em todo caso não mais que 5% - escolheu o conjunto pós-burguês de prioridades. No total, os tipos aquisitivos ultrapassaram os tipos pós-burgueses por uma relação de mais de 15:1 nessa coorte. À medida que subimos na tabela da coorte mais velha para a mais nova, a proporção que escolhe o par "aquisitivo" puro reduz-se marcadamente, diminuindo a uma taxa que é consideravelmente mais que a metade em cada amostra, exceto a inglesa; mesmo nesse caso, o declínio é de precisos 50%. À medida que nos movemos do mais velho para o mais novo, o aumento na proporção dos que escolhem as prioridades pós-burguesas é ainda maior proporcionalmente. Mesmo na amostra inglesa, em que as indicações de mudança ao longo do tempo são as mais fracas, a proporção pós-burguesa aproximadamente triplica.

Além disso, realmente encontramos algo parecido com uma curva em "L" modificada na distribuição dessas respostas: ao longo das seis amostras nacionais, de longe a maior descontinuidade ocorre à medida que nos movemos da segunda mais jovem coorte para a primeira mais jovem. Mesmo entre a coorte de 25 a 34 anos de idade, ainda há uma alta pluralidade de tipos aquisitivos em relação aos tipos pós-burgueses. Uma alteração maior ocorre quando nos movemos para a única coorte etária que foi socializada inteiramente no período posterior à II Guerra20 20 É interessante notar que essa mudança corresponde à transição da juventude supostamente apolítica dos anos 1950 - a "geração cética" ou "juventude sem compromissos", como ela era chamada - para a juventude relativamente radical dos anos 1960. : o grupo pós-burguês quase dobra de tamanho (entre as amostras da Europa continental), enquanto o grupo aquisitivo declina rapidamente. Na coorte mais jovem, o grupo pós-burguês ou alcançou uma paridade aproximada ou moveu-se adiante do grupo aquisitivo - exceto na Inglaterra. Embora a mudança de valores ocorra ao longo de toda a extensão das coortes etárias, nenhuma transição é tão nítida quanto aquela associada à socialização do período posterior à II Guerra.

Em comparações transnacionais, notamos que nossa segunda predição também é confirmada: embora a amostra inglesa como um todo tenha a menor proporção dos tipos pós-burgueses, entre as coortes que alcançaram a idade adulta antes da II Guerra Mundial (aqueles que hoje têm mais de 54 anos de idade), a Inglaterra apresenta a maior proporção de respondentes pós-burgueses. O país é seguido bem de perto pelos neerlandeses a esse respeito (a nacionalidade que esteve mais próxima do nível de afluência inglesa no período anterior à II Guerra).

Nossa terceira predição também parece ser confirmada pelos dados: a taxa de mudança ao longo das coortes inglesas é muito menor que a encontrada em qualquer outro país. O número total de pontos separando a coorte inglesa mais velha da mais nova não é muito maior que metade do tamanho da distância encontrada nas amostras alemã e italiana - em que a mudança intergeracional aparente é mais forte (ficando de acordo com nossa quinta predição).

Nossa quarta predição era de que, entre as coortes mais jovens, a Inglaterra deveria ficar atrás de todos os países, com exceção da Itália, na sua proporção de respondentes pós-burgueses. Essa expectativa é amplamente confirmada: a amostra inglesa posiciona-se bem atrás de todas as outras - incluindo a italiana, que parece ser bem mais pós-burguesa do que deveria, tendo como base suas expectativas econômicas. Não tentaremos apresentar uma explicação ad hoc para essa anomalia. É confuso, mas no geral todo os achados empíricos parecem corresponder às expectativas delineadas pela história econômica de uma forma notável.

III. INTERPRETAÇÃO VIA GERAÇÕES OU CICLOS DE VIDA?

A esta altura devemos considerar a possibilidade de que as diferenças observadas entre os grupos etários refletem fatores de ciclos de vida em vez de mudanças intergeracionais. A grande alteração nas preferências de valores que encontramos à medida que nos movemos da segunda mais jovem coorte para a primeira mais jovem é, de fato, o que esperaríamos encontrar, com base nas condições que governaram os anos formativos das respectivas coortes. Mas o fenômeno também pode ser interpretado em termos de ciclos de vida: o ponto de corte entre os dois grupos etários corresponde em termos gerais à idade média em que o indivíduo comum casa-se e começa uma família. Poderia ser melhor argumentado, portanto, que as coortes mais jovens apresentam uma tendência para os valores pós-burgueses apenas porque tais indivíduos são jovens e não têm responsabilidades familiares; quando eles envelhecerem, terão os mesmos valores prioritários que as coortes mais velhas têm agora. Como as respostas a esses itens parecem estar relativamente bem integradas à estrutura de atitudes dos indivíduos - um fato que sugere estabilidade das atitudes -, uma tal interpretação parece, ao contrário, improvável. O achado de que as diferenças entre as coortes etárias parecem refletir a história econômica de dada nação torna a interpretação baseada no ciclo de vida ainda menos satisfatória. E quando examinamos os dados de ainda sob outra perspectiva, qualquer simples interpretação baseada em ciclo de vida torna-se bastante implausível.

É importante lembrarmos que minha hipótese básica previu dois tipos de efeitos associados a uma transformação em curso dos valores prioritários. A primeira, que acabamos de examinar, relaciona-se às diferenças entre as coortes etárias; a segunda relaciona-se a diferentes graus de afluência. As hipóteses sugerem que o grau de segurança econômica que um indivíduo sente durante seus anos formativos pode desempenhar um papel-chave na formação de seu comportamento político posterior. Para a maioria de nossa amostra, é impossível (nesta altura da vida) obter uma medida direta dessa variável. Mas temos alguns indicadores indiretos. Talvez o mais acurado seja o nível de educação formal dos respondentes: na Europa Ocidental (ainda mais que nos EUA) a probabilidade de alguém obter uma educação secundária ou universitária é muito estreitamente relacionada à situação socioeconômica da sua família de origem. Na medida em que isso influencia os níveis de educação e as aspirações de carreira, a afluência relativa dos pais também tende a estar correlacionada com a própria situação econômica do indivíduo. Na medida em que essa associação mantém-se, nossos dados sobre educação, ocupação e renda do próprio indivíduo também servem como um indicador geral do nível em que ele estava economicamente seguro em seus anos formativos. (A maioria das mulheres de nossa amostra não tem ocupações independentes: para elas, nossos indicadores são sua própria educação e a ocupação do chefe da família.)

Com base nos indicadores disponíveis nossa previsão é de que os valores pós-burgueses deveriam ser mais prevalentes entre aqueles que atualmente desfrutam de uma situação socioeconômica relativamente alta ­- embora esse indicador seja entendido como importante principalmente à medida que reflete a afluência durante os anos formativos da pessoa. Deixem-nos testar essa hipótese. A Tabela 6 apresenta a distribuição de preferências de valores de acordo com as situações socioeconômicas (organizadas com base em uma escala combinando a ocupação e a educação). A Tabela 6 resume a relação entre os valores prioritários e a situação socioeconômica nas seis amostras nacionais. Como previsto, é muito mais provável que os grupos socioeconômicos inferiores selecionem valores prioritários aquisitivos que os grupos socioeconômicos superiores: no todo, 42% da categoria socioeconômica mais baixa escolheram o par teoricamente "puro" de valores aquisitivos - mais que duas vezes a proporção por essa escolha feita pelas duas categorias socioeconômicas mais altas. Inversamente, é muito mais provável que as categorias socioeconômicas superiores escolham o conjunto de valores prioritários pós-burgueses. Mais uma vez, a Inglaterra tende a ser um caso desviante: suas diferenças de classes sociais (como suas diferenças de coortes etárias) são menores que aquelas de outros países.

No conjunto, a relação entre coorte etária e valores prioritários persiste quando controlamos pelo status socioeconômico (cf. Tabela 7). A despeito da presença de algumas anomalias (especialmente na amostra neerlandesa), o padrão predominante é que a porcentagem que escolhe as prioridades aquisitivas declina fortemente e a porcentagem que escolhe prioridades pós-burguesas aumenta fortemente, à medida que nos movemos das coortes mais velhas para as mais novas. Talvez o aspecto mais significativo da Tabela 7 seja a extensão em que ela tende a refutar a interpretação de ciclos de vida das diferenças observadas entre os grupos etários; para sustentar essa interpretação, teríamos que sustentar a existência de ciclos de vida totalmente diferentes para os respondentes da classe trabalhadora e da classe média. Na verdade, a juventude da classe trabalhadora tende a entrar no mercado de trabalho e a casar-se mais cedo que seus pares da classe média - mas em termos de valores prioritários, as duas classes estão fora de sincronia não somente por quatro ou cinco anos, mas quase por uma geração. Na coorte neerlandesa mais jovem, por exemplo, as categorias socioeconômicas superiores preferiram as prioridades pós-burguesas às aquisitivas por uma relação de 50:6, enquanto 43% de seus pares socioeconômicos inferiores escolheram valores aquisitivos - com ninguém fazendo escolhas pós-burguesas. Na amostra belga, as relações correspondentes são de 35:12 nas categorias socioeconômicas médio-superior e superior, as quais contrastam com 14:24 na categoria socioeconômica inferior. Com base nos valores prioritários, um francês da classe trabalhadora de 20 anos de idade corresponde a um francês da classe média na faixa dos 50 anos de idade. Mais ou menos a mesma coisa pode ser dita a respeito das outras amostras dos países da Comunidade Européia.

Assim, as variações de coortes etárias mostradas na Tabela 7 dificilmente podem ser explicadas como um resultado apenas do processo de envelhecimento. Uma explicação em termos da segurança econômica e física durante um período formativo dá conta do padrão observado para as diferenças tanto das coortes etárias quanto das situações socioeconômicas de uma forma parcimoniosa. Entretanto, para que essa interpretação seja aplicável, devemos aceitar a hipótese segundo a qual esses valores prioritários refletem um aspecto da orientação individual que persiste ao longo do tempo.

Diferenças substanciais entre as coortes etárias também persistem quando aplicamos controles mais finos para educação (cf. Tabela 8). Assim, embora a educação formal pareça ter uma forte influência nos valores prioritários de um indivíduo, as diferenças entre as coortes etárias não são simplesmente resultantes dos diferentes níveis de educação que caracteriza dadas coortes etárias (como apresentado na Tabela 1). As análises de classificações múltiplas21 21 Essa análise é similar a uma de regressão múltipla, usando variáveis binárias. Para uma explicação dessa técnica, cf. Sonquist (1970). indicam que a educação está entre os mais poderosos previsores dos valores prioritários. A educação classifica-se juntamente com a ocupação, a religião, os níveis de renda e a coorte etária como uma influência importante sobre os valores básicos (embora todas as últimas quatro variáveis também pareçam ter efeitos independentes substanciais nos valores prioritários, quando controlamos os efeitos de cada uma das outras variáveis). Nossa própria interpretação enfatizaria que esse é o caso porque a educação é nosso indicador mais acurado de afluência parental durante os anos formativos dos respondentes. Contudo, poderia ser argumentado de modo bastante plausível que essa relação relativamente forte existe devido a algo que se baseia na própria educação: por exemplo, que nas presentes circunstâncias o processo de educação formal assimila o indivíduo a uma cultura da elite política que enfatiza os valores expressivos22 22 Assumindo que seja esse o processo em curso, devemos perguntar por que essa cultura da elite política confere relativamente alta prioridade aos valores expressivos. Pode-se basear pelo menos parte da resposta na segurança econômica relativa. Todavia, como será indicado adiante, a educação superior não parece estar inerentemente vinculada a uma posição política libertária; em outros momentos da história, ela esteve associada a posições relativamente autoritárias e conservadoras. . De fato, suspeitamos que há alguma verdade nesta última interpretação; mas consideramo-la mais como uma explicação complementar do que como uma alternativa. Nossos dados não contêm uma medida direta da segurança econômica durante todos os anos formativos, de modo que não podemos separar os dois efeitos. Mas a despeito de se consideramos o impacto da educação como sendo em grande medida devido à educação per se ou como um reflexo da influência parental, dois importantes fatos parecem razoavelmente claros: (1) as diferenças entre as coortes etárias não são resultado das diferenças educacionais sozinhas - mesmo o membro menos educado das coortes mais jovens exibe uma tendência marcada a ser menos aquisitivo e mais pós-burguês que as coortes mais velhas (o que pode refletir o fato de que no período posterior à II Guerra Mundial mesmo o menos educado conhecia uma afluência relativa). (2) Mesmo se as diferenças de classes socioeconômicas são largamente devidas à educação per se mais que à afluência durante os anos formativos, deveríamos esperar delas que persistam ao longo do tempo: relativamente altos níveis de educação formal são uma característica estável das coortes mais jovens, que não é provável que desapareça com as idades individuais. Em qualquer caso, portanto, talvez estejamos certos em projetar mudanças ao longo do tempo à medida que as coortes mais jovens (e mais educadas) substituem os grupos mais jovens no eleitorado adulto.

Em última análise, é claro, nossa tese pode ser provada ou rejeitada somente com o auxílio de dados longitudinais - e, como notado antes, bem pouco está disponível no momento. Todavia, um pequeno conjunto de dados de séries temporais relevantes está disponível e parece digno de exame. O Instituto Emnid da Alemanha Ocidental empregou um item relativo aos valores prioritários em uma série de pesquisas sobre a opinião pública alemã, de 1949 a 1963. A questão era: "Qual das quatro liberdades você considera pessoalmente mais importante?". Assim como os itens usados para medir os valores prioritários em nossa própria pesquisa, essa questão forçava a escolha, exigindo que os indivíduos fizessem uma seleção entre itens avaliados positivamente, de acordo com suas prioridades pessoais. E porque as duas escolhas que de longe lideravam eram "liberdade das necessidades" [freedom from want] e "liberdade de expressão", a escolha que um indivíduo fazia provavelmente tende a corresponder à dimensão central desta pesquisa - valores aquisitivos versus pós-burgueses. Em 1962, por exemplo, quase metade da amostra alemã elencou a "liberdade de expressão" como a liberdade mais importante. Vejamos na Tabela 9 a relação entre idade e preferência para esse valor em 1962 (infelizmente, o único ano para o qual uma relação etária está disponível).

O padrão de diferenças etárias mostrado na Tabela 9 é similar ao que encontramos em nossos próprios dados: os jovens são muito mais propensos a conceder uma alta prioridade à liberdade de expressão que os mais velhos. Prima facie, essa relação etária poderia ser interpretada como algo que reflete tanto um efeito de ciclo de vida quanto uma mudança intergeracional23 23 Outras possibilidades também existem: (1) Poderia ser devido a um erro amostral. Contudo, acreditamos que a última possibilidade poderia ser excluída: encontramos um padrão de grupo etário similar em todas as sete pesquisas européias que citamos até agora. Além disso, examinamos respostas a itens de uma grande quantidade de pesquisas estadunidenses que, implícita ou explicitamente, solicitaram aos indivíduos que escolhessem entre liberdades políticas e ameaças à ordem ou à segurança nacional. Um padrão de grupo etário similar ocorre em virtualmente todos eles. Cf. por exemplo Gaudet (1970). O mesmo padrão ocorre em respostas a itens comparáveis na pesquisa para as eleições presidenciais de 1968 da Syracuse Research Corporation (SRC). A probabilidade de encontrar tal padrão em tantas pesquisas em sociedades pós-industriais como resultado de erros amostrais parece negligenciável. (2) O padrão de grupos etários poderia relacionar-se a diferentes taxas de nascimento ou de expectativas de vida entre os grupos sociais que têm diferentes valores prioritários. Elas tenderiam a conceder ao grupo com a maior taxa de nascimento (ou a menor expectativa de vida) uma representação desproporcionalmente maior entre as coortes mais jovens. Empiricamente, grupos de renda menor tendem a possuir maiores taxas de nascimento e menores expectativas de vida que os grupos de renda superior nas últimas décadas (por exemplo, cf. BUTLER & STOKES, 1969, p. 265-270). Mas grupos de renda menor são relativamente propensos a expressar valores prioritários aquisitivos. Apesar desse fato, os valores pós-burgueses são relativamente bem distribuídos entre as coortes mais jovens! .

