Quais são as unidades temáticas que estruturam o ensino de Ciências?

Ao longo da história do ensino de Ciências no Brasil identificam-se momentos que caracterizam as consequências deste ensino no atual cenário da educação. Considerar estes aspectos históricos remete-nos a obter elementos essenciais para identificar a trajetória de como chegamos aos conteúdos e objetivos de aprendizagem; ao entendimento da influência do método científico no método de ensino e a relação da história e filosofia da ciência com o ensino de Ciências; ao estudante como sujeito ativo, participativo e com seus conhecimentos espontâneos; ao letramento científico e a leitura do mundo contemporâneo; ao ensino por investigação; ao contexto da ciência, tecnologia e sociedade e as consequências ambientais; entre outras características do processo ensino-aprendizagem em Ciências.

Por meio dos registros presentes nos documentos orientadores nacionais, como também vários estudos e pesquisas, é possível perceber este percurso e identificar os diversos momentos e contextos que caracterizam este ensino.

A introdução do ensino de Ciências no Brasil com foco nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental é recente, visto que, somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692, promulgada em 1971, Ciências passou a ter caráter obrigatório nas oito séries do primeiro grau (hoje, 1º ao 9º ano) e de acordo com Krasilchik (2004) na década de 70, o projeto nacional da época era o de modernizar e desenvolver o país e nesse contexto, o ensino de Ciências foi considerado importante componente para preparação do trabalhador qualificado conforme foi estipulado pela referida Lei.

Para Krasilchik (1987), nesta década aumentou o interesse pela educação ambiental e agregou-se mais um objetivo ao ensino de Ciências, que era o de também proporcionar aos estudantes discussões das implicações sociais do desenvolvimento científico e promover debates para o reconhecimento da não neutralidade da ciência. Ainda, de acordo com a autora, no final desta década, ocorreram as primeiras manifestações sistemáticas a favor de levar em conta o cotidiano do estudante na aprendizagem escolar.

Atualmente, a constante presença da ciência e da tecnologia no cotidiano das pessoas, vem interferindo no modo como assuntos referentes a estes temas são abordados em diferentes espaços da sociedade. Além disso, com os avanços da ciência, a influência da tecnologia, e as implicações destas na sociedade, é necessário que a escola oportunize uma formação que permita o acesso à cultura científico-tecnológica e possibilite ao estudante assumir responsabilidades, refletir e discutir criticamente acerca da produção, construção social e utilização da tecnologia no dia a dia conforme seu contexto social.

Na área de Ciências da Natureza, o processo de ensino-aprendizagem deve conduzir o estudante à compreensão de como a ciência e a tecnologia são produzidas, enfatizando-as como uma forma de obter conhecimento sobre o mundo em que se oferecem oportunidades para interpretação dos fenômenos naturais, para estabelecer relações dos seres humanos com o ambiente e com a tecnologia e assim, compreender os aspectos sobre a evolução e os cuidados da vida humana, da biodiversidade e do planeta. A intenção é ampliar a curiosidade dos estudantes, incentivá-los a levantar hipóteses e se apropriar de conhecimentos sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos e as relações que se estabelecem envolvendo a natureza e a tecnologia (CORSINO, 2007). Nesse sentido, questiona-se, como organizar e fundamentar ações pedagógicas a respeito da área de Ciências da Natureza no Ensino Fundamental que contribuam para a formação integral do estudante.

O ensino de Ciências, precisa assegurar aos estudantes do Ensino Fundamental o acesso ao conhecimento produzido e sistematizado pela humanidade, como também, o acesso a procedimentos e estratégias da investigação científica, na perspectiva do ensino por investigação. Neste contexto, o próprio documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (BRASIL, 2010), elucida que, a organização do trabalho pedagógico deve levar em conta a mobilidade e a flexibilização de tempos e espaços escolares, a diversidade de materiais, o planejamento, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes investigativas, entre outras funções cognitivas.

Portanto, é fundamental possibilitar aos estudantes a vivência de situações de aprendizagem, para que possam: entender e analisar o contexto vivenciado, propor problemas, levantar hipóteses, coletar dados, sistematizar o conhecimento por meio de registros, elaborar conclusões e argumentos com base em evidências, desenvolver ações de intervenção na melhoria da qualidade de vida individual, coletiva e socioambiental, aplicando os conhecimentos adquiridos e apropriados por meio da ação investigativa.

