Dentre os temas verdadeiramente inaugurados pelo Código de Processo Civil de 2015 está a possibilidade de requerimento de tutela antecipada em caráter antecedente (artigos 303 e 304). No diploma anterior, uma tutela provisória só podia ser pedida antes de iniciado o processo principal caso tivesse natureza cautelar. Show A propósito, é sempre didático rememorar a estruturação da tutela provisória feita pelo legislador. Tal gênero, que se caracteriza por algumas características como a provisoriedade e a cognição sumária, se ramifica em duas espécies: a tutela da evidência e a de urgência, onde se inserem a tutela antecipada e a tutela cautelar. A distinção entre ambas é antiga: a tutela jurisdicional antecipada satisfaz a parte a quem seu deferimento beneficia, antecipando os efeitos de uma (provável) tutela final, enquanto a jurisdição cautelar garante que, ao cabo do processo, a resposta judicial ainda se afigure útil e viável, não se confundindo consigo. Cada uma delas pode, por sua vez, ser requerida em caráter incidental (no bojo de um processo principal — aí incluído o pedido na petição inicial) ou antecedente (pretérito à relação processual de cognição exauriente, de forma destacada). Quanto à cautelar, não há qualquer novidade: o CPC/1973 previa a dicotomia. No caso da tutela antecipada, porém, o pleito divorciado da petição inicial se revela inédito em nosso ordenamento, embora preexistente no Direito estrangeiro[1]. A inserção, como é natural, vem gerando inquietação doutrinária e prática, fazendo pulular dúvidas. Principiemos nossa reflexão pela dinâmica de funcionamento da técnica. Basicamente, o legislador autoriza um pedido exclusivo de concessão de tutela antecipada. O requerente provoca a jurisdição voltado apenas à tutela antecipada — por isso há doutrina que prefere evitar as denominações “autor” e “petição inicial”[2]. Passo seguinte é a análise pelo magistrado, que poderá (i) determinar a emenda do requerimento, por vício formal[3], (ii) deferir ou (iii) indeferir a tutela. Caso entenda ausentes o requisitos do artigo 300 (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco à utilidade do processo), o julgador considerará improcedente o pedido, oportunizando, apenas, que o requerente emende (adite) a petição, em cinco dias, completando-a, nos moldes do artigo 319. Na hipótese de inércia, o processo será extinto sem resolução do mérito, evidentemente. Por outro lado, e esta é a hipótese mais interessante, se preenchidos os fatores autorizadores da antecipação de tutela, o juiz a concederá. A partir daí, instaura-se uma autêntica análise combinatória. Isso porque tanto o autor como o réu terão duas saídas. O beneficiado pela concessão optará por se satisfazer com a decisão, quedando-se inerte, ou por aditar a petição, inclusive adicionando argumentos, provas e delineando, em definitivo, o pedido final (acrescentando a pretensão de compensação por danos morais, por exemplo). Por sua vez, o réu, citado e intimado acerca da decisão antecipatória e para comparecer, sendo hipótese, à audiência de conciliação ou de mediação, elegerá entre a postura inerte, ponderando a (in)conveniência no prosseguimento do custoso processo judicial, e a insurgência contra o pronunciamento do magistrado — pela lei, o recurso de agravo de instrumento. Os cenários resultantes são os seguintes:
A estabilidade da referida tutela[5] é questão bastante intrigante. Na prática, o diploma processual garante que continuará a produzir efeitos, apenas sendo impugnável nos dois anos a seguir do deferimento, por uma ação autônoma para reforma, modificação ou invalidação da decisão interlocutória. Curioso é que o dispositivo afirma que qualquer das partes poderia mover tal ação, sendo de se questionar se o autor, satisfeito na pretensão, efetivamente teria interesse processual para tanto. Buscando responder afirmativamente, parte da doutrina entende que essa ação serviria também para confirmar a tutela, isto é, para atribuí-la cognição exauriente, formando coisa julgada material[6]. Essa saída só se justifica porque, ao menos de acordo com a maioria dos autores e com a própria lei, a decisão que se estabiliza não faz coisa julgada[7]. Embora, em termos de eficácia, os dois institutos não se diferenciem, a coisa julgada pressupõe cognição exauriente. Também se aponta, como uma segunda distinção, o efeito positivo desta, a vincular outros juízos sobre a questão, o que inexistiria na estabilidade criada pelo legislador[8]. A esse respeito, cabe um parêntesis. A maior discussão sobre o instituto consiste, precisamente, na extensão da manifestação de desaprovação do réu. Em outras palavras: apenas o recurso será capaz de impedir a estabilização ou outras manifestações extrínsecas de discordância podem bastar? Na doutrina, se encontram decisões para todos os lados. Um