Essa última interpretação possui certo apelo, pois ela vincula-se ao pressuposto aparentemente parcimonioso de que nada está realmente mudando - as pessoas mais jovens serão como seus pais quando envelhecerem. Quando examinada um pouco mais de perto, torna-se aparente que a interpretação do ciclo de vida em sentido algum é mais parcimoniosa que a interpretação geracional; de fato, ela poderia ser considerada ainda menos [parcimoniosa], embora ela assuma que as preferências de uma nação como um todo não apresentarão mudanças. Esse resultado pode ser obtido apenas se cada um dos grupos etários no interior das nações realmente mudar. Além disso, ela assume - freqüentemente sem mesmo considerar a alternativa - que a direção de qualquer mudança nas preferências pode ser tomada como garantida: ela deve mover-se na direção que tende a apagar as diferenças entre os grupos etários. Concordamos que seria irrealista assumir que os valores prioritários dos indivíduos não apresentarão nenhuma mudança em suas vidas adultas - mas é concebível que, à medida que envelhecem, eles movem-se na direção de conceder uma prioridade maior para os valores libertários (por exemplo) e não menor. Felizmente, temos a possibilidade de examinar tendências concedendo a mais alta prioridade ao item citado na Tabela 9. As respostas ao item do Instituto Emnid sobre as "quatro liberdades" no período de 1949 a 1963 estão reproduzidas na Tabela 10. As mudanças ao longo do tempo são impressionantes em tamanho. Essas mudanças podem ser atribuídas a dois tipos de causas: 1) a mecânica da mudança intergeracional. Esse processo tem dois aspectos: (a) o recrutamento de novos (mais jovens) membros no universo amostral de 1949 a 1963 e (b) a mortalidade dos membros da amostra de 1949 - a maioria do grupo com 65 anos ou mais naquele ano já teria morrido (os seus membros mais jovens teria 79 anos em 1963). 2) Mudança de atitudes dos adultos. O efeito de ciclo de vida constitui um caso especial da mudança de atitudes dos adultos, que pressupõe (no presente caso) que os indivíduos tornar-se-ão menos libertários e mais economicamente motivados à medida que envelhecem.

Os dados das tabelas 9 e 10 permitem-nos estimar parâmetros para os dois processos. Enquanto cálculos grosseiros indicam que somente cerca de um terço da mudança observada nos valores prioritários de 1949 a 1962 podem ser atribuídos ao processo de recrutamento e mortalidade, a direção da mudança de atitudes dos adultos remanescentes vai diretamente de encontro ao que é previsto pela interpretação do ciclo de vida. Parece claro que, à medida que uma alteração nas prioridades ocorreu entre os indivíduos que estavam nos universos amostrais de 1949 e 1962, eles tenderam a mover-se na direção "pós-burguesa" à medida que envelheceram - e não o contrário.

Os dados das séries temporais expostos na Tabela 10, além disso, têm uma excelente compatibilidade com a histórica econômica recente da Alemanha. Na Alemanha de 1949, a "liberdade das necessidades" era de longe a opção-líder. A recuperação alemã da devastação da II Guerra Mundial tinha começado havia pouco tempo e as necessidades econômicas faziam extremas pressões sobre a maioria da população. Mesmo em condições de pobreza, contudo, a liberdade de expressão era a escolha classificada em segundo lugar. Os 14 anos que se seguiram foram os anos de Wirtschaftswunder [milagre econômico]. A Alemanha ergueu-se da pobreza à plenitude com uma velocidade quase inacreditável e as duas escolhas-líder trocaram de lugares: o percentual que escolheu "liberdade de expressão" mais que duplicou, enquanto o percentual que escolheu "liberdade das necessidades" caiu para menos da metade do nível inicial (as escolhas das outras duas opções permaneceram relativamente constantes). Esses dados sugerem que uma sociedade pode, de fato, apresentar uma mudança nos valores prioritários em resposta a condições cambiáveis de escassez. Reconhecidamente, isso deve ser visto como um caso excepcional: apenas raramente ocorre uma mudança tão grande na situação econômica média de um indivíduo em um período tão curto de tempo. Mas a direção do movimento claramente se encaixa nas expectativas geradas pela nossa hipótese.

Algumas evidências dispersas mas interessantes de séries temporais do outro lado do Atlântico podem ser esboçadas a partir de dois excelentes estudos sobre consciência política dos estudantes da Universidade de Yale. Cada estudo parece ser resultado de observações profundas: Political Thinking and Consciousness, de Robert Lane (1970), e Young Radicals, de Kenneth Keniston (1968). O primeiro estudo baseia-se em material coletado na década de 1950 e no início dos anos 1960; o segundo baseia-se em observações feitas cerca de dez anos depois. Sendo elaborados no mesmo ambiente e com uma década de diferença, eles fornecem um conjunto impressionista de dados de séries temporais. E a figura que surge é de profunda mudança. Repetidamente, no material de Lane é possível observar as pressões em direção à conformidade com uma regra conservadora: para que se fosse socialmente aceitável em Yale no final dos anos 1950, era-se obrigado a identificar-se com o Partido Republicano e a apoiar as políticas do establishment. A situação uma década depois apresenta um contraste fascinante. Como Keniston evidencia, os "jovens radicais" que então se tornaram uma parte proeminente da cena de Yale não estavam agindo tendo como base a rebelião estudantil: eles estavam defendendo políticas que lhes pareciam uma implementação mais fiel dos valores que foram inculcados neles em seus lares. Ainda assim, suas perspectivas entravam fortemente em conflito com as políticas social e externa dos governos eleitos popularmente, fossem tais governos do Partido Democrata, fossem do Partido Republicano. Em outro livro que foi elaborado a partir dos dados dos estudantes de Yale, Charles Reich (1970) dá uma interpretação inteligente a esse complexo processo de mudança. Em parte, a análise é similar à nossa: surgiu uma geração mais jovem, que tem uma perspectiva basicamente diferente das gerações anteriores (Reich refere-se ao sistema de valores da geração mais jovem como "consciência III"). Minhas conclusões divergem das de Reich sobretudo quanto ao grau em que eu generalizaria tais mudanças. Os dados apresentados sugerem que, embora as sociedades pós-industriais possam de fato estar atravessando uma transformação similar ao surgimento da "consciência III", o processo de transformação é decididamente irregular e os tipos anteriores de consciência continuam sendo predominantes mesmo entre a juventude - exceto em certos setores, especialmente nas universidades.

Uma interpretação baseada no ciclo de vida tende a desconsiderar as evidências das diferenças intergeracionais como sendo algo da tendência juvenil à rebelião ou à felicidade, geralmente sem considerar o tipo de valores que motivam a juventude radical. Embora eu não conheça uma base de dados microanalíticos referentes à Europa e comparável aos estudos citados sobre Yale, grosso modo a observação da atividade política sugere uma alteração significativa nos valores demonstrados pelos ativistas estudantis europeus durante a última geração. Não é preciso pensar nos aspectos direitistas e autoritários dos movimentos estudantis da Alemanha e da Itália dos anos 1930. O que é talvez menos amplamente reconhecido é que o ímpeto predominante no ativismo político dos estudantes franceses nos anos 1930 também tinha um caráter marcadamente conservador: sua intervenção mais crítica na política francesa indiscutivelmente ocorreu no início de 1934, quando a juventude monarquista e quase-fascista (em sua maioria da classe média superior e muitos deles universitários) desempenhou um papel predominante em uma série de distúrbios sociais que estiveram muito próximos de derrubar a III República (cf., p. ex., SHIRER, 1969, p. 201-223). Então como agora, os estudantes ingleses parecem ter sido um caso desviante: relativamente liberais nos anos 1930 e relativamente conservadores nos anos 1970.

Atualmente parece ter diminuído a onda de intensa atividade política estudantil que varreu tanto a Europa quanto a América do Norte no final dos anos 196024 24 Entre as razões para esse declínio de atividade, o fato de que algumas concessões foram feitas a algumas das demandas estudantis é provavelmente o fator mais óbvio, mas suspeito que sua importância é supervalorizada. Outra razão é que grandes confrontos políticos na dimensão aquisitivo-pós-burguês são provavelmente contraprodutivos para o último grupo nas condições atuais: os aquisitivos ainda parecem deter uma pesada predominância numérica - como se tornou crescentemente aparente em ambos os lados do Atlântico no final dos anos 1960. Um outro fator que ainda parece pertinente nos Estados Unidos: a recessão econômica de 1970 pode ter conferido maior atenção às considerações econômicas da parte de grupos que previamente davam pouca atenção a essas questões. A sabedoria convencional sustenta que os problemas econômicos tendem a ajudar a esquerda tradicional; paradoxalmente (mas mantendo-se de acordo com nossa análise da mudança intergeracional), deveríamos esperar que tais problemas tendam a solapar a nova esquerda. . Era essa onda uma moda passageira do ambiente universitário ou uma manifestação de mudanças mais amplas na sociedade pós-industrial? Eu creio que os dados apresentados e o esquema analítico fornecem uma perspectiva útil a partir da qual é possível interpretar suas implicações.

Observemos a Tabela 11 para ilustrar essa questão (que é simplesmente um subconjunto da Tabela 7). Os estudantes universitários desses países tendem a ser selecionados esmaga-doramente entre os estratos socioeconômicos superior e médio-superior. Se tomamos a coorte mais jovem desses estratos como grosseiramente indicativa do clima de valores no ambiente estudantil em cada um desses países - e se considerarmos a coorte com 45 a 54 anos de idade da mesma categoria socioeconômica como indicativa do ambiente em que os administradores universitários são selecionados -, podemos formar uma idéia dos climas de valores contrastantes nos dois ambientes25 25 Exceto entre a coorte mais jovem, não temos um número suficientemente grande de respondentes com educação universitária de modo a permitir estimativas confiáveis sobre as respostas daqueles que de fato têm educação universitária. Na coorte mais jovem, temos pelo menos 30 respondentes de quatro dos nossos seis países; eles tendem a ser um tanto mais pós-burgueses que outros membros de seus grupo etário e estrato socioeconômico, porém apenas moderadamente. Eles são, em média, quatro pontos percentuais menos aquisitivos e sete pontos mais pós-burgueses que seus pares da Tabela 11. Isso sugere que não é principalmente o ambiente universitário que importa para seus valores prioritários (embora isso pareça ter uma certa importância), mas o fato de que os estudantes provêm das categorias sociais mais jovens e mais afluentes. . Nossos dados sugerem que sempre houve um certo número de pessoas com os valores prioritários que chamamos de pós-burgueses, mas que até recentemente eles eram uma minoria relativamente pequena. Na última década eles parecem ter-se tornado relativamente numerosos - constituindo um bloco político. Além disso, eles tendem a ser tomados em conjunto como um grupo capaz de dar o tom dominante em um importante contexto institucional - as universidades. Como a Tabela 11 indica, os tipos pós-burgueses agora parecem sustentar uma forte pluralidade em relação à predominância tradicional dos tipos aquisitivos no ambiente estudantil de cinco das nossas seis amostras nacionais. Enquanto eles podem ainda não constituir uma maioria absoluta mesmo nesse ambiente, sua preponderância em relação aos tipos aquisitivos pode permitir ao grupo pós-burguês agir como uma influência líder sobre muitos de seus pares "ambivalentes". Em contraste com o ambiente estudantil, o clima de valores a partir do qual os administradores são selecionados tende a conter uma pluralidade maior de tipos aquisitivos do que de pós-burgueses. Além disso, os administradores estão sujeitos a pressões relativamente fortes da sociedade como um todo - que tendem a ser muito mais conservadoras em seus valores prioritários que os próprios administradores. O resultado (com grande frequência) não é simplesmente a discordância, mas, sim, que os conflitos parecem impassíveis de compromisso - pois tais conflitos baseiam-se em valores prioritários fundamentalmente diferentes. (Um resultado incidental parece ser a freqüente mudança de administradores universitários.)

Uma notável exceção a esse padrão aparece na amostra inglesa, em que ainda parece haver uma estreita pluralidade escolhendo valores prioritários aquisitivos, mesmo no ambiente estudantil. Esse é um achado que pode ir longe na explicação da relativa tranqüilidade da cena universitária nesse país. Enquanto houve algumas rebeliões relativamente pacíficas nas universidades inglesas nos últimos anos, é fácil apontar explosões estudantis que apequenam as manifestações inglesas em cada um dos outro cinco países.

De acordo com nossos dados, a Alemanha Ocidental parece ser o país que possui o maior grau de tensão intergeracional em suas universidades, com uma predominância de 3:1 dos valores aquisitivos no ambiente "administrativo" e uma predominância de 5:1 de escolha de valores pós-burgueses no ambiente "estudantil". Isso pode parecer momentaneamente surpreendente, pois a França é claramente o país em que ocorreu a mais retumbante rebelião estudantil até o presente. Para ser mais claro, nossos dados indicam também considerável tensão intergeracional na França, mas isso parece ser menos extremo que no caso alemão. Esses fatos servem para lembrar-nos de que os dados de pesquisas não podem ser interpretados sem referências aos contextos institucional e geográfico em que eles baseiam-se. Poderíamos atribuir os diferentes resultados a fatores estruturais: importantes manifestações do descontentamento estudantil ocorreram em várias localidades na Alemanha bem antes de ocorrerem na França. Mas o alto grau de centralização educacional e administrativa da França significou que, quando uma explosão de fato ocorreu em Paris, foi uma crise que envolveu o país inteiro.

A hipótese da mudança intergeracional dos valores prioritários (baseada nos diferentes níveis de escassez econômica durante os anos formativos de uma coorte) parece ajustar-se bem a uma ampla variedade de evidências: com os padrões de atitudes das respectivas coortes etárias, com os estratos socioeconômicos das amostras dos seis países, com a história econômica de determinadas nações, com as diferenças transnacionais de experiências econômicas; com os dados de séries temporais disponíveis. Seria tolice negar que os indivíduos podem e de fato mudam quando adultos. Mas se a maleabilidade de alguém é relativamente grande durante os anos pré-maturidade e tende a declinar dali em diante, esperaríamos encontrar resíduos das experiências formativas nos padrões de resposta de várias coortes adultas26 26 Em sua análise dos dados da pesquisa de painel sobre a Inglaterra, coletados em 1963, 1964 e 1964, Butler e Stokes (1969, p. 58-59) comentam: "Uma teoria da 'senescência' política, como às vezes é chamada, conforma-se de maneira confortável com a crença mais geral segundo a qual as atitudes da juventude são naturalmente liberais ou radicais, ao passo que aquelas da idade madura são conservadoras. [...] Nos anos 1960 a força conservadora tendeu a ser a mais fraca entre aqueles nascidos nos anos 1920. Os eleitores mais jovens tenderam de fato a ser um pouco mais conservadores que aqueles que se encontravam na idade mediana. Essa irregularidade, embora seja um embaraço para qualquer teoria simples de conservadorismo aumentando com a idade, pode ser prontamente reconciliada com o conceito de que a manutenção das tendências políticas estabelecidas é que aumenta com a idade. [...] Não devemos perguntar quão velho é o eleitor, mas, sim, quando é que ele foi jovem". Para um excelente exemplo de análise de coorte etária baseada em dados sobre elites, cf. Putnam (1971). Esse autor encontra evidências de significativas mudanças intergeracionais em estilos políticos básicos entre os políticos ingleses e italianos. . Assim, analisando as evidências como um todo, parece-me que nossos dados sugerem fortemente as mudanças intergeracionais.

