De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de poemas de Camilo Pessanha.

Leitura orientada de Clepsidra e outros poemas de Camilo Pessanha

Camilo de Almeida Pessanha nasceu em Coimbra, filho ilegítimo de um estudante de Direito, de ascendência aristocrática, e de uma mulher de condição social muito inferior. O estigma da ilegitimidade no nascimento e da mãe-pecadora parece já ter antecedente nos antepassados e pesar como um fardo para toda a vida do poeta. Com efeito, o avô, Francisco António Pessanha, juiz de prestígio, fora registado como filho de pais incógnitos, só tendo sido perfilhado aos 25 anos; Francisco António Pessanha, aluno do 3º ano de Direito da Universidade de Coimbra, enamorou-se de uma rapariga do povo, Maria de Espírito Santo Duarte Pereira; desses amores, nasceu o poeta. Francisco António nunca casaria com essa mulher, natural de Tábua, e dela viria a ter ainda mais quatro filhos, irmãos de Camilo Pessanha - Madalena, que morreria aos 5 anos, Francisco, Madalena da Purificação e Manuel Luís. É curioso tentar compreender a razão dos nomes dados às meninas, a que não será alheia uma ligação à figura bíblica da Madalena, pecadora e arrependida. O que parece certo é que a situação da mãe, companheira, criada, governanta e amante, pesará na consciência do nosso poeta que arcará para sempre com o fardo de uma culpa que não conseguirá redimir, mesmo que dedique a sua mãe sonetos admiráveis e mesmo que respeite o pai. Esta situação de sofrimento, confessa-a numa carta de 1908 ao seu amigo Alfredo Osório de Castro ao caracterizar a sua casa familiar como "o poço de miséria e de dor que segue a casa de meu pai". O próprio Camilo de Pessanha, depois da frustrada tentativa de casamento com Ana de Castro Osório, seguiu os exemplos do avô e do pai quando, em Macau, resvalou para a vida fácil primeiro com uma governanta ‑ amante chinesa, de quem teve o primeiro filho, João Manuel, depois com a filha da anterior, N'ganyeng e, enfim, com uma terceira concubina, ainda chinesa, Same - Khum.

É conhecida a sua atração pelas mulheres quando, estudante de Direito em Coimbra, se apaixona por uma rapariga da sociedade coimbrã, Madalena Canavarro, que não lhe corresponde, e depois, em Lamego, por Maria do Céu Girão, que prefere o seu irmão Francisco. Desgostoso, enveredou por uma vida de boémio.

Acabou o curso de Direito em 1891, com 24 anos. Depois de ocupar o cargo de subdelegado do procurador régio em Mirandela (1892), de advogar em Óbidos (1893), parte em 1894 para Macau, onde irá desempenhar as funções do cargo de professor de liceu. Permanecem algo desconhecidas as razões da saída do País, mas aventa-se como hipótese plausível mais um desgosto amoroso. Em Óbidos, convive com o seu grande amigo Alberto Osório de Castro e ter-se-á apaixonado por sua irmã Ana de Castro Osório, que não lhe corresponde. O poema Canção da Partida evocará essa situação.

Em Macau, permanecerá de 1894 a 1926, ano da sua morte, tendo vindo à metrópole quatro vezes. Foram vinte e seis anos de degredo, pois nunca se adaptou ao ambiente de Macau, nunca esqueceu a sua terra natal nem o grande amor da sua vida: Ana de Castro Osório. Leciona várias disciplinas, ocupa o lugar de conservador do Registo Predial de Macau, é nomeado juiz.

As suas poesias começam a ser conhecidas e, em 1920, tem uma grande alegria: a publicação de Clepsidra, nas Edições Lusitânia, de que Ana de Castro Osório era proprietária. Clepsidra provocou a admiração e o elogio da imprensa, tendo António Ferro escrito que "a nossa geração tem um missal. Saiu o livro de Camilo Pessanha. A alma de todos nós, desnorteada, tem, enfim, um relógio". O próprio Fernando Pessoaconsidera-o o seu mestre.

Doente, desiludido do amor e da vida, lúcido até ao fim, veio a falecer a 1 de março de 1926.

