Quem tem câncer pode fazer esforço?

“Antes, os médicos recomendavam repouso. Hoje em dia, a gente já sabe que o esporte traz benefícios para os pacientes”. A declaração da cardiologista e médica do esporte Renata Castro ao site Boa Forma atesta uma nova fase da oncologia, em que a prática de atividade física é uma aliada não só na prevenção do câncer, mas também durante o tratamento e até mesmo após a alta, para evitar recidiva.
Pesquisas apontam que o hábito contribui para prevenir 13 tipos de câncer, entre eles o de mama, o que mais mata mulheres no Brasil. Em 2018, um estudo internacional, com participação da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que 10 mil novos casos de câncer poderiam ser evitados no país, por ano, se pacientes tivessem se exercitado anteriormente.
De acordo com o mastologista Marcelo Bello, diretor do Hospital do Câncer III (HC III) – unidade do Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Rio de Janeiro, dedicada ao câncer de mama –, cerca de 30% das mortes pela neoplasia poderiam ser evitadas se as pacientes praticassem atividade física, mesmo depois de diagnosticadas.

“Em linhas gerais, a gente sabe que, para outros tipos de câncer, o risco de óbito [com a prática de exercícios] reduz em até 45%”, acrescenta o médico, em entrevista ao Jornal da Band.

No caso do câncer de mama, a atividade física também ajuda a evitar recidiva. Os exercícios reduzem hormônios que sobrecarregam as glândulas mamárias e favorecem o aparecimento da doença, como o estradiol. Da mesma forma, diminuem os efeitos colaterais do tratamento, a exemplo do inchaço provocado pela obstrução do sistema linfático.

Crescimento tumoral atenuado

Um novo estudo, comandado pelo professor Fabricio Voltarelli, da Faculdade de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), corrobora os números citados anteriormente. Os resultados da pesquisa – publicada em artigo no periódico Medicine & Science in Sports & Exercise – mostram que a prática de exercício pode inibir o crescimento do tumor e diminuir a perda de massa muscular.
Na investigação, ratos foram inoculados com tumores e, posteriormente, submetidos a uma atividade física programada: subir um aparelho de escada com cargas amarradas às caudas. Nesse grupo, a maior vascularização provocada pelo exercício contribuiria para um eventual tratamento oncológico.

“Caso fôssemos tratar os animais com algum fármaco, a ‘entrega’ seria facilitada, ou seja, os medicamentos chegariam em maior concentração e maior chance de matar as células tumorais”, aponta o docente, em depoimento publicado no UOL.

Nos animais que fizeram a atividade, foi observado, ainda, que os tumores tiveram seu crescimento atenuado. Esse resultado também foi atribuído aos efeitos benéficos do exercício, como indução de apoptose no tecido tumoral, maior infiltração de células imunes e aumento da espessura da capsula tumoral, entre outros.
“Se estivéssemos falando de seres humanos, a redução na taxa de crescimento tumoral facilitaria intervenções do tipo cirurgia, quimioterapia e radioterapia”, avalia Voltarelli.
Outro ponto importante da pesquisa destacado pelo pesquisador é a menor perda de massa muscular dos ratos ativos, em comparação aos sedentários.

“Atualmente, essa questão [menor ou maior quantidade de massa muscular] tem sido intimamente relacionada com a sobrevida. Humanos que apresentam sarcopenia antes de uma cirurgia, por exemplo, tendem a ficar mais tempo internados do que aqueles que apresentam massa magra preservada”, observa.

Para Voltarelli, os benefícios da atividade física para o paciente oncológico “transcendem aspectos bioquímicos, moleculares e farmacológicos”, já que a prática de exercícios também impacta positivamente o sistema nervoso central, aumentando os níveis da proteína BDNF, que exerce ações neuroprotetoras contra doenças degenerativas. Vários estudos apontam, ainda, uma possível associação entre baixos índices de BDNF e neuropatologias como depressão, esquizofrenia e esclerose múltipla.