IV. VALORES PRIORITÁRIOS E PARTIDOS POLÍTICOS

Os padrões de preferência de valores esboçados acima podem representar uma força potencial para mudanças políticas de longo prazo. Eles podem encorajar o desenvolvimento de novos partidos políticos, relativamente responsivos a clivagens de valores emergentes. Ou eles podem conduzir a um realinhamento das bases sociais dos partidos existentes, transformando a idade em uma base crescentemente importante de clivagem (durante um período de transição) e, finalmente, talvez, tendendo a reverter o tradicional alinhamento da classe trabalhadora com a esquerda e da classe média com a direita. Afinal, em termos dos valores prioritários discutidos neste artigo, os respondentes de status superiores estão bem menos dispostos que os respondentes de status inferiores a apoiar um conjunto de princípios pós-burgueses que parecem mais compatíveis com partidos de mudanças do que com os partidos da ordem. Encontramos alguma relação entre escolha de partido político e nossos indicadores de valores prioritários fundamentais? Perguntou-se aos respondentes de cada uma de nossas amostras: "Se houvesse uma eleição geral amanhã, em qual partido você mais provavelmente votaria?". As respostas a essa questão foram cruzadas com os dois pares de valores "puros" na Tabela 12. Os partidos foram ordenados de acordo com a noção convencional do contínuo direita-esquerda.

Na amostra inglesa, as diferenças encontradas são de tamanho moderado, porém estão na direção esperada: os respondentes que escolheram valores pós-burgueses provavelmente apóiam mais o Partido Trabalhista do que os respondentes de tipo aquisitivo; as diferenças intergrupais perfazem oito pontos percentuais. O grupo pós-burguês também é relativamente mais propenso a apoiar o Partido Liberal e os ganhos relativos para os dois outros partidos surgem às expensas dos Conservadores - que são apoiados por uma sólida maioria dos aquisitivos, mas por uma minoria do grupo pós-burguês. Um padrão algo similar aparece nos dados belgas.

Em todos os outros quatro países encontramos diferenças consideravelmente grandes nas preferências partidárias entre os dois grupos e essas diferenças são consistentes com as direções esperadas: na amostra neerlandesa, por exemplo, os respondentes pós-burgueses são mais propensos a apoiar os partidos de esquerda por uma margem de 23 pontos percentuais; eles dão um apoio maior aos partidos tradicionalmente considerados como sendo da esquerda por uma amplitude de 26 pontos na Itália e por uma amplitude de 15 pontos na Alemanha (22 pontos se virmos o FDP de hoje como um partido de esquerda, o que em alguns aspectos parece ser o caso).

Na França as diferenças são as mais impressionantes entre todos os casos: os respondentes pós-burgueses são mais propensos a apoiar os partidos usualmente considerados esquerdistas por uma margem de 36 pontos percentuais em relação aos aquisitivos. Uma sólida maioria (56%) do último grupo apóia a UDR gaullista e seus aliados, os RI; ao mesmo tempo, em contraste, meros 16% do grupo pós-burguês apóiam a coalizão gaullista! Embora a coalizão compreenda uma ampla pluralidade no país como um todo, a coalizão gaullista recebe uma minoria quase insignificante de apoio do grupo que sustenta valores prioritários pós-burgueses. Esse achado tende a confirmar nossa interpretação da Revolta de Maio mencionada antes - de que a crise de 1968 levou a França a uma repolarização parcial do eleitorado de acordo com os valores prioritários fundamentais (com muitos dos respondentes trabalhadores passando para o lado gaullista, enquanto os elementos pós-burgueses da classe média passaram para a esquerda). Essa mudança súbita no voto de 1967 para 1968 não parece ter sido simplesmente uma reação temporária à crise de 1968, com os eleitores retornando à sua orientação partidária normal após a emergência ter-se dissipado. Ao contrário, o eleitorado francês parece ainda manter um nível desproporcional de polarização política de acordo com os valores preferenciais em 1970, quase dois anos após a Revolta de Maio. Essa interpretação tende a ser sustentada pelos dados de um painel relatado alhures27 27 Philip Converse e Roy Pierce perceberam uma notável mudança para a direita de 1967 a 1968 em um painel em que os respondentes foram solicitados a classificarem -se em um contínuo direita-esquerda em ambos os anos. Após reentrevistar esses respondentes uma terceira vez, eles relataram que mais de 99% da mudança de 1967 para 1968 fora preservada em 1969 (cf. CONVERSE & PIERCE, 1970). . A natureza aparentemente durável dessa redistribuição de posições políticas, uma vez que tenha sido realizada, pode corresponder de fato a valores profundos. Parece significativo que os outros dois países de nossa pesquisa que experimentaram manifestações mais maciças da nova esquerda (Alemanha e Itália) também apresentem níveis relativamente altos de polarização de acordo com os valores prioritários, embora suas magnitudes permaneçam menores do que a encontrada na França. Em contraste, a Grã-Bretanha (com exceção dos conflitos étnicos na Irlanda do Norte) teve provavelmente o maior índice de tranqüilidade doméstica entre esses países nos anos recentes - e apresenta uma relação relativamente fraca entre os valores prioritários e a escolha partidária.

Reconhecidamente, não delineamos de nenhuma forma precisa as diferenças entre os objetivos políticos dos grupos aquisitivo e pós-burguês. O último grupo pós-burguês pode estar ainda em processo de definir um programa. Além do mais, há pelo menos uma falta idêntica de precisão nos rótulos partidários que acabamos de empregar: consideramos "esquerda" e "direita" como termos taquigráficos meramente convenientes sob os quais agrupamos (para comparações transnacionais) dois conjuntos de partidos que tendem a diferir ao serem relativamente conservadores ou relativamente orientados para a mudança, mas que por outro lado variam bastante de país para país. Na verdade, os tipos de respondentes aquisitivo e pós-burguês de fato parecem reagir bem diferentemente a esses dois conjuntos de partidos e o padrão é razoavelmente consistente em termos transnacionais. Mas a clivagem não se dá com clareza ao longo da tradicional dimensão direita-esquerda. Talvez devido a esse motivo a polarização política de acordo com os valores prioritários fundamentais parece muito mais pronunciada com respeito àqueles que poderiam ser chamados de partidos da "nova esquerda" (em países em que ela existe) do que em relação ao que poderia ser chamado de "esquerda tradicional". Para ilustrar esse ponto, vejamos mais de perto os votos dados para determinados partidos pequenos que parecem ter um apelo distinto para o público pós-burguês (cf. a Tabela 13).

No caso francês, o PSU surgiu da crise de maio e junho de 1968 como a incorporação política da nova esquerda, o único partido significativo que sem ambigüidade apoiou a revolta de maio. Embora o partido tenha obtido nacionalmente apenas 4% dos votos e seja apoiado por apenas 2% dos eleitores aquisitivos de nossa amostra, ele atrai para si bem mais que essa parcela de apoio entre os eleitores pós-burgueses - obtendo plenos 29% das preferências desse grupo. Em comparação, os outros partidos da esquerda francesa dispõem somente de uma vantagem relativamente pequena no grupo pós-burguês - obtendo aí nove pontos percentuais a mais do que entre os eleitores aquisitivos. Um padrão similar aplica-se ao apoio a dois outros partidos que mais ou menos são caracterizados como de nova esquerda: Democratas 66 nos Países Baixos e o Psiup na Itália. O grupo pós-burguês exibe uma forte preferência por tais partidos, mais que pelos partidos convencionalmente vistos como de esquerda28 28 No caso italiano, todavia, o Partido Comunista também parece desfrutar uma relativa preferência entre os eleitores pós-burgueses: o PCI e o Psiup em conjunto são apoiados por 7% do grupo pós-burguês (deixando aos dois partidos socialistas uma proporção somente um pouco maior de apoio do grupo pós-burguês em relação aos aquisitivos). Ao que tudo indica os membros de nossa amostra italiana reagem ao PCI quase como se ele fosse um partido da nova esquerda – um achado interessante face ao fato de que o apoio ao Partido Comunista Francês não apresenta um padrão similar. Pode-se pensar se o PCF perdeu o apoio pós-burguês ao repudiar a revolta de maio. .

Encontramos um fenômeno surpreendente quando observamos o caso belga. Em termos tradicionais, provavelmente não veríamos de modo algum os partidos separatistas belgas como característicos da nova esquerda. Mas em suas bases de recrutamento, esses partidos (tanto o flamengo quanto o valão, ainda que predominantemente o primeiro) desempenham um papel comparável ao desempenhado pelo PSU na França: eles obtêm suas forças muito desproporcionalmente dos tipos pós-burgueses, mais que dos aquisitivos. Na França, a proporção é aproximadamente 15:1; na Bélgica, há uma sobre-representação aproximada de 4:1 dos pós-burgueses em comparação com os tipos aquisitivos. De fato, quando incluímos os partidos separatistas em nossa análise, os socialistas belgas na verdade exibem um pequeno défice no grupo pós-burguês quando comparado com os aquisitivos (cf. Tabela 13).

Os partidos da "nova esquerda" e os separatistas belgas podem parecer ter pouco em comum além de uma radical oposição a aspectos fundamentais do sistema social estabelecido. Mas essa disparidade de objetivos políticos, justaposta a uma aparente similaridade em suas bases sociais e nos valores preferenciais fundamentais, conduz-nos de volta a uma sugestão a respeito da natureza da política pós-burguesa mencionada anteriormente: a necessidade de pertencimento pode ser uma importante função latente. De acordo com Maslow, a necessidade de pertencimento vem após as necessidades relacionadas a subsistência e segurança dentro da hierarquia individual. Eu reconheceria e enfatizaria a importância dos objetivos manifestos de um dado movimento em um dado contexto; mas também parece provável que movimentos de protesto que estão em conflito radical com seus ambientes fornecem aos seus membros um sentido de pertencimento. No seio de sociedades grandes, anônimas e burocraticamente organizadas, esses movimentos podem tornar-se pequenas comunidades coesas que são mantidas juntas de uma forma muito mais próxima exatamente porque têm clareza a respeito de sua oposição radical e de isolamento em relação à sociedade ao redor. Na medida em que o impulso para o pertencimento é um importante componente desses movimentos, seu conteúdo ideológico pode ser bastante flexível. Se virmos a dimensão subjacente como baseada em parte nessa motivação, há uma base comum entre os separatistas belgas e os grupos da nova esquerda.

A similaridade vai além disso. Os separatistas flamengos claramente não estão em busca de ganhos econômicos. De fato, eles parecem preparados para sacrificar esses ganhos em nome do que entendem como ganhos culturais e humanitários. Ainda a esse respeito, eles podem ser agrupados com a nova esquerda. Após a necessidade de pertencimento, as próximas prioridades (de acordo com Maslow) são a necessidade de auto-estima, auto-realização e de realização dos potenciais intelectual e estético de cada um. De uma forma um tanto caótica, a maioria desses valores (pós-aquisitivos) parecem estar refletidos nos temas defendidos pela nova esquerda: o movimento reflete uma grande mudança de ênfase, de temas econômicos para temas de estilo de vida29 29 Essa ordenação das prioridades, é claro, não é nova em si mesma. Weber e Veblen, entre outros, deram atenção para o desdém face aos imperativos econômicos e para a ênfase em estilos de vida distintivos entre os estratos economicamente seguros ao longo da história. Veblen interpreta o estilo de vida anti-aquisitivo das antigas classes ociosas como uma tentativa de protegerem seus status superiores por meio da exclusão de indivíduos ascendentes provenientes dos níveis econômicos inferiores (cf. VEBLEN, 1934). É altamente duvidoso se essa interpretação aplica-se ao grupo pós-burguês contemporâneo como um todo. Seus membros aparecem universalistas em suas perspectivas e às vezes parecem imitar o estilo de vida dos estratos inferiores. O consumo conspícuo parece desempenhar um papel relativamente pequeno em seu comportamento - exceto se interpretarmos andar a pé como uma variação desviante do consumo conspícuo. Poderíamos ver as necessidades de auto-realização intelectual e estética como motivações políticas em si mesmas. A preocupação com a poluição do meio ambiente e o fim de sua beleza natural - temas que desempenharam um papel político menor até bem recentemente - tornaram-se subitamente proeminentes, com a sua elevação à relevância política das coortes jovens atuais. Essas preocupações podem justificar-se em termos de autopreservação ("Estamos prestes a sufocar-nos em meio a uma avalanche de lixo"), mas esse argumento parece um tanto hiperbólico: suspeito que atrás dessa nova onda de protesto haja uma sensibilidade intensificada para com os defeitos estéticos da sociedade industrial. Parece claro que outros fatores também estão envolvidos no surgimento da nova esquerda: fatores de situações únicas de dados momentos de uma dada sociedade. Não tratarei deles nesta análise transnacional. .

Encontramos uma relação bem interessante entre valores prioritários e a escolha de partidos políticos em nossos dados. Tratei desse fenômeno como algo que reflete uma tendência a reordenar as escolhas político-partidárias de maneira a harmonizá-las com os valores fundamentais. Mas essa linha de raciocínio assume uma relação causal, em que o valor prioritário é uma variável independente capaz de influenciar a presente escolha partidária. Em que medida esse pressuposto justifica-se? Poder-se-ia argumentar que essa associação entre valores prioritários e escolha partidária é espúria - ou seja, que ela resulta do fato de que determinados indivíduos foram criados em ambientes relativamente conservadores (ou relativamente esquerdistas), conformando-os de uma forma tal que apresenta tanto os valores prioritários quanto as escolhas político-partidárias presentemente expressas.

É difícil fornecer uma prova conclusiva de o que causou o quê, mas podemos submeter a interpretação seguinte a um teste interessante. Perguntou-se a nossos respondentes uma série de questões para determinar quais eram as preferências político-partidárias de seus pais ou, na falta disso, sua tendência geral em termos de direita e esquerda. Examinemos a relação entre os valores prioritários e a escolha partidária atual, controlada pelo ambiente político em que o respondente foi criado (cf. Tabela 14). Uma comparação dos N dados para cada grupo na Tabela 14 indica que há, de fato, alguma tendência para os filhos de pais esquerdistas mostrarem uma relativa preferência pelos valores pós-burgueses; a intensidade dessa tendência varia consideravelmente de país para país. Mas para os presentes propósitos, o achado crucial que surge da Tabela 14 é que, mesmo quando controlamos essa fonte de variação, diferenças bem substanciais persistem entre as preferências político-partidárias dos respondentes aquisitivos e aquelas dos respondentes pós-burgueses. Em muitos casos, essas diferenças tornam-se ainda maiores do que encontrado na Tabela 12. A Tabela 14 exibe o fluxo de eleitores do partido em que eles foram criados para outros partidos - e o fluxo certamente parecer ser influenciado pelos valores prioritários dos indivíduos. Na amostra inglesa, evidências de deserções intergeracionais com respeito aos dois maiores partidos são relativamente fracas e encontramos dois casos suavemente anômalos (nos quais é bem menos provável que os respondentes pós-burgueses apóiem o Partido Trabalhista que os respondentes aquisitivos). Mesmo na amostra inglesa, entretanto, a tendência é que o Partido Trabalhista seja relativamente forte e os Conservadores, relativamente fracos, entre os respondentes do grupo pós-burguês, mantendo o ambiente parental constante. Em nossa amostra neerlandesa, entre os criados por pais que apoiavam um dos partidos confessionais, 78% do grupo dos que apresentaram valores aquisitivos mantêm-se fiel àqueles partidos; em contraste, entre aqueles que indicam valores pós-burgueses, somente 44% ficaram com os partidos vinculados a igrejas - enquanto um igual número mudou seu apoio para partidos de esquerda (os socialistas ou Democratas 66). Entre os respondentes neerlandeses que foram criados por apoiadores do Partido Socialista, parece haver maior continuidade; um total de 92% do grupo pós-burguês afirma que eles, também, votariam na esquerda; entre o grupo orientado por valores aquisitivos, entretanto, encontramos uma taxa de deserção que é o dobro desse valor.