Aula Viva. Português A. 12º Ano, J. Guerra e J. Vieira.Porto Editora, 1999, p. 294

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Três Mestres

Houve em Portugal, no século XIX, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles, por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. […]

Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objetiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto. […]

A cada um de só três poetas, no Portugal dos séculos XIX e XX, se pode aplicar o nome “mestres”. São eles Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. Concedo que se lhes anteponham outros quantos ao mérito geral; não concedo que algum outro se possa antepor a qualquer deles nesse abrir de um novo caminho, nessa revelação de um novo sentir, que em matéria literária propriamente constitui a mestria. É mestre quem tem de ensinar; só eles, na poesia portuguesa desse tempo, tiveram que ensinar.

O primeiro ensinou a pensar em ritmo; descobriu-nos a verdade de que o ser imbecil não é indispensável a um poeta. O segundo ensinou a observar em verso; descobriu-nos a verdade de que ser cego, ainda que Homero em lenda o fosse e Milton em verdade se tornasse, não é qualidade necessária a quem faz poemas. O terceiro ensinou a sentir veladamente; descobriu-nos a verdade de que ser poeta não é mister trazer o coração nas mãos, senão que basta trazer nelas a sombra dele.

Estas palavras que são nada bastam para apresentar a obra do meu mestre Camilo Pessanha. O mais, que é tudo, é Camilo Pessanha.

Obras de Fernando Pessoa, III, Lello e Irmão Editores

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Logo da primeira vez que nos vimos, fez-me V. Ex.ª a honra, e deu-me o prazer, de me recitar alguns poemas seus. Guardo dessa hora espiritualizada uma religiosa recordação. Obtive, depois, pelo Carlos Amaro, cópias de alguns desses poemas. Hoje, sei-os de cor, aqueles cujas cópias tenho, e eles são para mim fonte contínua de exaltação estética.

Fernando Pessoa (1915), excerto de uma carta a Camilo Pessanha, in Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária. Disponível em http://arquivopessoa.net/textos/1146

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Camilo Pessanha, João Abel Manta (1975)

Camilo Pessanha (1867-1926) viveu grande parte da sua vida em Macau, levando aí uma existência discreta, “marcada pela abulia e pela doença, pelo vício do ópio e pelo amor à arte”96. Na metrópole, onde intercala curtas temporadas, os seus poemas circulavam de mão em mão entre os da geração do Orpheu, que consideravam o poeta “uma espécie de figura mítica, aureolada de uma glória de poeta maldito, misterioso, uma espécie de Rimbaud, de quem se sabia que fumava ópio e que se encontrava tocado pelas asas do génio” 97. Constantemente rodeado por amigos e admiradores, é frequentador assíduo, nas suas estadias em Lisboa, dos cafés e da boémia noturna, não se cansando de dissertar sobre Macau e o Oriente ou de recitar a sua poesia, que tinha por hábito memorizar, negligenciando a fixação por escrito. O seu reduzido conjunto de poemas acaba por ser publicado a instâncias de amigos, no volume que intitula Clepsidra, metáfora da transitoriedade temporal inscrita no correr da água98, e que consubstancia o que de mais representativo se fez no contexto do Decadentismo e do Simbolismo na literatura portuguesa.

As canções de Filipe de Sousa, José Brandão. Universidade de Aveiro, 2007.

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(96) Isabel Pascoal, in Introdução a Clepsidra, (2ª ed.), Braga, Editora Ulisseia, Biblioteca de autores portugueses, 1996, p.11

(97) António Quadros e Maria José de Lancastre, citados por Christine Pâris-Montech in L’Imaginaire de Camilo Pessanha..., Centre Culturel Calouste Gulbenkian, Paris, 1997, p. 80. Nossa tradução.

(98) Isabel de Pascoal menciona a existência de uma “consciência aguda e dilacerada do tempo e da sua transitoriedade”, contidos no símbolo “água”. In: PESSANHA, Camilo, Clepsidra, Isabel Pascoal (Introd.), Biblioteca Ulisseia de autores portugueses, Braga, Ulisseia, 1996, p.24.

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«[...] Camilo Pessanha deixara-se dominar completamente pelo vício que os chineses dizem ser dos “virtuosos”. Estivesse onde estivesse, mesmo no tribunal, como Juiz ou advogado, Camilo Pessanha, chegada a hora de fumar o ópio, abalava alucinado, para satisfazer o invencível desejo que o torturava.