Ressalta-se que o ensino por investigação, não deve ser interpretado como sendo uma única forma de abordagem para o ensino de Ciências, é mais uma possibilidade de se apropriar do conhecimento e da interpretação sobre o mundo.

Sasseron e Duschl (2016), elucidam a importância de que o ensino de Ciências explore os conceitos, as leis, os modelos, as teorias científicas e os elementos epistemológicos das ciências, além de reforçar a proposição de que este ensino deve também estar orientado ao trabalho de práticas epistêmicas, que podem ser evidenciadas em momentos de discussões, permitindo a proposição, a comunicação, a avaliação e a legitimação de ideias. Ainda, de acordo com os autores, estabelecer momentos de interações discursivas pertinentes ao componente curricular de Ciências possibilita aos estudantes a vivência de investigações em que sejam trabalhadas práticas epistêmicas, para a construção de entendimento sobre conceitos científicos e dessa forma, possam obter formação para lidar com situações sociais, ambientais e culturais diversas, se apropriando de conhecimentos produzidos e sistematizados pela humanidade e sabendo como utilizá-los em situações cotidianas.

Ao docente do Ensino Fundamental cabe, no seu fazer pedagógico, criar momentos para estabelecer diálogos entre saberes e relações entre a história da ciência e o componente curricular de Ciências, integrando os conhecimentos científicos escolares com o desenvolvimento científico-tecnológico ao longo da história. Além destas relações, também é necessário considerar que o estudante já possui conhecimentos acumulados de sua vivência, e que a todo momento está interagindo com o meio e atuando em diferentes situações.

Nesse sentido, o ensino de Ciências por meio de sua organização e concretização, possibilita ao estudante o acesso ao conhecimento científico didatizado ao investigar sobre os fenômenos da Natureza e compromete-se com o desenvolvimento do letramento científico (BRASIL, 2017), que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), e assim, permite ao estudante dispor de conhecimentos científicos e tecnológicos, necessários para se desenvolver na vida diária, para conhecer as complexas relações entre ciência, tecnologia e sociedade e assim ser capaz de fazer escolhas conscientes que envolvam tanto o nível individual, quanto o coletivo e o socioambiental.

Santos e Mortimer (2000) elucidam sobre os princípios diferenciadores para desenvolver propostas que possibilitem compreender as relações que se estabelecem entre ciência, tecnologia e sociedade, como por exemplo: a preocupação com a formação de atitudes e valores em contraposição ao ensino memorístico; a abordagem temática em contraposição aos extensos programas de ciências fora do contexto dos estudantes; o ensino que conduza o estudante a ser ativo e participativo em contraposição ao ensino passivo sem espaço para o estudante expor suas ideias e aspirações. E,

além disso, a ciência e a tecnologia têm interferido no ambiente e suas aplicações têm sido objeto de muitos debates éticos, o que torna inconcebível a ideia de uma ciência pela ciência, sem consideração de seus efeitos e aplicações (SANTOS e MORTIMER, 2000, p.111).

Nessa perspectiva, oportuniza-se ao estudante se envolver com questões socioambientais e tecnológicas, a ponto de conhecer e atuar frente a estes assuntos em âmbito local e global, ter interesse pela ciência e percebê-la como construção humana, reconhecendo sua importância para ele e para a sociedade e compreender sua relação histórica e social.

Neste material, organizam-se Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendizagem, conforme orientações do texto introdutório deste documento, de cada ano do Ensino Fundamental, em três unidades temáticas. Entendem-se por unidades temáticas aquelas que definem a organização dos Objetos de Conhecimento que se relacionam aos Objetivos de Aprendizagem ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental, de modo a articular o conhecimento escolar e permitir amplas formas de ver e compreender o meio, de maneira crítica, a partir do entendimento das relações existentes na realidade.

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular -BNCC (BRASIL, 2017), a unidade temática Matéria e energia contempla o estudo de materiais e suas transformações, fontes e tipos de energia utilizados na vida em geral, na perspectiva de construir conhecimento sobre a natureza da matéria e os diferentes usos da energia. A unidade temática Vida e evolução, propõe o estudo de questões relacionadas aos seres vivos, suas características e necessidades, e a vida como fenômeno natural e social, os elementos essenciais à sua manutenção e à compreensão dos processos evolutivos que geram a diversidade de formas de vida no planeta. Na unidade temática Terra e Universo, busca-se a compreensão de características da Terra, do Sol, da Lua e de outros corpos celestes, suas dimensões, composição, localizações, movimentos e forças que atuam entre eles.