Diferenças mais consideráveis aparecem na amostra italiana; mais notavelmente, entre aqueles criados em ambientes da Democracia Cristã ou centrista, somente 4% dos respondentes aquisitivos desertaram para a esquerda - em comparação com 33% entre os respondentes pós-burgueses. Na amostra alemã, de modo um tanto similar, os respondentes pós-burgueses dos ambientes democrático-cristãos mostram uma tendência relativamente forte para desertarem dessa afiliação política: enquanto 63% dos respondentes "aquisitivos" permanecem no campo da Democracia Cristã, somente 46% dos respondentes pós-burgueses ficam nesse partido. A mudança partidária parece refletir um afastamento dos partidos vinculados a igrejas por parte do grupo pós-burguês30 30 O vínculo entre Igreja e partido é mais explícita no continente europeu, mas o Partido Conservador inglês não é exceção a esse padrão. A filiação à Igreja Anglicana da Inglaterra é fortemente vinculada à preferência pelo Partido Conservador. Mesmo quando controlamos pela classe social, é mais provável que os anglicanos de nossa amostra sejam favoráveis ao Partido Conservador que os respondentes de fés minoritárias ou não-religiosos, por uma margem de aproximadamente 20 pontos percentuais. Quanto mais freqüentemente alguém vai à Igreja Anglicana, além disso, mais provável é que apóie os conservadores. : a mudança fortalece a tendência em direção ao secularismo tradicionalmente associada à esquerda. De fato, o grupo pós-burguês parece notavelmente mais sensível à supostamente antiquada clivagem religioso-secular do que à clivagem socioeconômica: consistentemente, ao longo de nossas amostras, os partidos democrato-cristãos exibem uma pesada perda em seus eleitores, enquanto os partidos liberais - que enfatizam a liberdade de expressão mas que freqüentemente são mais conservadores em temas socioeconômicos que os democrato-cristãos - apresentam um ganho relativo. Com efeito, a mudança parece mais responsiva a valores de estilo de vida do que a valores econômicos.

A evidência mais dramática de mudança intergeracional nas lealdades político-partidárias é encontrada na amostra francesa. Entre os respondentes do grupo criado em famílias que apoiavam partidos políticos de direita, é mais provável que aqueles com valores prioritários aquisitivos continuem nessa tradição: 91% apóiam a coalizão gaullista. Entretanto, parece existir uma taxa muito alta de deserção no grupo pós-burguês: 70% de seus membros indicam que votariam em um dos partidos da esquerda! Por outro lado, entre aqueles criados em famílias que preferiam a esquerda, há pouca deserção para a coalizão gaullista. No grupo de valor aquisitivo, a taxa de deserção para os gaullistas é aproximadamente cinco vezes mais alta: substanciais 29% dizem que votariam para um dos partidos governistas.

Várias células da Tabela 14 contêm muito poucos casos para serem significativas31 31 O reduzido número de casos relaciona-se ao fato de que aqui lidamos somente com os respondentes 1) que têm preferência político-partidária - que se deseja revelar - e 2) cujos pais têm uma preferência político-partidária - que era conhecida pelo respondente. , mas o padrão global é claro: a presença de valores pós-burgueses vincula-se consistentemente com uma relativa tendência a manter-se fiel à esquerda entre aqueles que foram educados nessa tradição, e com uma tendência para mudar para a esquerda entre aqueles que foram criados em outros ambientes políticos. Jennings e Niemi (1964) encontraram evidências de que os dados de recordações [recall data] (como os nossos) tendem a exagerar o grau de consistência entre as preferências político-partidárias dos pais e dos filhos (talvez como um resultado da tendência dos respondentes a diminuir a dissonância cognitiva). Esse achado implica, pelo menos, que nossos dados subestimam o grau em que a mudança intergeracional de partidos está ocorrendo.

V. IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA INTER-GERACIONAL

Dessa maneira, nossa conclusão é que a transformação de valores prioritários que nossos dados parecem indicar realmente implica uma mudança na base social do partidarismo político na maioria, se não em todos, dos países pesquisados. Essa mudança já pode estar ocorrendo há algum tempo. A título de ilustração: nas primeiras eleições da V República32 32 Regime político semipresidencialista apoiado pelo General Charles de Gaulle, implantado em 1958 e vigente até os dias atuais, em substituição à IV República (1946-1958), de caráter parlamentarista (N. T.). , o eleitorado francês aparentemente votou de acordo com linhas classistas em um um grau bastante considerável. Por exemplo, Lipset elaborou uma tabela mostrando que em 1958 era 29% mais provável que os eleitores da classe trabalhadora apoiassem os partidos da esquerda que os membros da moderna classe média33 33 Esses dados foram calculados tomando por base Lipset (1967b, cap. 5, Tabela 4). Nossa comparação focaliza os dois grupos mais dinâmicos da sociedade industrial - os trabalhadores, por um lado, e a moderna classe média, por outro. Embora o princípio seja similar, nossa medida da votação classista, portanto, não é idêntica à usada por Alford (1962). A classe média tradicional, como um elemento estagnado ou declinante na economia, não apresentou uma mudança comparável àquela que aparentemente ocorreu com a moderna classe média. Combinar esses dois grupos (como Alford faz) atrapalha o efeito que estamos descrevendo. . Nossa pesquisa de 1968 indicou que o percentual entre as classes sociais era apenas cerca da metade desse tamanho em 1967 e caiu vários pontos entre 1967 e 1968. Nossos dados de 1970 indicam uma pequena tendência de o eleitorado francês retornar ao nível de votação classista de 1967.

Ademais, Paul Abramson (1971) recentemente relatou evidências de um declínio da base social classista do partidarismo na França, na Alemanha e na Itália - embora não na Grã Bretanha34 34 Seymour M. Lipset e Stein Rokkan (1967, p. 50) argumentam que "os sistemas partidários dos anos 1960 refletem, com algumas poucas exceções significativas, as estruturas de clivagem dos anos 1920". Por outro lado, Lipset relata alguns dados que parecem indicar um declínio na votação de classe no eleitorado estadunidense de 1936 a 1968 (cf. LIPSET, 1968, p. 274-275, Tabela 8-2). Uma mudança de grau, se não no tipo da clivagem, parece estar ocorrendo. . Nossos próprios dados sugerem uma pressão que tenderia a reduzir a incidência da votação classista na Inglaterra, mas essa pressão parece ser, em boa medida, mais fraca que a dos países continentais. Esperaríamos que, à medida em que a repolarização política realmente acontecesse, ela seria limitada pela relativa força da identificação político-partidária existente em certos países. Comparativamente, o alto grau de repolarização aparente na França pode ter sido facilitado pelo relativamente fraco senso de identificação político-partidária que caracterizou o eleitorado do país até recentemente. Por outro lado, a relativamente pequena porcentagem de repolarização demonstrada em nossa amostra inglesa pode refletir a presença de lealdades político-partidárias comparativamente fortes na Inglaterra. Uma recente análise de dados de sociabilização feita por Jack Dennis e Donald McCrone, por exemplo, sugere que os sentimentos de identificação com um partido político eram menos difundidos e menos intensos na França que em qualquer das cinco outras democracias ocidentais estudadas (embora Dennis e McCrone tenham encontrado evidências de um aumento ao longo do tempo nas identificações político-partidárias na França, um achado que nossos dados também sustentam). De acordo com Dennis e McCrone (1970, p. 243-263), aparentemente os eleitorados da Grã Bretanha e dos EUA são mais bem classificados em termos de extensão e intensidade de identificação político-partidária, com a Alemanha e a Itália classificando-se em níveis inter-mediários35 35 Essa evidência confirma achados anteriores (cf. CONVERSE & DUPEUX, 1966; CONVERSE, 1969). Nos últimos dois artigos, Converse (e Dupeux) relata que indivíduos que conheciam a filiação partidária de seus pais não eram mais propensos a identificarem-se com um partido cujos pais não transmitiram nenhuma sugestão concernente a identificação partidária. Se os cidadãos com uma clara identificação político-partidária são relativamente pouco propensos a mudar seus votos de acordo com os valores fundamentais, a Tabela 14 pode fornecer uma estimativa conservadora do impacto dos valores prioritários na escolha partidária: a Tabela lida exclusivamente com aqueles que relataram eles próprios uma escolha partidária definida e receberam sugestões de preferências partidárias de seus pais. Adicionalmente, entretanto, Converse (1969) descobriu que coortes mais velhas tendem a ter vínculos relativamente fortes com certos partidos políticos, como uma função do número de anos que eles eram habilitados a votarem nos partidos políticos de suas escolhas em eleições livres. Isso sugere a possibilidade de que pelo menos parte da relação entre preferência de valores e mudança de partido pode ser devida à maior probabilidade dos respondentes mais velhos terem valores "aquisitivos" e relativamente fortes lealdades partidárias. Essa hipótese poderia ser testada por meio do controle pela idade, em adição aos outros controles da Tabela 14. Quando procedemos dessa maneira, a relação entre valores preferenciais e mudança partidária não parece desaparecer, mas a relação altamente enviesada entre idade e valores reduz o número de casos em algumas das células até o ponto de desaparecerem. Contudo, podemos aplicar outro tipo de teste baseado em comparações transnacionais. Nossos dados de 1968 da Inglaterra, da França e da Alemanha contêm informações sobre a força da identificação partidária. O padrão varia em boa medida de país para país. Na amostra inglesa (em que o presente sistema partidário está estabelecido há cerca meio século), a intensa identificação partidária declina regular e bruscamente, à medida que nos movemos do grupo etário mais velho para o mais novo. O grupo inglês mais velho contém quatro vezes mais fortes identificações político-partidárias que o grupo mais jovem. O partidarismo intenso declina regularmente mas de maneira menos abrupta na amostra alemã (fortes identificações ocorrendo duas vezes mais freqüentemente no grupo maisvelho que no grupo mais jovem). Até agora, isso é inteiramente consistente com o padrão relatado por P. Converse. Os dados franceses, entretanto, tornam-se adequados ao modelo de Converse apenas se encaramos o presente sistema partidário francês como recém-estabelecido: o partidarismo decresce apenas muito suavemente na amostra francesa à medida que nos movemos dos velhos para os jovens. Os adolescentes franceses são quase tão propensos a declararem-se com fortes identificações partidárias quanto as pessoas com 60 anos de idade! Enquanto em outras faixas etárias os franceses são os menos propensos das três nacionalidades a expressar um forte sentido de identificação partidária, no seu grupo mais jovem eles mostram a maior proporção. A relação entre mudança partidária intergeracional e valores prioritários fundamentais percebida em nossa amostra francesa não pode ser atribuída sem dificuldade à vinculação relativamente forte das coortes mais velhas aos partidos políticos existentes - ainda que a mudança partidária intergeracional ligada a valores pareça ocorrer em uma medida maior na França que em qualquer outra das amostras nacionais. .

Pode ainda haver outra razão por que a Inglaterra continua mantendo o tradicional padrão de votação classista da sociedade industrial: o Partido Trabalhista inglês nunca foi um partido da esquerda no mesmo sentido que os partidos marxistas do continente europeu. Desde o início, ele foi um partido moderado de reforma, mais que um partido de revolução. Assim, há menos contraste entre o Partido Trabalhista e o Partido Conservador na Inglaterra que entre a direita e a esquerda no continente; um trabalhador aburguesado pode continuar a sentir-se confortável ao votar no Partido Trabalhista36 36 Mesmo trabalhadores ingleses relativamente afluentes são propensos a manterem-se como apoiadores constantes do Partido Trabalhista, de acordo com John H. Goldthorpe, David Lockwood, Frank Beckhofer e Jennifer Platt (1968). Richard F. Hamilton (1967) argumenta que o mesmo era verdade para os trabalhadores franceses durante a IV República; ele poderia estar certo a respeito desse período, mas nossos dados indicam que o padrão mudou significativamente durante a V República. enquanto, por outro lado, um inglês pós-burguês tem menos incentivos para mudar o voto dos Conservadores para o Partido Trabalhista.

Até o presente momento (como indica a Tabela 2), o grupo aquisitivo é muito maior que o pós-burguês em todos esses países. Caso alguém duvide disso é bom lembrar que os caretas excedem numericamente os progressistas. Em termos práticos, isso sugere que a reserva potencial de eleitores que poderia passar para a direita é maior que a base potencial para a nova esquerda. Mas se nossa interpretação transtemporal é correta, essa situação está em um processo de rápida mudança. Assumindo a estabilidade intragrupo dos valores prioritários37 37 À primeira vista, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode parecer irrealista: a mudança adulta de fato ocorre. Mas, devido às razões indicadas acima, seria provavelmente apressado assumir que as coortes adultas necessariamente se tornarão mais aquisitivas à medida que envelhecem. Face à incerteza sobre a direção de possíveis mudanças nas coortes adultas, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode fornecer pelo menos uma útil primeira interpretação. , uma projeção de mudanças relacionadas ao recrutamento e à mortalidade tendo como base a Tabela 5 sugere que os dois grupos puros podem alcançar a paridade numérica - no continente europeu - nos próximos 20 anos. Dado o fato de que os tipos pós-burgueses tendem a ser altamente educados, provavelmente eles serão melhor organizados e politicamente mais ativos que o grupo orientado por valores aquisitivos. Em termos de efetividade política, é possível que os dois grupos possam alcançar a paridade nos próximos 15 anos (essas projeções aplicam-se aos países da Comunidade Européia; a Inglaterra aparece com uma defasagem em relação a eles de cerca de dez anos).

O tamanho da redistribuição partidária na França em 1968 pode fornecer uma idéia da extensão em que - nas condições da crise - uma repolarização similar poderia ocorrer em outros países neste momento. É claro, contudo, que esse processo pode ser influenciado por fatores situacionais, como a liderança política em dados países. Os níveis de apoio para o SPD indicados em nossa pesquisa de 1970 sugerem que Willy Brandt, por exemplo, obteve êxito em fazer aquilo em que a esquerda francesa notavelmente fracassou em 1968 - atrair o tipo pós-burguês sem alienar os tipos aquisitivos38 38 Willy Brandt foi Chanceler (ou seja, Primeiro-Ministro) da República Federal da Alemanha entre 1969 e 1974, pelo SPD (N. T.). .

Na Europa Ocidental como um todo, a base social prospectiva para movimentos de mudança social radical está propensa a aumentar pronunciadamente nas próximas duas décadas. Mas para que os movimentos que buscam mudanças radicais sejam efetivos, eles devem elaborar suas táticas preocupando-se com as realidades correntes. Tendo em vista a ampla preponderância que os aquisitivos parecem manter sobre os respondentes pós-burgueses nos eleitorados ocidentais, provavelmente uma estratégica à la Weatherman39 39 O Weatherman era um grupo de extrema esquerda, de caráter revolucionário e que agia por meio de "ações diretas" (muitas delas de caráter terrorista) entre o final dos anos 1960 e o final dos anos 1980, embora suas ações tenham-se concentrado entre 1969 e 1977. O nome completo da organização era Weather Underground Organization, embora originalmente fosse apenas Weatherman. Era uma facção da primeia versão da organização Students for a Democratic Society (SDS) - esta vista como uma encarnação estadunidense da nova esquerda (N. T.). (por exemplo) não apenas parece ser contraprodutiva no curto prazo, na medida que tem um impacto real na economia, mas aparentemente também tenderia a ser autoderrotada no longo prazo.