Magro, esquálido, a barba hirsuta, o cabelo colado à testa, seminu sobre o leito, aspirando voluptuosamente o longo cachimbo sobre a chama amarelada da lâmpada de cristal, que lhe projetava a sombra desfigurada nas paredes obscurecidas, tendo no semblante a expressão hipnótica dos opiómanos, Camilo Pessanha parecia ter surgido das espirais de fumo do milenário incensador de bronze onde queimava sândalo aos Budas, demónios, guerreiros e filósofos que lhe assombravam o quarto.

Os olhos fulgurantes, dilatados, denunciavam a vida intensa do seu espírito ávido de beleza que, nesses momentos, desprendido da matéria inerte, planava livremente no Mundo irreal que só ele conhecia. [...]»

Danilo Barreiros, O testamento de Camilo Pessanha. Lisboa, edição de autor, 1961

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A imagem de Pessanha, o poeta alucinado e andrajoso, vagueando pelos antros de ópio, é também uma imagem herdada do Estado Novo e que só tem alguma remota correspondência com a realidade nos anos derradeiros da sua vida mas é verdade que era visto como uma figura exótica na tradicionalista comunidade de Macau, onde toda a gente se conhecia. Não ia à igreja e tinha um filho de uma concubina chinesa, o que não contribuiria para facilitar a integração, que, aliás, também não parece ter desejado. Morreu em 1926, adormentado pelo ópio e decerto indiferente à eventual posteridade dos seus versos. Mas estes iriam ecoar em sucessivas gerações de poetas portugueses, marcando os autores de Orpheu e da Presença e, depois, poetas como Eugénio de Andrade, seu assumido herdeiro, ou, para referirmos um nome revelado já no século XXI, Manuel de Freitas, cuja poesia está cheia de alusões a Pessanha.

Luís Miguel Queirós, Público, 29-09-2009.

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Camilo Pessanha nasceu em 7 de setembro de 1867 em Coimbra, filho ilegítimo do então estudante de Direito dr. Francisco António Pessanha, que viria a ser juiz do Supremo Tribunal Administrativo, e da serviçal Maria do Espírito Santo Nunes Pereira.

Primeira infância nos Açores, depois em Mogadouro, Lamego, Vila Nova de Foz Coa, Vila Pouca de Aguiar. Perfilhado aos quinze anos. Aluno do 4.º ano jurídico, escreve e publica os seus primeiros versos, sob a influência de Cesário Verde. É deslumbrado pelo simbolismo órfico de Verlaine. Colabora, ao lado de Eugénio de Castro, no terceiro número da revista «Intermezzo», dirigida por Eduardo d'Artayett, e aparece assiduamente em «O Novo Tempo», a convite de seu primo Alberto Osório de Castro, já nessa época, e pela vida fora, o seu maior amigo.

Formatura em 1891. Subdelegado do procurador régio em Mirandela. Nomeado em 1893 professor do liceu de Macau, onde será colega de Wenceslau de Morais, seu companheiro dileto e mentor espiritual no orientalismo. [...]

Em 1899 habilita-se, em Macau, ao cargo de conservador do registo predial, no qual é provido, embora não abandone completamente o ensino. Toma posse da vara de juiz em 1904. Funcionário irregular, fantasista em questão de horários, mas escrupulosamente honesto.

Urbano Tavares Rodrigues, Ensaios de Escreviver, Coimbra, Centelha, 1970, 1978, 2001

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Durante a última estada na pátria, Pessanha passou o inverno em Lisboa, onde o pai fora nomeado juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Frequentou assim os cafés da capital, os círculos literários e os amigos. Entre eles, Carlos Amaro, que será o depositário de vários autógrafos do poeta, e a família da escritora Ana de Castro Osório. Foi o filho da escritora Ana de Castro Osório, João, então com dezassete anos, que com o entusiasmo e a dedicação típicas de um jovem conseguiu persuadir Pessanha a recolher as suas poesias (algumas inéditas, outras dispersas em revistas já velhas ou de escassa difusão) numa publicação finalmente organizada.