primeiro grupo[9] prefere a interpretação literal, exigindo a interposição do agravo. Outra linha, repleta de adeptos, advoga a abertura do termo “recurso”. Nesse grupo, há quem entenda que a contestação[10] apresentada pelo réu ou a mera manifestação pela audiência de conciliação e mediação[11] bastariam para afastar o efeito estabilizador, enquanto outros[12] extraem do comando que meios impugnativos em geral atenderiam à exigência do artigo 304, como o pedido de suspensão de liminar, a reclamação, o mandado de segurança ou o pedido de reconsideração da decisão[13]. O Superior Tribunal de Justiça, na oportunidade que já teve de se manifestar a respeito, concluiu pelo afastamento da estabilização quando, sem interpor o agravo, o requerido contestou a pretensão, questionando, inclusive, o deferimento da tutela antecipada[14]. Como o tema ainda será muito debatido nos tribunais, estando mesmo longe de estar pacificado na própria corte da cidadania, a prudência recomenda que se recorra da decisão concessiva. Esse cenário prático justifica um uso estratégico da técnica de requerimento antecipado, para além da motivação mais corriqueira, normalmente atrelada à falta de tempo para elaborar uma petição inicial completa, mas suficiente para desenhar um requerimento exclusivo de tutela satisfativa provisória. Basta imaginar os casos de plantão judiciário, notadamente o noturno, nos quais o pedido dirigido ao Estado-juiz goza de tão clamorosa urgência que sequer poderia esperar o início do expediente forense para ser formulado. A questão é, como regra, de vida ou morte, não sendo viável ou recomendável, pelas circunstâncias extrajurídicas, que se aguarde a busca de toda a documentação específica. Veja-se, por exemplo, o litígio entre segurado de plano de saúde que, ilegalmente, deixa de autorizar cirurgia delicadíssima ou internação em um centro de tratamento intensivo. Soa razoável exigir o contrato celebrado pelo consumidor, tantas vezes por adesão? Por óbvio que não. O jogo processual, contudo, viabiliza uma segunda justificativa para o requerimento antecedente, calcada na estratégia processual. É o caso de pedido autoral que não inspire confiança suficiente para o deferimento de tutela final, mas que baste para um juízo de probabilidade positivo. Por vezes, mesmo o direito é discutível, podendo se afigurar desfavorável ao requerente — o risco de dano, no entanto, é que se mostra maior, justificando a concessão liminar. O mesmo exemplo, do litígio entre o plano de saúde e o segurado, é capaz de possuir nuances mais complexas, como o fato de se tratar ou não de doença pré-existente. Outros pedidos vão na mesma linha, como o de restabelecimento do serviço de iluminação em razão de existir pessoa acamada que necessite de cuidados como remédios que devem permanecer refrigerados, havendo discussão quanto ao pagamento de faturas pretéritas. Adentra-se, nesses hard cases, no campo da ponderação. Fato é que, em se convencendo o juiz que o mal menor é a antecipação de tutela, mesmo sem a fundamentação em patamar desejado, e em se quedando inerte o réu, a tutela se tornará estável. O Direito, é bom lembrar, não socorre aos que dormem. Nem aos que deixam de recorrer (ou contestar). [1] Costuma-se mencionar o référé francês como
inspiração, embora existam naturais distinções. A respeito, ver o texto de Pedro Valim em <https://jus.com.br/artigos/60593/refere-frances-e-o-instituto-da-estabilizacao-da-tutela-antecipada>. José Roberto Mello Porto é defensor público do Rio de Janeiro, doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Qual a diferença de tutela antecipada antecedente e tutela cautelar antecedente?A tutela cautelar tem como finalidade conservar, assegurar o direito, prevenindo dano ou garantindo o resultado útil do processo. A tutela antecipada, por sua vez, tem como objetivo realizar o direito, antecipando parcial ou totalmente o próprio pedido principal ou seus efeitos.
Qual a diferença entre tutela antecipada e tutela cautelar?Enquanto a tutela de urgência antecipada busca acelerar os efeitos da sentença final, propiciando ao autor da ação os seus direitos antes do fim do processo, a tutela cautelar visa assegurar um direito da parte, possibilitando que a mesma possa procurar o direito que busca ao fim do processo.
O que é uma tutela cautelar antecedente?A tutela antecedente é um tipo de tutela provisória requerida antes do processo principal, que será aditado posteriormente para inclusão do pedido principal.
Quando cabe tutela cautelar antecedente?A tutela cautelar pode ser concedida liminarmente, ou seja, antes da citação do réu, dependendo das provas que instruíram a petição inicial, bem como do perigo de que o réu, uma vez citado, possa comprometer a eficácia da providência acautelatória.
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