O novo contínuo direita-esquerda assemelha-se ao antigo na medida em que coloca as forças de mudança contra as forças do status quo - mas os valores motivando as mudanças referem-se a estilos de vida mais que à aquisição. Além disso, as bases sociais de apoio à mudança exibem uma alteração correspondente. Até o presente momento, a base social potencial para a nova esquerda pode ser uma minoria distinta das demais. Contudo, os grupos de valores mais antigos ainda estão separando-se e uma nova esquerda poderia ser politicamente efetiva por meio de alianças com a velha esquerda, que enfatiza temas econômicos - até mesmo, em alguma medida, ao preço de desvalorizar alguns dos temas expressivos que são mais importantes para o eleitorado da nova esquerda. Por outro lado, quando partidários da nova esquerda parecem ameaçar a ordem social básica (como na França, em maio de 1968), eles enfatizam uma clivagem que os isola de ambas as facções da população orientada por temas aquisitivos: eles ameaçam capotar um caminhão de maçãs que por 20 anos forneceu um suprimento sem precedentes da fruta. O grupo pós-burguês pode argumentar que as maçãs estão podres. Eles podem estar certos. Mas a diferença de opiniões surge de uma diferença arraigada de opiniões.

Com efeito, o presente ensaio apenas arranhou a superfície da análise das mudanças intergeracionais de valores nas sociedades industriais avançadas. Esforços posteriores são necessários para desenvolver medições mais precisas e mais exaustivas de tais mudanças, bem como para aplicar tais medições a uma base de dados longitudinal. Nesta exploração inicial, encontramos um conjunto razoável de evidências de que nossos indicadores de valores prioritários abrangem aspectos básicos do sistema de crenças de um indivíduo: um conjunto de outros itens atitudinais revela grandes limites a respeito desses indicadores de valores. Ademais, o padrão de respostas parece integrado na estrutura social de uma forma que sugere que tais valores são precocemente estabelecidos e relativamente estáveis. Além disso, diferenças transnacionais nas escolhas de valores encaixam-se nas histórias econômicas de tais países das últimas duas décadas, as quais parecem fortalecer esta interpretação. Parece no mínimo plausível concluir que a mudança intergeracional está ocorrendo nos valores prioritários das populações da Europa Ocidental - e que essa mudança pode ter um impacto significativo de longo prazo em seus comportamentos políticos40 40 Esses achados parecem contradizer algumas projeções-chave da literatura que se concentra na análise do futuro. Herman Kahn e Anthony Wiener (1967, p. 7), por exemplo, argumentam que "Há uma tendência básica, múltipla e de longo prazo em direção a 1) culturas crescentemente sensatas (empíricas, profanas, seculares, humanistas, pragmáticas, utilitárias, contratuais, epicuristas ou hedonistas); 2) a elites burguesas, burocráticas, 'meritocráticas', democráticas (e nacionalistas) [...]". Minha leitura dos dados implica que, enquanto essas tendências podem ter prevalecido até recentemente, certos aspectos podem estar experimentando uma reversão nas sociedades pós-industriais. Especificamente, duvido de que as elites dessas sociedades tornar-se-ão crescentemente burguesas, meritocráticas ou nacionalistas, ou que tais culturas são propensas a tornarem-se crescentemente pragmáticas ou utilitárias. Kahn e Wiener fazem diversas projeções adicionais que realmente me espantariam caso fossem verdadeiras (cf. KAHN & WIENER, 1967). . Esses achados parecem contradizer algumas projeções-chave da literatura que se concentra na análise do futuro. Herman Kahn e Anthony Wiener (1967, p. 7), por exemplo, argumentam que "Há uma tendência básica, múltipla e de longo prazo em direção a 1) culturas crescentemente sensatas (empíricas, profanas, seculares, humanistas, pragmáticas, utilitárias, contratuais, epicuristas ou hedonistas); 2) a elites burguesas, burocráticas, 'meritocrá-ticas', democráticas (e nacionalistas) [...]".

OUTRAS FONTES

Recebido em 13 de janeiro de 2011.

Aprovado em 13 de abril de 2011.

  • 1

    Artigo publicado originalmente sob o título "The Silent Revolution in Europe: Intergenerational Change in Post-Industrial Societies", no

    American Political Science Review (v. 65, n. 4, p. 991-1017, Dec.1971). Agradecemos a gentileza da Cambridge University Press, detentora dos direitos editoriais, bem como do próprio Ronald Inglehart, autor do artigo, pelas autorizações para traduzirmos e publicarmos em português o texto. Tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda e revisão da tradução de Feliciano de Sá Guimarães; agradecemos o auxílio de Emerson Urizzi Cervi com alguns termos técnicos.

  • 2

    O autor está em débito com Samuel Barnes, Karl Deutsch, Kent Jennings, Warren Miller, Robert Putnam e Donald Stokes pelos comentários e críticas feitos a uma versão anterior deste artigo.

  • 3

    Para uma apresentação mais completa dessa hipótese, cf. Inglehart e Lindberg (s/d) e Inglehart (1971b).

  • 4

    Um exemplo de

    reversão induzida por prioridades biológicas em condições de fome é descrito em Davies (1963, p. 13). Um forte crítico tomando parte de um experimento perdeu progressivamente seu interesse pelo trabalho de bem-estar social após várias semanas de um regime de semi-inanição.

  • 5

    Uma excelente discussão das hierarquias de valores e das suas implicações políticas aparece em Lane (1970, cap. 2).

  • 6

    As evidências que sustentam essa hipótese podem ser obtidas do estudo feito por Richard Flacks sobre ativistas e não-ativistas políticos entre os estudantes da Universidade de Chicago. Seus achados indicam que os estudantes de lares relativamente afluentes tendem a dar maior ênfase no envolvimento em objetivos intelectuais e estéticos, considerações humanitárias e oportunidades para a auto-expressão. Eles também tendem a não dar tanto valor ao sucesso material, às realizações pessoais, à moralidade convencional e à religiosidade. Além disso, é muito mais provável que eles se tornem ativistas do que os estudantes de origens menos afluentes. Cf. Flacks (1967).

  • 7

    Cf. entre outros Campbel

    et alii (1960) e Converse e Dupeux (1966).

  • 8

    Essa linha de raciocínio é exposta em Dahrendorf (1964a) e Lipset (1967b).

  • 9

    Joseph Schumpeter (1942) argumentou em termos um tanto semelhantes.

  • 10

    Distinguimos a classe média moderna da classe média tradicional com base nas ocupações: o último grupo consiste em pequenos empresários e artesãos independentes; o primeiro grupo compreende pessoas com ocupações não-manuais no setor moderno da economia e tende a caracterizar-se por um nível mais alto de segurança econômica (e uma probabilidade menor de ser atraído para movimentos radicais de extremadireita). Nosso uso dessa distinção foi sugerida pela análise de Seymour Martin Lipset (1960, especialmente cap. 5).

  • 11

    Estamos em dívida com Jacques-René Rabier, Diretor Geral do Serviço de Informações da Comunidade Européia, pelo papel que desempenhou em encorajar a pesquisa colaborativa internacional com a Universidade de Michigan (e diversas outras) nos últimos vários anos.

  • 12

    Para discussões e aplicações sofisticadas desse tipo de análise, cf. Butler e Stokes (1969, especialmente cap. 3, 11 e 12). Esses autores descobriram que a filiação partidária é mais propriamente uma característica estável das coortes inglesas. No relativamente longo vaivém dos Conservadores para os Trabalhistas que ocorreu de 1959 a 1963, a substituição do eleitorado (ligado a diferentes taxas de nascimento e de óbito) desempenhou na verdade um papel maior que o desempenhado pela conversão de eleitores de um partido para outro.

  • 13

    O trabalho de campo foi realizado em fevereiro e março de 1970, por Louis Harris Research Ltd. (Londres), Institut für Demoskopie (Allensbach), International Research Associates (Bruxelas), Netherlands Institut voor de Publieke Opinie (Amsterdã), Institut français d'opinion publique (Paris) e Institut per le Ricerche Statische e l'Analisi del'opinione Pubblica (Milão). As respectivas amostras tiveram os seguintes

    N: 1 975 (Inglaterra), 2 021 (Alemanha), 1 298 (Bélgica), 1 230 (Países Baixos), 2 046 (França) e 1 822 (Itália). A pesquisa também incluiu Luxemburgo, mas o número de respondentes desse país (335) foi considerado muito pequeno para ser usado na presente análise. A amostra neerlandesa foi ponderada para corrigir deficiências amostrais e o

    N ponderado aparece nas tabelas das páginas seguintes. Enquanto os dados dos Países Baixos são, na opinião do autor, menos confiáveis que os dos outros países, as diferenças intra-amostrais cruciais discutidas neste artigo são suficientemente grandes para minimizar a probabilidade de que elas simplesmente reflitam erros amostrais. Por outro lado, comparações transnacionais baseadas nas margens neerlandesas devem ser vistas com reservas. As pesquisas nos países da Comunidade Européia foram patrocinadas pelo Serviço de Informações da Comunidade Européia. A pesquisa na Inglaterra foi apoiada com recursos da Universidade de Michigan.

  • 14

    Do ponto de vista da maioria de nossos respondentes, isso significa o seguinte: em situações extremas, ameaças à ordem doméstica podem, é claro, envolver perigo para a vida das pessoas. Na medida em que uma preocupação com a segurança pessoal de alguém

    está envolvida, o item cobre a necessidade que Maslow situa imediatamente abaixo das necessidades econômicas em sua hierarquia. Desse modo, respostas pós-burguesas são vistas como algo que refle a segurança a respeito

    tanto das necessidades econômicas

    quanto das necessidades de segurança. Há motivos para esperar que o padrão de prioridades intergeracional possa ser similar para esses dois tipos de necessidades: coortes mais velhas são mais prováveis de terem experimentado ameaças à sua segurança física, assim como à sua segurança econômica, durante os anos de formação. O efeito de persistência da experiência anterior é sugerido pelo fato de que é mais provável que os alemães mais velhos expressem um medo de guerra mundial do que as coortes do período posterior à II Guerra Mundial (cf. MERKL, 1971). Contudo, duvidamos de que muitos de nossos respondentes sentissem-se fisicamente ameaçados em 1970. Para a maioria esse item provavelmente evoca nada mais que pensamentos de ameaça à propriedade. Seguimos a tradição marxista ao conferir um importante papel à determinação econômica - embora

    somente dentro de certas margens. Tanto antes da industrialização quando após ela uma sociedade industrial alcança um limiar de segurança econômica geral; cremos que é provável que outros valores prevaleçam mais amplamente. O conceito de renda discricionária é análogo à nossa interpretação de segundo limiar: quanto mais uma economia cresce bastante além do nível de subsistência, um comportamento especificamente econômico pode ser explicado por meio de variáveis econômicas em proporções progressivamente menores.

  • 15

    O autor usa a expressão "

    value priorities", cuja tradução literal seria "prioridades valorativas". Preferimos "valores prioritários" porque nos parece descrever melhor a idéia de que os

    valores em questão são importantes e não tanto as

    prioridades (nota do tradutor).

  • 16

    Outros itens considerados importantes nesse fator referiam-se a: expectativas de um maior padrão de vida; apoio a manifestações estudantis; apoio a mudanças sociais radicais e apoio a uma variedade de propostas para a integração européia (todas as quais tinham polaridade positiva); ênfase em segurança no emprego; orgulho da própria nacionalidade e apoio a Forças Armadas nacionais fortes (que tiveram polaridade negativa). Devido à limitação orçamentária, o questionário inglês era mais curto que os usados nos países da Comunidade Européia e a análise fatorial dessa amostra omite alguns dos itens disponíveis em conjuntos maiores de dados. Deixando de lado essas omissões, o padrão de resposta inglês parece ficar paralelo ao encontrado no continente. O fato de que as expectativas de maiores padrões de vida no futuro andem em conjunto com a relativamente

    baixa prioridade conferida à segurança econômica é interessante. Isto tende a confirmar nossa interpretação de que, para o grupo pós-burguês, os valores econômicos são relativamente pouco importantes porque são assumidos como garantidos.

  • 17

    Esse índice baseou-se nas respostas aos seguintes itens: "Supondo que as populações da Inglaterra e do Mercado Comum fossem consultados para decidir sobre as seguintes questões, como você votaria? - Seria favorável, ou contrário, à eleição de um parlamento europeu via sufrágio universal e direto, ou seja, um parlamento eleito por todos os eleitores dos países-membro? - Estaria disposto a aceitar, acima e além do governo (inglês), um governo europeu responsável por uma política comum em política externa, defesa e economia? - Se um Presidente dos Estados Unidos da Europa fosse eleito pelo voto popular, você estaria disposto a votar em um candidato que

    não fosse de seu próprio país, se seus programa e personalidade correspondessem mais proximamente às suas idéias que aqueles candidatos de seu próprio país?" Um respondente seria categorizado como "claramente favorável" à integração européia se desse respostas favoráveis a todos os três itens ou a ao menos dois deles, desde que a resposta ao terceiro item fosse "eu não sei", em vez de "contrário". Para uma exploração muito mais detalhada desse assunto, cf. Inglehart (1971a).

  • 18

    Há uma certa similaridade entre a configuração das preferências "pós-burguesas" e o bem conhecido conceito de "autoritarismo". Ambos os conceitos relacionam-se às prioridades que se concede à liberdade, em oposição à ordem. E - como acabamos de ver - a posição libertária parece ligada ao internacionalismo. Isso decorre do fato de que, de acordo com nossa análise, os grupos pós-burgueses alcançaram a segurança a respeito das necessidades de segurança e sustento. Na medida em que o Estado-nação é visto como um baluarte protegendo o indivíduo contra ameaças estrangeiras, ele é menos importante para os respondentes pós-burgueses. Além disso, em termos psicológicos eles têm um montante maior de "capital de risco" disponível para investimento em projetos com apelo intelectual e estético - como a unificação européia. Há diferenças tanto teóricas quanto empíricas entre nossa posição e a prevalecente na literatura sobre o autoritarismo. Enfatizamos um processo causal historicamente formado que não é necessariamente incompatível com - embora certamente adota uma perspectiva diferente de - a psicodinâmica do autoritarismo. Empiricamente, o autoritarismo, como as prioridades de valores aquisitivas, tende a vincular-se a um

    status econômico menor. Em contraste, há indicações de que as crianças e os jovens tendem a ser

    mais autoritários que os adultos. (Stouffer, contudo, relatou evidências de diferenças consideráveis entre grupos etários de adultos quanto ao grau de "tolerância para o não-conformismo", sendo os jovens adultos bem mais tolerantes que os adultos mais velhos; ele vê essa evidência como refletindo tanto os ciclos de vida quanto efeitos intergeracionais (cf. STOUFFER, 1955, p. 89)). De qualquer forma, nem explorações prévias nem a presente pesquisa revelaram relações razoavelmente fortes ou consistentes entre itens padronizados de escala F e as atitudes mencionadas aqui. Os dois conceitos parecem relacionados, mas os itens que serviram como indicadores de autoritarismo em pesquisas anteriores aparecem como tendo aplicabilidade limitada na Europa dos anos 1970. Para um relatório de uma exploração transnacional prévia sobre o autoritarismo e o internacionalismo, cf. Inglehart (1970). A literatura sobre o autoritarismo é imensa; o trabalho clássico é o de Adorno (1950); cf. também Christie e Jahoda (1954).

  • 19

    É difícil interpretar o padrão transnacional como uma reação a eventos correntes nas respectivas nações.