Em parte ditadas, em parte transcritas pelo próprio Pessanha, estas poesias confluíram na primeira edição de Clepsidra. De Macau, aonde regressara - e para sempre - o poeta expressou o seu reconhecimento tanto ao jovem João como à mãe, à qual se devia concretamente a publicação da obra. No entanto não cuidou, como tinha prometido, de completar a Clepsidra com outros textos que não sabia de cor, mas de que possuía o original ou cópia em Macau. A lista das poesias que faltavam, compilada em Lisboa pouco antes da partida do vapor, ficou como letra morta. Só a aberta admiração e a amável insistência de João de Castro Osório o tinham obrigado por um momento à reevocação e a um fatigante esforço de memória. Uma vez com terras e mares entre si e Lisboa, o próprio projeto da publicação e o seu breve parêntesis de notoriedade deviam parecer-lhe irreais. Havia algum tempo já que tinha iniciado, de resto, o seu afastamento do mundo, vivendo a antecipação da sua própria morte.

E a morte atingiu-o em Macau, no dia 1 de março de 1926. Com apenas cinquenta e nove anos, Pessanha foi destroçado pela tuberculose pulmonar. Ateu e filiado na Maçonaria, quis exéquias civis, com o féretro envolto na bandeira portuguesa e colocado sobre uma carreta de canhão.

O simbolismo na obra de Camilo Pessanha, Barbara Spaggiari. Lisboa, ICALP, 1982. Coleção Biblioteca Breve - Volume 66.

Camilo Pessanha - um poeta ao longe.

Documentário realizado por Francisco Manso para a RTP (2007), onde se segue o roteiro da vida do poeta com os sítios, as pessoas, os interesses profissionais, literários e artísticos.

Diferindo essencialmente dos demais poetas do tempo, Camilo Pessanha enquadra-se de modo nítido, justo, na estética simbolista. Nele o Simbolismo se realiza em todas as suas características fundamentais. A obra poética de Camilo Pessanha se autentifica, em princípio, pelo alto sentido abstrato, vago, difuso, próprio de quem, por ser simbolista nato e possuir um temperamento ultrassensível, se sente inadaptado à existência, que só lhe causa desengano e dor. O poeta, contudo, deseja fugir, aplacar a dor que a pouco e pouco se transmuta em Dor, mas sabe que a Dor é, paradoxalmente, tudo quanto possui, pois, "sem ela o coração é quase nada", como confessa, no primeiro soneto de "Caminho", a ponto de sentir saudades desta dor que em vão procura "do peito afugentar bem rudemente". Cria-se uma ambivalência de sentimentos que constitui o cerne de sua poesia. Quando tal ambivalência se alarga, deparamo-nos com um poeta ansioso por "Deslizar sem ruído, / No chão sumir-se, como faz um verme", isto é, regressar a um estado de inércia que, prolongado, significa restabelecer condições de bem-estar peculiares a um estágio anterior ao nascimento, num limbo ou numa espécie de não-vida. Qualquer coisa como saudade de haver pertencido a um diverso tipo de realidade, descarnado de sua condição humana e reduzido então a um desejo vago, ou ser informe antes de vir ao mundo. Ou, ainda, desejo búdico dum nirvana para aplacar um doloroso sentimento schopenhaueriano da existência.

Por outro lado, a ânsia do inquietante certeza de continuar amanhã, do futuro, traz-lhe a preso à perturbadora presença da Dor. Nasce daí a abulia, a doença da vontade, que resulta de tudo já existir no poeta como íntima e arraigada emoção que não se exterioriza, ou se exterioriza, como desalento perante qualquer gesto concreto, prático, ao aderir à realidade que só angústia e estranheza lhe causa. Em consequência, brota um denso pessimismo sem melancolia, subtil, despido de angústia ou de estertores, fruto de profundo sentimento de decadência, de diluição. Esboroa-se o mundo em derredor, porque o "eu" do poeta se vai desmanchando aos poucos, à medida que os dias passam e,aumenta a sensação de inócuo e de inutilidade cósmica. A própria vida é inútil. O poeta, dotado de agudíssima sensibilidade, que se conhece e se autoanalisa, só encontra motivo de ser naquilo de que foge tanto: a Dor, causa e efeito, princípio e fim.

É, por isso, o poeta da Dor refinadamente subtilizada e diafanizada, a ponto de se tornar ídolo: "Porque a dor, esta falta d`harmonia (...) Sem ela o coração é quase nada".