Propõe-se para cada ano, um conjunto de conhecimentos essenciais apresentados neste documento, a fim de buscar a superação de qualquer fragmentação ou ruptura dos Objetivos de Aprendizagem no processo de transição do Ensino Fundamental – anos iniciais e finais e, desse modo, ao término da etapa de ensino, o estudante terá um percurso contínuo de aprendizagem.

Por meio do planejamento e da ação pedagógica docente é possível superar a fragmentação dos conteúdos escolares com a integração das unidades temáticas, estabelecendo uma articulação entre os Objetos de Conhecimento e os Objetivos de Aprendizagem. Entende-se que, em cada unidade temática, os objetivos de aprendizagem podem ser desdobrados e abordados pelos professores em função dos contextos regionais, culturais, econômicos e socioambientais.

Alguns Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendizagem foram complementados para subsidiar a compreensibilidade dos mesmos e outros, foram construídos visando ampliar a ação pedagógica docente em sala de aula.

A articulação entre estes elementos deve garantir aos estudantes o desenvolvimento dos Direitos de Aprendizagem, conforme orientações do texto introdutório deste documento, específicos da área de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2017), os quais, estão enumerados a seguir:

  1. Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico;
  2. Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva;
  3. Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza;
  4. Avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e culturais da ciência e de suas tecnologias para propor alternativas aos desafios do mundo contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao mundo do trabalho;
  5. Construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza;
  6. Utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de informação e comunicação para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e ética;
  7. Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias;
  8. Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários.

A fim de contribuir para a organização e reelaboração das Propostas Pedagógicas Curriculares da Educação Básica das redes de ensino do estado do Paraná apresentam-se os Objetos de Conhecimento e os Objetivos de Aprendizagem que se articulam com as unidades temáticas de Ciências, por meio do organizador curricular, considerando o aprendizado necessário para cada ano do Ensino Fundamental, conforme segue.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral: texto referência para o debate nacional. Série Mais Educação. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cadfinal_educ_integral.pdf. Acesso em: 25 ago. 2018.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 11/2010, de 7 de julho de 2010. Sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos. Brasília, DF:CNE/CEB, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6324-pceb011-10&Itemid=30192. Acesso em: 07 de nov. 2018.

CARVALHO, A. M. P. Ensino de Ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: ______ (Org.). Ensino de Ciências por Investigação: condições para implementação em sala de aula. (p. 1-20). São Paulo, SP: Cengage Learning, 2013.

CORSINO, P. As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 57-68.

KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1987.

______. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2004.

SANTOS, W. P.; MORTIMER, E. F. Uma Análise de Pressupostos Teóricos da Abordagem C-T-S (Ciência - Tecnologia - Sociedade) no Contexto da Educação Brasileira. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências. v. 2, n. 2, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epec/v2n2/1983-2117-epec-2-02-00110.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36, set./dez. 2007.

SASSERON, L. H.; DUSCHL, A. R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, v. 21(2), ago. 2016, p. 52-67.

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    Quais são as unidades temáticas da BNCC para o ensino de Ciências?

    A matriz de ciências na base possui três unidades temáticas: Matéria e Energia, Vida e Evolução e Terra e Universo. Os objetos de conhecimento são distribuídos dentro dessas unidades temáticas.

    Quais são as unidades temáticas?

    Cada unidade temática contempla uma gama maior ou menor de objetos de conhecimento, assim como cada objeto de conhecimento se relaciona a um número de habilidades. Por exemplo, em Ciências, temos as unidades temáticas “Matéria e Energia”, “Vida e Evolução” e “Terra e Universo”.

    Quais os componentes curriculares que fazem parte das Ciências da Natureza?

    Os componentes curriculares Química, Física e Biologia que compõem a área Ciências da Natureza, devem além de contemplar conhecimentos científicos, preocupar-se com a formação do cidadão de maneira que ele se apresente como um ser pensante e atuante na realidade em que vive.

    Quais são os componentes curriculares da área de Ciências da Natureza e suas tecnologias?

    A área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias é formada pelos diferentes componentes curriculares Biologia, Física e Química, os quais apresentam em comum, a abordagem do contexto histórico, a compreensão da construção humana do conhecimento científico, a relação entre o conhecimento científico-tecnológico, a vida ...