    Há considerável evidência de uma recente reação do tipo "lei-e-ordem" face às desordens estudantis em cada um desses países. Mas se as diferenças transnacionais fossem largamente o resultado de tal reação, deveríamos determinar que a ênfase na ordem fosse maior que todas na França (onde a recente sublevação foi a maior) e menor que todas na Inglaterra (que teve a menor quantidade de desordem doméstica). Os dados manifestamente falham em corresponder a esse padrão. Devemos explicá-los em termos de predisposições

    anteriores às - em vez de resultantes de - recentes desordens domésticas que esses países experimentaram.

  • 20

    É interessante notar que essa mudança corresponde à transição da juventude supostamente apolítica dos anos 1950 - a "geração cética" ou "juventude sem compromissos", como ela era chamada - para a juventude relativamente radical dos anos 1960.

  • 21

    Essa análise é similar a uma de regressão múltipla, usando variáveis binárias. Para uma explicação dessa técnica, cf. Sonquist (1970).

  • 22

    Assumindo que seja esse o processo em curso, devemos perguntar

    por que essa cultura da elite política confere relativamente alta prioridade aos valores expressivos. Pode-se basear pelo menos parte da resposta na segurança econômica relativa. Todavia, como será indicado adiante, a educação superior não parece estar inerentemente vinculada a uma posição política libertária; em outros momentos da história, ela esteve associada a posições relativamente autoritárias e conservadoras.

  • 23

    Outras possibilidades também existem: (1) Poderia ser devido a um erro amostral. Contudo, acreditamos que a última possibilidade poderia ser excluída: encontramos um padrão de grupo etário similar em todas as sete pesquisas européias que citamos até agora. Além disso, examinamos respostas a itens de uma grande quantidade de pesquisas estadunidenses que, implícita ou explicitamente, solicitaram aos indivíduos que escolhessem entre liberdades políticas e ameaças à ordem ou à segurança nacional. Um padrão de grupo etário similar ocorre em virtualmente todos eles. Cf. por exemplo Gaudet (1970). O mesmo padrão ocorre em respostas a itens comparáveis na pesquisa para as eleições presidenciais de 1968 da Syracuse Research Corporation (SRC). A probabilidade de encontrar tal padrão em tantas pesquisas em sociedades pós-industriais como resultado de erros amostrais parece negligenciável. (2) O padrão de grupos etários poderia relacionar-se a diferentes taxas de nascimento ou de expectativas de vida entre os grupos sociais que têm diferentes valores prioritários. Elas tenderiam a conceder ao grupo com a maior taxa de nascimento (ou a menor expectativa de vida) uma representação desproporcionalmente maior entre as coortes mais jovens. Empiricamente, grupos de renda menor tendem a possuir maiores taxas de nascimento

    e menores expectativas de vida que os grupos de renda superior nas últimas décadas (por exemplo, cf. BUTLER & STOKES, 1969, p. 265-270). Mas grupos de renda menor são relativamente propensos a expressar valores prioritários aquisitivos.

    Apesar desse fato, os valores pós-burgueses são relativamente bem distribuídos entre as coortes mais jovens!

  • 24

    Entre as razões para esse declínio de atividade, o fato de que algumas concessões foram feitas a algumas das demandas estudantis é provavelmente o fator mais óbvio, mas suspeito que sua importância é supervalorizada. Outra razão é que grandes confrontos políticos na dimensão aquisitivo-pós-burguês são provavelmente contraprodutivos para o último grupo nas condições atuais: os aquisitivos ainda parecem deter uma pesada predominância numérica - como se tornou crescentemente aparente em ambos os lados do Atlântico no final dos anos 1960. Um outro fator que ainda parece pertinente nos Estados Unidos: a recessão econômica de 1970 pode ter conferido maior atenção às considerações econômicas da parte de grupos que previamente davam pouca atenção a essas questões. A sabedoria convencional sustenta que os problemas econômicos tendem a ajudar a esquerda tradicional; paradoxalmente (mas mantendo-se de acordo com nossa análise da mudança intergeracional), deveríamos esperar que tais problemas tendam a

    solapar a nova esquerda.

  • 25

    Exceto entre a coorte mais jovem, não temos um número suficientemente grande de respondentes com educação universitária de modo a permitir estimativas confiáveis sobre as respostas daqueles que de fato

    têm educação universitária. Na coorte mais jovem, temos pelo menos 30 respondentes de quatro dos nossos seis países; eles tendem a ser um tanto mais pós-burgueses que outros membros de seus grupo etário e estrato socioeconômico, porém apenas moderadamente. Eles são, em média, quatro pontos percentuais menos aquisitivos e sete pontos mais pós-burgueses que seus pares da

    Tabela 11. Isso sugere que não é principalmente o ambiente universitário que importa para seus valores prioritários (embora isso pareça ter uma certa importância), mas o fato de que os estudantes provêm das categorias sociais mais jovens e mais afluentes.

  • 26

    Em sua análise dos dados da pesquisa de painel sobre a Inglaterra, coletados em 1963, 1964 e 1964, Butler e Stokes (1969, p. 58-59) comentam: "Uma teoria da 'senescência' política, como às vezes é chamada, conforma-se de maneira confortável com a crença mais geral segundo a qual as atitudes da juventude são naturalmente liberais ou radicais, ao passo que aquelas da idade madura são conservadoras. [...] Nos anos 1960 a força conservadora tendeu a ser a mais fraca entre aqueles nascidos nos anos 1920. Os eleitores mais jovens tenderam de fato a ser um pouco

    mais conservadores que aqueles que se encontravam na idade mediana. Essa irregularidade, embora seja um embaraço para qualquer teoria simples de conservadorismo aumentando com a idade, pode ser prontamente reconciliada com o conceito de que a

    manutenção das tendências políticas estabelecidas é que aumenta com a idade. [...] Não devemos perguntar quão velho é o eleitor, mas, sim, quando é que ele foi jovem". Para um excelente exemplo de análise de coorte etária baseada em dados sobre elites, cf. Putnam (1971). Esse autor encontra evidências de significativas mudanças intergeracionais em estilos políticos básicos entre os políticos ingleses e italianos.

  • 27

    Philip Converse e Roy Pierce perceberam uma notável mudança para a direita de 1967 a 1968 em um painel em que os respondentes foram solicitados a classificarem -se em um contínuo direita-esquerda em ambos os anos. Após reentrevistar esses respondentes uma terceira vez, eles relataram que mais de 99% da mudança de 1967 para 1968 fora preservada em 1969 (cf. CONVERSE & PIERCE, 1970).

  • 28

    No caso italiano, todavia, o Partido Comunista

    também parece desfrutar uma relativa preferência entre os eleitores pós-burgueses: o PCI e o Psiup em conjunto são apoiados por 7% do grupo pós-burguês (deixando aos dois partidos socialistas uma proporção somente um pouco maior de apoio do grupo pós-burguês em relação aos aquisitivos). Ao que tudo indica os membros de nossa amostra italiana reagem ao PCI quase como se ele fosse um partido da nova esquerda – um achado interessante face ao fato de que o apoio ao Partido Comunista Francês

    não apresenta um padrão similar. Pode-se pensar se o PCF perdeu o apoio pós-burguês ao repudiar a revolta de maio.

  • 29

    Essa ordenação das prioridades, é claro, não é nova em si mesma. Weber e Veblen, entre outros, deram atenção para o desdém face aos imperativos econômicos e para a ênfase em estilos de vida distintivos entre os estratos economicamente seguros ao longo da história. Veblen interpreta o estilo de vida anti-aquisitivo das antigas classes ociosas como uma tentativa de protegerem seus

    status superiores por meio da exclusão de indivíduos ascendentes provenientes dos níveis econômicos inferiores (cf. VEBLEN, 1934). É altamente duvidoso se essa interpretação aplica-se ao grupo pós-burguês contemporâneo como um todo. Seus membros aparecem universalistas em suas perspectivas e às vezes parecem imitar o estilo de vida dos estratos

    inferiores. O consumo conspícuo parece desempenhar um papel relativamente pequeno em seu comportamento - exceto se interpretarmos andar a pé como uma variação desviante do consumo conspícuo. Poderíamos ver as necessidades de auto-realização intelectual e estética como motivações políticas

    em si mesmas. A preocupação com a poluição do meio ambiente e o fim de sua beleza natural - temas que desempenharam um papel político menor até bem recentemente - tornaram-se subitamente proeminentes, com a sua elevação à relevância política das coortes jovens atuais. Essas preocupações podem justificar-se em termos de autopreservação ("Estamos prestes a sufocar-nos em meio a uma avalanche de lixo"), mas esse argumento parece um tanto hiperbólico: suspeito que atrás dessa nova onda de protesto haja uma sensibilidade intensificada para com os defeitos estéticos da sociedade industrial. Parece claro que outros fatores

    também estão envolvidos no surgimento da nova esquerda: fatores de situações únicas de dados momentos de uma dada sociedade. Não tratarei deles nesta análise transnacional.

  • 30

    O vínculo entre Igreja e partido é mais explícita no continente europeu, mas o Partido Conservador inglês não é exceção a esse padrão. A filiação à Igreja Anglicana da Inglaterra é fortemente vinculada à preferência pelo Partido Conservador. Mesmo quando controlamos pela classe social, é mais provável que os anglicanos de nossa amostra sejam favoráveis ao Partido Conservador que os respondentes de fés minoritárias ou não-religiosos, por uma margem de aproximadamente 20 pontos percentuais. Quanto mais freqüentemente alguém vai à Igreja Anglicana, além disso, mais provável é que apóie os conservadores.

  • 31

    O reduzido número de casos relaciona-se ao fato de que aqui lidamos somente com os respondentes 1) que têm preferência político-partidária - que se deseja revelar -

    e 2) cujos pais têm uma preferência político-partidária - que era

    conhecida pelo respondente.

  • 32

    Regime político semipresidencialista apoiado pelo General Charles de Gaulle, implantado em 1958 e vigente até os dias atuais, em substituição à IV República (1946-1958), de caráter parlamentarista (N. T.).

  • 33

    Esses dados foram calculados tomando por base Lipset (1967b, cap. 5,

    Tabela 4). Nossa comparação focaliza os dois grupos mais dinâmicos da sociedade industrial - os trabalhadores, por um lado, e a moderna classe média, por outro. Embora o princípio seja similar, nossa medida da votação classista, portanto, não é idêntica à usada por Alford (1962). A classe média tradicional, como um elemento estagnado ou declinante na economia, não apresentou uma mudança comparável àquela que aparentemente ocorreu com a moderna classe média. Combinar esses dois grupos (como Alford faz) atrapalha o efeito que estamos descrevendo.

  • 34

    Seymour M. Lipset e Stein Rokkan (1967, p. 50) argumentam que "os sistemas partidários dos anos 1960 refletem, com algumas poucas exceções significativas, as estruturas de clivagem dos anos 1920". Por outro lado, Lipset relata alguns dados que parecem indicar um declínio na votação de classe no eleitorado estadunidense de 1936 a 1968 (cf. LIPSET, 1968, p. 274-275,

    Tabela 8-2). Uma mudança de grau, se não no tipo da clivagem, parece estar ocorrendo.

  • 35

    Essa evidência confirma achados anteriores (cf. CONVERSE & DUPEUX, 1966; CONVERSE, 1969). Nos últimos dois artigos, Converse (e Dupeux) relata que indivíduos que conheciam a filiação partidária de seus pais não eram mais propensos a identificarem-se com um partido cujos pais não transmitiram nenhuma sugestão concernente a identificação partidária. Se os cidadãos com uma clara identificação político-partidária são relativamente pouco propensos a mudar seus votos de acordo com os valores fundamentais, a

    Tabela 14 pode fornecer uma estimativa conservadora do impacto dos valores prioritários na escolha partidária: a Tabela lida exclusivamente com aqueles que relataram eles próprios uma escolha partidária definida

    e receberam sugestões de preferências partidárias de seus pais. Adicionalmente, entretanto, Converse (1969) descobriu que coortes mais velhas tendem a ter vínculos relativamente fortes com certos partidos políticos, como uma função do número de anos que eles eram habilitados a votarem nos partidos políticos de suas escolhas em eleições livres. Isso sugere a possibilidade de que pelo menos parte da relação entre preferência de valores e mudança de partido pode ser devida à maior probabilidade dos respondentes mais velhos terem valores "aquisitivos"

    e relativamente fortes lealdades partidárias. Essa hipótese poderia ser testada por meio do controle pela idade, em adição aos outros controles da

    Tabela 14. Quando procedemos dessa maneira, a relação entre valores preferenciais e mudança partidária não parece desaparecer, mas a relação altamente enviesada entre idade e valores reduz o número de casos em algumas das células até o ponto de desaparecerem. Contudo, podemos aplicar outro tipo de teste baseado em comparações transnacionais. Nossos dados de 1968 da Inglaterra, da França e da Alemanha contêm informações sobre a força da identificação partidária. O padrão varia em boa medida de país para país. Na amostra inglesa (em que o presente sistema partidário está estabelecido há cerca meio século), a intensa identificação partidária declina regular e bruscamente, à medida que nos movemos do grupo etário mais velho para o mais novo. O grupo inglês mais velho contém quatro vezes mais fortes identificações político-partidárias que o grupo mais jovem. O partidarismo intenso declina regularmente mas de maneira menos abrupta na amostra alemã (fortes identificações ocorrendo duas vezes mais freqüentemente no grupo maisvelho que no grupo mais jovem). Até agora, isso é inteiramente consistente com o padrão relatado por P. Converse. Os dados franceses, entretanto, tornam-se adequados ao modelo de Converse apenas se encaramos o presente sistema partidário francês como recém-estabelecido: o partidarismo decresce apenas muito suavemente na amostra francesa à medida que nos movemos dos velhos para os jovens. Os adolescentes franceses são quase tão propensos a declararem-se com fortes identificações partidárias quanto as pessoas com 60 anos de idade! Enquanto em outras faixas etárias os franceses são os menos propensos das três nacionalidades a expressar um forte sentido de identificação partidária, no seu grupo mais jovem eles mostram a

    maior proporção. A relação entre mudança partidária intergeracional e valores prioritários fundamentais percebida em nossa amostra francesa não pode ser atribuída sem dificuldade à vinculação relativamente forte das coortes mais velhas aos partidos políticos existentes - ainda que a mudança partidária intergeracional ligada a valores pareça ocorrer em uma medida maior na França que em qualquer outra das amostras nacionais.

  • 36

    Mesmo trabalhadores ingleses relativamente afluentes são propensos a manterem-se como apoiadores constantes do Partido Trabalhista, de acordo com John H. Goldthorpe, David Lockwood, Frank Beckhofer e Jennifer Platt (1968). Richard F. Hamilton (1967) argumenta que o mesmo era verdade para os trabalhadores franceses durante a IV República; ele poderia estar certo a respeito desse período, mas nossos dados indicam que o padrão mudou significativamente durante a V República.

  • 37

    À primeira vista, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode parecer irrealista: a mudança adulta

    de fato ocorre. Mas, devido às razões indicadas acima, seria provavelmente apressado assumir que as coortes adultas necessariamente se tornarão mais aquisitivas à medida que envelhecem. Face à incerteza sobre a

    direção de possíveis mudanças nas coortes adultas, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode fornecer pelo menos uma útil primeira interpretação.

  • 38

    Willy Brandt foi Chanceler (ou seja, Primeiro-Ministro) da República Federal da Alemanha entre 1969 e 1974, pelo SPD (N. T.).