O processo, desenvolvido até o limite, arrasta-o a uma espécie de delírio próximo da loucura, provocando-lhe a íntima suspeita de que tudo é caos e alogicidade.

Estranheza total que o convida a introjetar-se mais, perder-se e refugiar-se num monólogo que sabe anódino ou oriundo da incrível Dor de existir sem remédio, sem causa, sem justificativa.

Trazendo para a Literatura Portuguesa tal subtileza, requintadamente artística mas vivêncialmente humana, Camilo Pessanha refletia com nitidez aquele clima de degenerescência geral na Europa, de que o Simbolismo e o Decadentismo eram as mais evidentes expressões literárias. Ao mesmo tempo, sua poesia encontra motivos em seu caso pessoal, o que faz acreditar ter o "exílio" (os vários anos do Oriente) exercido enorme influência em seu espírito, tanto mais próximo da atmosfera simbolista do tempo quanto mais afastado e mais só se encontrava o poeta. Dir-se-ia que Camilo Pessanha seria um poeta simbolista mesmo sem o Simbolismo, tal a purificação que alcançou operar numa poesia, como a Portuguesa, tirada ao declamatório e ao sentimentalismo piegas, quando não ao formalismo vazio de tantos neoclássicos. Entenda-se, porém, que se trata dum poeta medularmente português: doutra forma não compreenderemos o núcleo sentimentalmente filial da sua poesia, próprio de um hipersensível ansioso de aconchego materno, mas que o recusa por sentir-lhe a força e o império, e porque deseja cultivar a Dor, com prazer masoquista. Se colocarmos de um lado a Pátria, a Mãe, a infância e o perene sentimento de saudade, e de outro, o culto da Dor, teremos estabelecido a equação tipicamente Portuguesa do dilacerante drama de Camilo Pessanha. Já no poema "Inscrição", que serve de pórtico ao volume, se patenteia a insuperável dependência do poeta para com tudo quanto lhe informara o espírito e a sensibilidade: "Eu vi a luz em um país perdido." Se entendermos por "país perdido" mais do que Portugal, isto é, a infância conjugada a um sentimento de pátria, não à coisa pátria, e despido o adjetivo "perdido" de qualquer ideia polémica, - patenteia-se às claras o fulcro dramático da poesia de Camilo Pessanha.

Doutro lado, seus recursos de linguagem, traduzindo o desmoronamento do "eu" e do Cosmos, liquefazem-se, simplificam-se, despem-se da lógica tradicional e revestem uma sintaxe psicológica, interior, musical, de quem elabora o poema por automatismo, à procura das expressões capazes de sugerir tudo quanto lhe vai na alma. A palavra, nele, torna-se transparente, reduzida aos sons e aderida à própria sensação, o que impede o julgamento preciso e direto de seu conteúdo. Tudo isso, mais o à-vontade, acompanhado de surpreendentes alianças gramaticais em apoio do enquadramento de intuições nascidas em planos diferentes (presente, passado, futuro; a cor, a música, o olfato, etc.), formando sinestesias contínuas e subtis, fazem dele um dos Maiores poetas da Literatura Portuguesa, e permitem ver em sua poesia alguns dos caminhos perseguidos por um Ferrando Pessoa ou um Mário de Sá-Carneiro. Servem como exemplo relativo a este último os versos já referidos em que Camilo Pessanha fala de seguir "a medo na aresta do futuro"; quanto a Fernando Pessoa, que lhe reconheceu o influxo sobre sua personalidade, e conhecia-lhe versos de cor, leia-se o seguinte: “Porque o melhor, enfim / É não ouvir nem ver... / Passarem sobre mim / E nada me doer!”; “Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.”; “Adormecei. Não suspireis. Não respireis.”

Pelo que aí vai, compreende-se perfeitamente que o justo e merecido prestígio de Camilo Pessanha tenha aumentado de uns anos para cá, no conceito da crítica e dos leitores: em oposição a António Nobre, é um poeta cuja profundidade só se oferece lentamente ao leitor, exigindo-lhe paciência de espeleólogo. Doutra forma, perde-se tudo quanto ele pode revelar, ao contrário de António Nobre, que logo nos contagia com a transbordante carga emocional de sua poesia, mas, por isso mesmo, cujo fascínio logo desaparece. A dificuldade que Camilo Pessanha põe ao acesso em sua intimidade significa a doacção duma poesia autêntica e original, que perdura longamente no espírito do leitor. Assim e o grande poeta, assim é Camilo Pessanha.

Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa, São paulo, Editora Cultrix, 1985 (21.ª ed.)

CAMILO PESSANHA: A MISSÃO DO POETA

O poeta tem como único objetivo o de «realizar por meio da verdade, a beleza». Este conceito da verdade, a que Pessanha alude aqui de forma breve, constitui um elemento fundamental da sua poética. A poesia, se por um lado é para ser considerada como uma arte subjetiva (a par da música, como vimos), por outro deve ser objetiva «pelos temas - que lhe servem de motivo - lendas, aspetos, episódios; porém através do aspeto (e ao mesmo tempo que o esteta o apreende e investiga a quantidade de beleza que poderá produzir, afeiçoando-a a determinada forma literária) o consciencioso observador científico, de que o esteta se duplica, interpreta o fenómeno e perscruta o fundo de que o mesmo aspeto é a superfície: a natureza íntima das coisas, as relações e a fatalidade dos seus destinos. Mais do, que isso: no fenómeno de cada uma das aparências que interpreta, não se esquece de discriminar a participação da sua própria alma, o espelho em que se revelam».

A inspiração poética tem de orientar-se para a realidade, fugindo aos lugares-comuns da convenção literária. Colocado ante o real, o poeta, com a sua sensibilidade, colhe dele alguns aspetos, valorizando-os sob dois pontos de vista complementares: como esteta, intui a «quantidade de beleza» que eles estão em condições de produzir, e individualiza os meios técnicos estilísticos mais adequados para os representar; como «consciencioso observador científico», analisa os aspetos fenoménicos da realidade e sonda as relações íntimas implícitas nas coisas, tendo sempre a consciência da intervenção racional e emotiva do eu na perceção do mundo. A alma do poeta é como o espelho em que se reflete a aparência superficial das coisas; a tarefa da poesia é evocar a realidade, não só reproduzindo-lhe a beleza exterior mas também captando a trama densa de relações que liga cada parte do universo ao todo.

Uma tal premissa teórica, expressa por Pessanha em termos inequívocos, implica uma série de consequências já previstas e codificadas no âmbito do movimento simbolista francês: o mundo existe só como representação; a poesia nasce da síntese entre inspiração e técnica; a missão do poeta é decifrar o mistério do universo. [...]

[Resumindo] as linhas de força da sua poética - latamente simbolista, mas formulada com originalidade -, poderíamos condensá-las em poucas proposições fundamentais: a identificação (já verlainiana) entre poesia e música; a euritmia e a valorização fono-simbólica do texto poético (em que o som alude, com o seu poder evocativo, a uma realidade externa não cognoscível racionalmente), a interseção entre o plano da objetividade e o da subjetividade na formação da mensagem poética; o poder de dissociação do intelecto humano, que, através da sondagem da realidade, atinge a ideia da morte e do nada; e, por fim, a possibilidade de, por meio da poesia, lançar um olhar sobre o abismo e o ignoto.

O simbolismo na obra de Camilo Pessanha, Barbara Spaggiari. Lisboa, ICALP, 1982. Coleção Biblioteca Breve - Volume 66.

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Perceção subjetiva da realidade.

Imagens simbólicas da fugacidade.

Impossibilidade de retenção do momento presente.

Linguagem, estilo e estrutura:

‒ o poder sugestivo das imagens;

‒ forma estrófica, metro e rima;

‒ recursos expressivos: a aliteração, a anáfora, a apóstrofe e a metáfora.

Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário. Versão para discussão pública. Novembro de 2013. Helena C. Buescu, Luís C. Maia, Maria Graciete Silva, Maria Regina Rocha. Governo de Portugal - Ministério da Educação e Ciência. Disponível em: http://dge.mec.pt/metascurriculares/data/metascurriculares/Em_Discussao/programa_metas_curriculares_portugues_es.pdf

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

A simbologia de um título

Le gouffre a toujours soif; Ia clepsydre se vide.