Projetos em câncer de mama

A relação positiva entre atividade física e oncologia não fica só no campo da pesquisa. No Inca, dois projetos em andamento investigam os efeitos da prática de exercícios na prevenção de reações adversas do tratamento e na melhora da qualidade de vida de mulheres com câncer de mama.
De acordo com a instituição, “estudos internacionais têm mostrado uma redução importante no risco de óbito entre as mulheres fisicamente ativas, pois elas têm maior aderência e melhor resposta ao tratamento, redução dos efeitos colaterais, retorno mais rápido às suas rotinas diárias (trabalho, lazer, social etc.) e melhor qualidade de vida”.
Um dos projetos aborda o Pilates na redução dos efeitos colaterais da radioterapia adjuvante, feita após cirurgia, para evitar recidiva. Até o momento, foram incluídas 150 mulheres, divididas em dois grupos: um pratica Pilates duas vezes por semana, no HC III, durante a radioterapia, e o outro faz exercícios em casa, diariamente, sob orientação da equipe do hospital.
De acordo com o Inca, os pesquisadores vão comparar as reações adversas do tratamento entre os grupos, como fadiga e sintomas depressivos. Também será avaliada a funcionalidade dos membros superiores das pacientes, além da qualidade de vida.

“Nossa hipótese é que o grupo com Pilates irá apresentar redução dos efeitos colaterais e melhora da qualidade de vida. Também iremos avaliar se o grupo Pilates alterou seus hábitos de vida, tornando-se mais ativo após um ano”, explica o Instituto, em texto de divulgação.

Embora o período de inclusão de pacientes ainda esteja em andamento e não existam resultados parciais, os primeiros indícios já apontam melhoria da qualidade de vida das mulheres do grupo Pilates.
“A gente percebe que as pacientes relatam a melhora de vários sintomas, como dor no braço e sensação de cansaço”, conta a fisioterapeuta Kelly Fireman, em entrevista ao Jornal da Band.
A percepção dos especialistas é confirmada pelo depoimento da auxiliar administrativa Claudia Silva, uma das pacientes do grupo:

“Quando eu comecei a aliar o tratamento da radioterapia com o Pilates, criei mais resistência física, que antes não tinha. Eu era uma planta, essa é a verdade!”

Atividade física e qualidade de vida

O outro projeto é um estudo observacional para verificar a influência do exercício na qualidade de vida, nas complicações do tratamento e no prognóstico de mulheres com câncer de mama matriculadas no HC III. As 1.078 pacientes incluídas na pesquisa serão acompanhadas por cinco anos, antes, durante e depois do tratamento, que pode envolver quimioterapia, radioterapia ou cirurgia.
Antes das terapias, as mulheres são avaliadas quanto ao nível de atividade física, aos sintomas e à funcionalidade, por meio de testes específicos. O processo é repetido durante e após o tratamento, com os mesmos instrumentos.

“Nosso objetivo é avaliar a alteração do nível de atividade física durante as diferentes fases do tratamento oncológico e se esses níveis interferem na resposta ao tratamento e nos seus efeitos colaterais”, explica a instituição.

Os resultados preliminares das mulheres que fizeram quimioterapia neoadjuvante (antes da cirurgia) mostram redução dos níveis de atividade física após o procedimento. Segundo o Inca, essa queda foi associada à piora da qualidade de vida.
O Inca ainda tem um terceiro projeto, que já foi aprovado por seu comitê de ética e está em busca de patrocínio. Trata-se da construção de um ginásio no HC III, onde os pesquisadores pretendem submeter um grupo de mulheres em tratamento quimioterápico contra o câncer de mama a exercícios aeróbicos e de fortalecimento, duas vezes por semana, durante 12 semanas. Elas serão comparadas a um grupo que seguirá orientações domiciliares.
O objetivo é comparar os efeitos colaterais da quimioterapia entre os grupos, assim como as alterações nos hábitos de vida após os exercícios e a redução da mortalidade. Assim como no estudo observacional, as mulheres serão acompanhadas por cinco anos.

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