  • 39

    O Weatherman era um grupo de extrema esquerda, de caráter revolucionário e que agia por meio de "ações diretas" (muitas delas de caráter terrorista) entre o final dos anos 1960 e o final dos anos 1980, embora suas ações tenham-se concentrado entre 1969 e 1977. O nome completo da organização era Weather Underground Organization, embora originalmente fosse apenas Weatherman. Era uma facção da primeia versão da organização Students for a Democratic Society (SDS) - esta vista como uma encarnação estadunidense da nova esquerda (N. T.).

  • 40

    Esses achados parecem contradizer algumas projeções-chave da literatura que se concentra na análise do futuro. Herman Kahn e Anthony Wiener (1967, p. 7), por exemplo, argumentam que "Há uma tendência básica, múltipla e de longo prazo em direção a 1) culturas crescentemente sensatas (empíricas, profanas, seculares, humanistas, pragmáticas, utilitárias, contratuais, epicuristas ou hedonistas); 2) a elites burguesas, burocráticas, 'meritocráticas', democráticas (e nacionalistas) [...]". Minha leitura dos dados implica que, enquanto essas tendências podem ter prevalecido até recentemente, certos aspectos podem estar experimentando uma reversão nas sociedades pós-industriais. Especificamente, duvido de que as elites dessas sociedades tornar-se-ão crescentemente burguesas, meritocráticas ou nacionalistas, ou que tais culturas são propensas a tornarem-se crescentemente pragmáticas ou utilitárias. Kahn e Wiener fazem diversas projeções adicionais que realmente me espantariam caso fossem verdadeiras (cf. KAHN & WIENER, 1967).

  • 41

    Conforme esclarecimento feito pelo autor via mensagem eletrônica de 21 de agosto de 2012, o texto foi submetido a publicação (no final dos anos 1960) mas os pareceristas recusaram o texto, considerando implausível a hipótese discutida. Daí a ausência de outras indicações bibliográficas (N. T.).

  • 1 Artigo publicado originalmente sob o título "The Silent Revolution in Europe: Intergenerational Change in Post-Industrial Societies", no American Political Science Review (v. 65, n. 4, p. 991-1017, Dec.1971). Agradecemos a gentileza da Cambridge University Press, detentora dos direitos editoriais, bem como do próprio Ronald Inglehart, autor do artigo, pelas autorizações para traduzirmos e publicarmos em português o texto. Tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda e revisão da tradução de Feliciano de Sá Guimarães; agradecemos o auxílio de Emerson Urizzi Cervi com alguns termos técnicos. 2 O autor está em débito com Samuel Barnes, Karl Deutsch, Kent Jennings, Warren Miller, Robert Putnam e Donald Stokes pelos comentários e críticas feitos a uma versão anterior deste artigo. 3 Para uma apresentação mais completa dessa hipótese, cf. Inglehart e Lindberg (s/d) e Inglehart (1971b). 4 Um exemplo de reversão induzida por prioridades biológicas em condições de fome é descrito em Davies (1963, p. 13). Um forte crítico tomando parte de um experimento perdeu progressivamente seu interesse pelo trabalho de bem-estar social após várias semanas de um regime de semi-inanição. 5 Uma excelente discussão das hierarquias de valores e das suas implicações políticas aparece em Lane (1970, cap. 2). 6 As evidências que sustentam essa hipótese podem ser obtidas do estudo feito por Richard Flacks sobre ativistas e não-ativistas políticos entre os estudantes da Universidade de Chicago. Seus achados indicam que os estudantes de lares relativamente afluentes tendem a dar maior ênfase no envolvimento em objetivos intelectuais e estéticos, considerações humanitárias e oportunidades para a auto-expressão. Eles também tendem a não dar tanto valor ao sucesso material, às realizações pessoais, à moralidade convencional e à religiosidade. Além disso, é muito mais provável que eles se tornem ativistas do que os estudantes de origens menos afluentes. Cf. Flacks (1967). 7 Cf. entre outros Campbel et alii (1960) e Converse e Dupeux (1966). 8 Essa linha de raciocínio é exposta em Dahrendorf (1964a) e Lipset (1967b). 9 Joseph Schumpeter (1942) argumentou em termos um tanto semelhantes. 10 Distinguimos a classe média moderna da classe média tradicional com base nas ocupações: o último grupo consiste em pequenos empresários e artesãos independentes; o primeiro grupo compreende pessoas com ocupações não-manuais no setor moderno da economia e tende a caracterizar-se por um nível mais alto de segurança econômica (e uma probabilidade menor de ser atraído para movimentos radicais de extremadireita). Nosso uso dessa distinção foi sugerida pela análise de Seymour Martin Lipset (1960, especialmente cap. 5). 11 Estamos em dívida com Jacques-René Rabier, Diretor Geral do Serviço de Informações da Comunidade Européia, pelo papel que desempenhou em encorajar a pesquisa colaborativa internacional com a Universidade de Michigan (e diversas outras) nos últimos vários anos. 12 Para discussões e aplicações sofisticadas desse tipo de análise, cf. Butler e Stokes (1969, especialmente cap. 3, 11 e 12). Esses autores descobriram que a filiação partidária é mais propriamente uma característica estável das coortes inglesas. No relativamente longo vaivém dos Conservadores para os Trabalhistas que ocorreu de 1959 a 1963, a substituição do eleitorado (ligado a diferentes taxas de nascimento e de óbito) desempenhou na verdade um papel maior que o desempenhado pela conversão de eleitores de um partido para outro. 13 O trabalho de campo foi realizado em fevereiro e março de 1970, por Louis Harris Research Ltd. (Londres), Institut für Demoskopie (Allensbach), International Research Associates (Bruxelas), Netherlands Institut voor de Publieke Opinie (Amsterdã), Institut français d'opinion publique (Paris) e Institut per le Ricerche Statische e l'Analisi del'opinione Pubblica (Milão). As respectivas amostras tiveram os seguintes N: 1 975 (Inglaterra), 2 021 (Alemanha), 1 298 (Bélgica), 1 230 (Países Baixos), 2 046 (França) e 1 822 (Itália). A pesquisa também incluiu Luxemburgo, mas o número de respondentes desse país (335) foi considerado muito pequeno para ser usado na presente análise. A amostra neerlandesa foi ponderada para corrigir deficiências amostrais e o N ponderado aparece nas tabelas das páginas seguintes. Enquanto os dados dos Países Baixos são, na opinião do autor, menos confiáveis que os dos outros países, as diferenças intra-amostrais cruciais discutidas neste artigo são suficientemente grandes para minimizar a probabilidade de que elas simplesmente reflitam erros amostrais. Por outro lado, comparações transnacionais baseadas nas margens neerlandesas devem ser vistas com reservas. As pesquisas nos países da Comunidade Européia foram patrocinadas pelo Serviço de Informações da Comunidade Européia. A pesquisa na Inglaterra foi apoiada com recursos da Universidade de Michigan. 14 Do ponto de vista da maioria de nossos respondentes, isso significa o seguinte: em situações extremas, ameaças à ordem doméstica podem, é claro, envolver perigo para a vida das pessoas. Na medida em que uma preocupação com a segurança pessoal de alguém está envolvida, o item cobre a necessidade que Maslow situa imediatamente abaixo das necessidades econômicas em sua hierarquia. Desse modo, respostas pós-burguesas são vistas como algo que refle a segurança a respeito tanto das necessidades econômicas quanto das necessidades de segurança. Há motivos para esperar que o padrão de prioridades intergeracional possa ser similar para esses dois tipos de necessidades: coortes mais velhas são mais prováveis de terem experimentado ameaças à sua segurança física, assim como à sua segurança econômica, durante os anos de formação. O efeito de persistência da experiência anterior é sugerido pelo fato de que é mais provável que os alemães mais velhos expressem um medo de guerra mundial do que as coortes do período posterior à II Guerra Mundial (cf. MERKL, 1971). Contudo, duvidamos de que muitos de nossos respondentes sentissem-se fisicamente ameaçados em 1970. Para a maioria esse item provavelmente evoca nada mais que pensamentos de ameaça à propriedade. Seguimos a tradição marxista ao conferir um importante papel à determinação econômica - embora somente dentro de certas margens. Tanto antes da industrialização quando após ela uma sociedade industrial alcança um limiar de segurança econômica geral; cremos que é provável que outros valores prevaleçam mais amplamente. O conceito de renda discricionária é análogo à nossa interpretação de segundo limiar: quanto mais uma economia cresce bastante além do nível de subsistência, um comportamento especificamente econômico pode ser explicado por meio de variáveis econômicas em proporções progressivamente menores. 15 O autor usa a expressão " value priorities", cuja tradução literal seria "prioridades valorativas". Preferimos "valores prioritários" porque nos parece descrever melhor a idéia de que os valores em questão são importantes e não tanto as prioridades (nota do tradutor). 16 Outros itens considerados importantes nesse fator referiam-se a: expectativas de um maior padrão de vida; apoio a manifestações estudantis; apoio a mudanças sociais radicais e apoio a uma variedade de propostas para a integração européia (todas as quais tinham polaridade positiva); ênfase em segurança no emprego; orgulho da própria nacionalidade e apoio a Forças Armadas nacionais fortes (que tiveram polaridade negativa). Devido à limitação orçamentária, o questionário inglês era mais curto que os usados nos países da Comunidade Européia e a análise fatorial dessa amostra omite alguns dos itens disponíveis em conjuntos maiores de dados. Deixando de lado essas omissões, o padrão de resposta inglês parece ficar paralelo ao encontrado no continente. O fato de que as expectativas de maiores padrões de vida no futuro andem em conjunto com a relativamente baixa prioridade conferida à segurança econômica é interessante. Isto tende a confirmar nossa interpretação de que, para o grupo pós-burguês, os valores econômicos são relativamente pouco importantes porque são assumidos como garantidos. 17 Esse índice baseou-se nas respostas aos seguintes itens: "Supondo que as populações da Inglaterra e do Mercado Comum fossem consultados para decidir sobre as seguintes questões, como você votaria? - Seria favorável, ou contrário, à eleição de um parlamento europeu via sufrágio universal e direto, ou seja, um parlamento eleito por todos os eleitores dos países-membro? - Estaria disposto a aceitar, acima e além do governo (inglês), um governo europeu responsável por uma política comum em política externa, defesa e economia? - Se um Presidente dos Estados Unidos da Europa fosse eleito pelo voto popular, você estaria disposto a votar em um candidato que não fosse de seu próprio país, se seus programa e personalidade correspondessem mais proximamente às suas idéias que aqueles candidatos de seu próprio país?" Um respondente seria categorizado como "claramente favorável" à integração européia se desse respostas favoráveis a todos os três itens ou a ao menos dois deles, desde que a resposta ao terceiro item fosse "eu não sei", em vez de "contrário". Para uma exploração muito mais detalhada desse assunto, cf. Inglehart (1971a). 18 Há uma certa similaridade entre a configuração das preferências "pós-burguesas" e o bem conhecido conceito de "autoritarismo". Ambos os conceitos relacionam-se às prioridades que se concede à liberdade, em oposição à ordem. E - como acabamos de ver - a posição libertária parece ligada ao internacionalismo. Isso decorre do fato de que, de acordo com nossa análise, os grupos pós-burgueses alcançaram a segurança a respeito das necessidades de segurança e sustento. Na medida em que o Estado-nação é visto como um baluarte protegendo o indivíduo contra ameaças estrangeiras, ele é menos importante para os respondentes pós-burgueses. Além disso, em termos psicológicos eles têm um montante maior de "capital de risco" disponível para investimento em projetos com apelo intelectual e estético - como a unificação européia. Há diferenças tanto teóricas quanto empíricas entre nossa posição e a prevalecente na literatura sobre o autoritarismo. Enfatizamos um processo causal historicamente formado que não é necessariamente incompatível com - embora certamente adota uma perspectiva diferente de - a psicodinâmica do autoritarismo. Empiricamente, o autoritarismo, como as prioridades de valores aquisitivas, tende a vincular-se a um status econômico menor. Em contraste, há indicações de que as crianças e os jovens tendem a ser mais autoritários que os adultos. (Stouffer, contudo, relatou evidências de diferenças consideráveis entre grupos etários de adultos quanto ao grau de "tolerância para o não-conformismo", sendo os jovens adultos bem mais tolerantes que os adultos mais velhos; ele vê essa evidência como refletindo tanto os ciclos de vida quanto efeitos intergeracionais (cf. STOUFFER, 1955, p. 89)). De qualquer forma, nem explorações prévias nem a presente pesquisa revelaram relações razoavelmente fortes ou consistentes entre itens padronizados de escala F e as atitudes mencionadas aqui. Os dois conceitos parecem relacionados, mas os itens que serviram como indicadores de autoritarismo em pesquisas anteriores aparecem como tendo aplicabilidade limitada na Europa dos anos 1970. Para um relatório de uma exploração transnacional prévia sobre o autoritarismo e o internacionalismo, cf. Inglehart (1970). A literatura sobre o autoritarismo é imensa; o trabalho clássico é o de Adorno (1950); cf. também Christie e Jahoda (1954). 19 É difícil interpretar o padrão transnacional como uma reação a eventos correntes nas respectivas nações. Há considerável evidência de uma recente reação do tipo "lei-e-ordem" face às desordens estudantis em cada um desses países. Mas se as diferenças transnacionais fossem largamente o resultado de tal reação, deveríamos determinar que a ênfase na ordem fosse maior que todas na França (onde a recente sublevação foi a maior) e menor que todas na Inglaterra (que teve a menor quantidade de desordem doméstica). Os dados manifestamente falham em corresponder a esse padrão. Devemos explicá-los em termos de predisposições anteriores às - em vez de resultantes de - recentes desordens domésticas que esses países experimentaram. 20 É interessante notar que essa mudança corresponde à transição da juventude supostamente apolítica dos anos 1950 - a "geração cética" ou "juventude sem compromissos", como ela era chamada - para a juventude relativamente radical dos anos 1960. 21 Essa análise é similar a uma de regressão múltipla, usando variáveis binárias. Para uma explicação dessa técnica, cf. Sonquist (1970). 22 Assumindo que seja esse o processo em curso, devemos perguntar por que essa cultura da elite política confere relativamente alta prioridade aos valores expressivos. Pode-se basear pelo menos parte da resposta na segurança econômica relativa. Todavia, como será indicado adiante, a educação superior não parece estar inerentemente vinculada a uma posição política libertária; em outros momentos da história, ela esteve associada a posições relativamente autoritárias e conservadoras. 23 Outras possibilidades também existem: (1) Poderia ser devido a um erro amostral. Contudo, acreditamos que a última possibilidade poderia ser excluída: encontramos um padrão de grupo etário similar em todas as sete pesquisas européias que citamos até agora. Além disso, examinamos respostas a itens de uma grande quantidade de pesquisas estadunidenses que, implícita ou explicitamente, solicitaram aos indivíduos que escolhessem entre liberdades políticas e ameaças à ordem ou à segurança nacional. Um padrão de grupo etário similar ocorre em virtualmente todos eles. Cf. por exemplo Gaudet (1970). O mesmo padrão ocorre em respostas a itens comparáveis na pesquisa para as eleições presidenciais de 1968 da Syracuse Research Corporation (SRC). A probabilidade de encontrar tal padrão em tantas pesquisas em sociedades pós-industriais como resultado de erros amostrais parece negligenciável. (2) O padrão de grupos etários poderia relacionar-se a diferentes taxas de nascimento ou de expectativas de vida entre os grupos sociais que têm diferentes valores prioritários. Elas tenderiam a conceder ao grupo com a maior taxa de nascimento (ou a menor expectativa de vida) uma representação desproporcionalmente maior entre as coortes mais jovens. Empiricamente, grupos de renda menor tendem a possuir maiores taxas de nascimento e menores expectativas de vida que os grupos de renda superior nas últimas décadas (por exemplo, cf. BUTLER & STOKES, 1969, p. 265-270). Mas grupos de renda menor são relativamente propensos a expressar valores prioritários aquisitivos. Apesar desse fato, os valores pós-burgueses são relativamente bem distribuídos entre as coortes mais jovens! 24 Entre as razões para esse declínio de atividade, o fato de que algumas concessões foram feitas a algumas das demandas estudantis é provavelmente o fator mais óbvio, mas suspeito que sua importância é supervalorizada. Outra razão é que grandes confrontos políticos na dimensão aquisitivo-pós-burguês são provavelmente contraprodutivos para o último grupo nas condições atuais: os aquisitivos ainda parecem deter uma pesada predominância numérica - como se tornou crescentemente aparente em ambos os lados do Atlântico no final dos anos 1960. Um outro fator que ainda parece pertinente nos Estados Unidos: a recessão econômica de 1970 pode ter conferido maior atenção às considerações econômicas da parte de grupos que previamente davam pouca atenção a essas questões. A sabedoria convencional sustenta que os problemas econômicos tendem a ajudar a esquerda tradicional; paradoxalmente (mas mantendo-se de acordo com nossa análise da mudança intergeracional), deveríamos esperar que tais problemas tendam a solapar a nova esquerda. 25 Exceto entre a coorte mais jovem, não temos um número suficientemente grande de respondentes com educação universitária de modo a permitir estimativas confiáveis sobre as respostas daqueles que de fato têm educação universitária. Na coorte mais jovem, temos pelo menos 30 respondentes de quatro dos nossos seis países; eles tendem a ser um tanto mais pós-burgueses que outros membros de seus grupo etário e estrato socioeconômico, porém apenas moderadamente. Eles são, em média, quatro pontos percentuais menos aquisitivos e sete pontos mais pós-burgueses que seus pares da Tabela 11. Isso sugere que não é principalmente o ambiente universitário que importa para seus valores prioritários (embora isso pareça ter uma certa importância), mas o fato de que os estudantes provêm das categorias sociais mais jovens e mais afluentes. 26 Em sua análise dos dados da pesquisa de painel sobre a Inglaterra, coletados em 1963, 1964 e 1964, Butler e Stokes (1969, p. 58-59) comentam: "Uma teoria da 'senescência' política, como às vezes é chamada, conforma-se de maneira confortável com a crença mais geral segundo a qual as atitudes da juventude são naturalmente liberais ou radicais, ao passo que aquelas da idade madura são conservadoras. [...] Nos anos 1960 a força conservadora tendeu a ser a mais fraca entre aqueles nascidos nos anos 1920. Os eleitores mais jovens tenderam de fato a ser um pouco mais conservadores que aqueles que se encontravam na idade mediana. Essa irregularidade, embora seja um embaraço para qualquer teoria simples de conservadorismo aumentando com a idade, pode ser prontamente reconciliada com o conceito de que a manutenção das tendências políticas estabelecidas é que aumenta com a idade. [...] Não devemos perguntar quão velho é o eleitor, mas, sim, quando é que ele foi jovem". Para um excelente exemplo de análise de coorte etária baseada em dados sobre elites, cf. Putnam (1971). Esse autor encontra evidências de significativas mudanças intergeracionais em estilos políticos básicos entre os políticos ingleses e italianos. 27 Philip Converse e Roy Pierce perceberam uma notável mudança para a direita de 1967 a 1968 em um painel em que os respondentes foram solicitados a classificarem -se em um contínuo direita-esquerda em ambos os anos. Após reentrevistar esses respondentes uma terceira vez, eles relataram que mais de 99% da mudança de 1967 para 1968 fora preservada em 1969 (cf. CONVERSE & PIERCE, 1970). 28 No caso italiano, todavia, o Partido Comunista também parece desfrutar uma relativa preferência entre os eleitores pós-burgueses: o PCI e o Psiup em conjunto são apoiados por 7% do grupo pós-burguês (deixando aos dois partidos socialistas uma proporção somente um pouco maior de apoio do grupo pós-burguês em relação aos aquisitivos). Ao que tudo indica os membros de nossa amostra italiana reagem ao PCI quase como se ele fosse um partido da nova esquerda – um achado interessante face ao fato de que o apoio ao Partido Comunista Francês não apresenta um padrão similar. Pode-se pensar se o PCF perdeu o apoio pós-burguês ao repudiar a revolta de maio. 29 Essa ordenação das prioridades, é claro, não é nova em si mesma. Weber e Veblen, entre outros, deram atenção para o desdém face aos imperativos econômicos e para a ênfase em estilos de vida distintivos entre os estratos economicamente seguros ao longo da história. Veblen interpreta o estilo de vida anti-aquisitivo das antigas classes ociosas como uma tentativa de protegerem seus status superiores por meio da exclusão de indivíduos ascendentes provenientes dos níveis econômicos inferiores (cf. VEBLEN, 1934). É altamente duvidoso se essa interpretação aplica-se ao grupo pós-burguês contemporâneo como um todo. Seus membros aparecem universalistas em suas perspectivas e às vezes parecem imitar o estilo de vida dos estratos inferiores. O consumo conspícuo parece desempenhar um papel relativamente pequeno em seu comportamento - exceto se interpretarmos andar a pé como uma variação desviante do consumo conspícuo. Poderíamos ver as necessidades de auto-realização intelectual e estética como motivações políticas em si mesmas. A preocupação com a poluição do meio ambiente e o fim de sua beleza natural - temas que desempenharam um papel político menor até bem recentemente - tornaram-se subitamente proeminentes, com a sua elevação à relevância política das coortes jovens atuais. Essas preocupações podem justificar-se em termos de autopreservação ("Estamos prestes a sufocar-nos em meio a uma avalanche de lixo"), mas esse argumento parece um tanto hiperbólico: suspeito que atrás dessa nova onda de protesto haja uma sensibilidade intensificada para com os defeitos estéticos da sociedade industrial. Parece claro que outros fatores também estão envolvidos no surgimento da nova esquerda: fatores de situações únicas de dados momentos de uma dada sociedade. Não tratarei deles nesta análise transnacional. 30 O vínculo entre Igreja e partido é mais explícita no continente europeu, mas o Partido Conservador inglês não é exceção a esse padrão. A filiação à Igreja Anglicana da Inglaterra é fortemente vinculada à preferência pelo Partido Conservador. Mesmo quando controlamos pela classe social, é mais provável que os anglicanos de nossa amostra sejam favoráveis ao Partido Conservador que os respondentes de fés minoritárias ou não-religiosos, por uma margem de aproximadamente 20 pontos percentuais. Quanto mais freqüentemente alguém vai à Igreja Anglicana, além disso, mais provável é que apóie os conservadores. 31 O reduzido número de casos relaciona-se ao fato de que aqui lidamos somente com os respondentes 1) que têm preferência político-partidária - que se deseja revelar - e 2) cujos pais têm uma preferência político-partidária - que era conhecida pelo respondente. 32 Regime político semipresidencialista apoiado pelo General Charles de Gaulle, implantado em 1958 e vigente até os dias atuais, em substituição à IV República (1946-1958), de caráter parlamentarista (N. T.). 33 Esses dados foram calculados tomando por base Lipset (1967b, cap. 5, Tabela 4). Nossa comparação focaliza os dois grupos mais dinâmicos da sociedade industrial - os trabalhadores, por um lado, e a moderna classe média, por outro. Embora o princípio seja similar, nossa medida da votação classista, portanto, não é idêntica à usada por Alford (1962). A classe média tradicional, como um elemento estagnado ou declinante na economia, não apresentou uma mudança comparável àquela que aparentemente ocorreu com a moderna classe média. Combinar esses dois grupos (como Alford faz) atrapalha o efeito que estamos descrevendo. 34 Seymour M. Lipset e Stein Rokkan (1967, p. 50) argumentam que "os sistemas partidários dos anos 1960 refletem, com algumas poucas exceções significativas, as estruturas de clivagem dos anos 1920". Por outro lado, Lipset relata alguns dados que parecem indicar um declínio na votação de classe no eleitorado estadunidense de 1936 a 1968 (cf. LIPSET, 1968, p. 274-275, Tabela 8-2). Uma mudança de grau, se não no tipo da clivagem, parece estar ocorrendo. 35 Essa evidência confirma achados anteriores (cf. CONVERSE & DUPEUX, 1966; CONVERSE, 1969). Nos últimos dois artigos, Converse (e Dupeux) relata que indivíduos que conheciam a filiação partidária de seus pais não eram mais propensos a identificarem-se com um partido cujos pais não transmitiram nenhuma sugestão concernente a identificação partidária. Se os cidadãos com uma clara identificação político-partidária são relativamente pouco propensos a mudar seus votos de acordo com os valores fundamentais, a Tabela 14 pode fornecer uma estimativa conservadora do impacto dos valores prioritários na escolha partidária: a Tabela lida exclusivamente com aqueles que relataram eles próprios uma escolha partidária definida e receberam sugestões de preferências partidárias de seus pais. Adicionalmente, entretanto, Converse (1969) descobriu que coortes mais velhas tendem a ter vínculos relativamente fortes com certos partidos políticos, como uma função do número de anos que eles eram habilitados a votarem nos partidos políticos de suas escolhas em eleições livres. Isso sugere a possibilidade de que pelo menos parte da relação entre preferência de valores e mudança de partido pode ser devida à maior probabilidade dos respondentes mais velhos terem valores "aquisitivos" e relativamente fortes lealdades partidárias. Essa hipótese poderia ser testada por meio do controle pela idade, em adição aos outros controles da Tabela 14. Quando procedemos dessa maneira, a relação entre valores preferenciais e mudança partidária não parece desaparecer, mas a relação altamente enviesada entre idade e valores reduz o número de casos em algumas das células até o ponto de desaparecerem. Contudo, podemos aplicar outro tipo de teste baseado em comparações transnacionais. Nossos dados de 1968 da Inglaterra, da França e da Alemanha contêm informações sobre a força da identificação partidária. O padrão varia em boa medida de país para país. Na amostra inglesa (em que o presente sistema partidário está estabelecido há cerca meio século), a intensa identificação partidária declina regular e bruscamente, à medida que nos movemos do grupo etário mais velho para o mais novo. O grupo inglês mais velho contém quatro vezes mais fortes identificações político-partidárias que o grupo mais jovem. O partidarismo intenso declina regularmente mas de maneira menos abrupta na amostra alemã (fortes identificações ocorrendo duas vezes mais freqüentemente no grupo maisvelho que no grupo mais jovem). Até agora, isso é inteiramente consistente com o padrão relatado por P. Converse. Os dados franceses, entretanto, tornam-se adequados ao modelo de Converse apenas se encaramos o presente sistema partidário francês como recém-estabelecido: o partidarismo decresce apenas muito suavemente na amostra francesa à medida que nos movemos dos velhos para os jovens. Os adolescentes franceses são quase tão propensos a declararem-se com fortes identificações partidárias quanto as pessoas com 60 anos de idade! Enquanto em outras faixas etárias os franceses são os menos propensos das três nacionalidades a expressar um forte sentido de identificação partidária, no seu grupo mais jovem eles mostram a maior proporção. A relação entre mudança partidária intergeracional e valores prioritários fundamentais percebida em nossa amostra francesa não pode ser atribuída sem dificuldade à vinculação relativamente forte das coortes mais velhas aos partidos políticos existentes - ainda que a mudança partidária intergeracional ligada a valores pareça ocorrer em uma medida maior na França que em qualquer outra das amostras nacionais. 36 Mesmo trabalhadores ingleses relativamente afluentes são propensos a manterem-se como apoiadores constantes do Partido Trabalhista, de acordo com John H. Goldthorpe, David Lockwood, Frank Beckhofer e Jennifer Platt (1968). Richard F. Hamilton (1967) argumenta que o mesmo era verdade para os trabalhadores franceses durante a IV República; ele poderia estar certo a respeito desse período, mas nossos dados indicam que o padrão mudou significativamente durante a V República. 37 À primeira vista, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode parecer irrealista: a mudança adulta de fato ocorre. Mas, devido às razões indicadas acima, seria provavelmente apressado assumir que as coortes adultas necessariamente se tornarão mais aquisitivas à medida que envelhecem. Face à incerteza sobre a direção de possíveis mudanças nas coortes adultas, o pressuposto da estabilidade intracoorte pode fornecer pelo menos uma útil primeira interpretação. 38 Willy Brandt foi Chanceler (ou seja, Primeiro-Ministro) da República Federal da Alemanha entre 1969 e 1974, pelo SPD (N. T.). 39 O Weatherman era um grupo de extrema esquerda, de caráter revolucionário e que agia por meio de "ações diretas" (muitas delas de caráter terrorista) entre o final dos anos 1960 e o final dos anos 1980, embora suas ações tenham-se concentrado entre 1969 e 1977. O nome completo da organização era Weather Underground Organization, embora originalmente fosse apenas Weatherman. Era uma facção da primeia versão da organização Students for a Democratic Society (SDS) - esta vista como uma encarnação estadunidense da nova esquerda (N. T.). 40 Esses achados parecem contradizer algumas projeções-chave da literatura que se concentra na análise do futuro. Herman Kahn e Anthony Wiener (1967, p. 7), por exemplo, argumentam que "Há uma tendência básica, múltipla e de longo prazo em direção a 1) culturas crescentemente sensatas (empíricas, profanas, seculares, humanistas, pragmáticas, utilitárias, contratuais, epicuristas ou hedonistas); 2) a elites burguesas, burocráticas, 'meritocráticas', democráticas (e nacionalistas) [...]". Minha leitura dos dados implica que, enquanto essas tendências podem ter prevalecido até recentemente, certos aspectos podem estar experimentando uma reversão nas sociedades pós-industriais. Especificamente, duvido de que as elites dessas sociedades tornar-se-ão crescentemente burguesas, meritocráticas ou nacionalistas, ou que tais culturas são propensas a tornarem-se crescentemente pragmáticas ou utilitárias. Kahn e Wiener fazem diversas projeções adicionais que realmente me espantariam caso fossem verdadeiras (cf. KAHN & WIENER, 1967). 41 Conforme esclarecimento feito pelo autor via mensagem eletrônica de 21 de agosto de 2012, o texto foi submetido a publicação (no final dos anos 1960) mas os pareceristas recusaram o texto, considerando implausível a hipótese discutida. Daí a ausência de outras indicações bibliográficas (N. T.).

    O que se pode saber sobre a Europa no início dos anos de 1930 com base nos dados?

    Resposta verificada por especialistas A - Com base nos dados - elevadas taxas de desemprego - podemos afirmar que a Europa vivia uma profunda crise econômica, que teve profundas consequências sociais, de modo que a economia europeia foi "dizimada" pelo Crash da Bolsa de 1929.

    O que se pode saber sobre a Europa em 1930?

    Em meio à Grande Depressão, nos anos 1930, a política europeia se inclinou claramente para a direita. O discurso centrista perdeu força entre as massas empobrecidas, notadamente na Alemanha. Imperava o medo do comunismo e o anseio pela ordem, o que foi prontamente oferecido pelos políticos nazifascistas.

    O que se pode saber sobre a Europa do início dos anos 1930 com base nesses dados porque a Alemanha foi o país europeu mais atingido pela crise?

    Resposta verificada por especialistas A Alemanha foi o país europeu mais atingido pela crise pois estava com 44% de desempregados, causados pela destruição da Primeira Guerra Mundial, pelas cláusulas de reparação financeira do Tratado de Versalhes (1919) e pela Crise de 1929.

    Qual é a história da Europa?

    Resumidamente, a história da Europa é confundida com a de grande parte do mundo. O continente foi descoberto por volta de 500 a.C., quando os gregos, inicialmente, dominaram e governaram a região. Eles fundaram as primeiras grandes cidades europeias e espalharam sua cultura pelo resto do mundo.