Baudelaire, L'horloge, em Les fleurs du mal.

Camilo Pessanha parece ter ido buscar a este verso de Ch. Baudelaire a palavra/símbolo clepsidra, que elegeu como título do seu único livro de poemas. Tal escolha passa a constituir, desde logo, um primeiro modo de identificação da obra, que leva o leitor a inseri-Ia no movimento simbolista e a preparar-se para penetrar nas «forêts de symboles» de que Baudelaire fala no célebre soneto Correspondances (em Les fleurs du mal).

Se tal atitude não é incorreta, o certo é que a palavra clepsidra assume, na obra de Pessanha, um papel bem mais importante, que abrange o conjunto de textos nela integrados. Vejamos como.

A palavra clepsidra vem do grego kleps-udra, que contém o verbo kleptô (roubar, enganar, dissimular) e o nome udor (água, em várias aceções e, muito concretamente, água da clepsidra), e significa relógio de água para marcar o tempo atribuído aos oradores. É a partir dessa significação primeira que se estabelece o símbolo. Designando (plano denotativo) a fração de tempo correspondente à circulação da água no relógio, a palavra passa a designar, num plano conotativo generalizante, toda a passagem do tempo, logo a passagem da vida e a inevitável aproximação da morte.

A este investimento filosófico do sentido da palavra, tornada símbolo, não será certamente estranho o facto de o objeto que designa estar ligado à oratória, a uma certa utilização erudita (ainda que não forçosamente) da palavra. Aliás, é por via erudita que o termo penetra na língua francesa e, através desta, no português. É também nesta primeira aceção simbólica que Baudelaire claramente a emprega.

Pessanha vai mais longe, ao jogar com este primeiro nível simbólico para, sobre ele, construir um segundo nível que corresponde a uma conotação restritiva. De facto, a palavra clepsidra contém o som terminal (e, por isso, persistente) -idra que, na linguagem oral, se confunde com hidra (em grego udra, serpente de água e, no plano mitológico, Hidra de Lerna). A hidra é um monstro marinho, uma serpente gigantesca, com inumeráveis cabeças que nascem e se desenvolvem à medida que são cortadas, simbolizando a inutilidade da vontade e do esforço humanos perante algo que lhes é exterior e adverso.

Simultaneamente, a hidra simboliza, nas suas múltiplas cabeças, os múltiplos vícios do homem, cuja erradicação se considera impossível e que contaminam não só a sua existência como a sua essência, tomando-o frágil e inepto.

Conjugando o primeiro nível simbólico com os significados específicos da hidra, Pessanha obtém o segundo nível simbólico que restringe o plano conotativo da clepsidra - todo o passar - ao passar da existência humana, tornado inevitável pelas características desta existência. Atente-se no soneto Esvelta surge! ...(nº 11 da Antologia. Vide linhas de leitura):

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?

Eis-me formoso, moço e casto, forte.

Tão branco o peito! - para o expor à Morte...

Mas que ora - a infame! - não se te anteponha.

A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmágo-a

[...]

A hidra materializa aqui a Morte, a pulsão de destruição, por oposição a Eros, a pulsão de conservação, representada, pelo menos a uma primeira leitura, pela figura feminina.

A palavra clepsidra surge apenas duas vezes no livro de Pessanha: no título e no último texto, intitulado Poema Final

Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,

Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,

E escutando o correr da água na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,

Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.

[...]

o qual exprime uma progressiva quietação, até ao desaparecer da expressão mínima de vida: Não respireis. O respirar implica a existência de vida não apenas fisiológica mas também intelectual: é o circular do sopro anímico, associado à atividade do espírito, à criação. Poema Final, que foi escolhido pelo poeta para fechar a coletânea, significa claramente a última fala, ou seja, a extinção do sopro, a cessação da criação. A clepsidra esvazia-se, o eu extingue-se, o seu verbo esgota-se, a obra termina. A palavra não consegue decepar as inumeráveis cabeças.

De tudo isto, há a reter dois aspetos fundamentais:

1. o facto de a palavra clepsidra estar íntima e originariamente ligada ao próprio exercício da palavra;

2. o facto de, através da sua associação à hidra, a clepsidra designar a fragilidade da condição e do conhecimento humanos.

Clepsidra de Camilo Pessanha (Textos Escolhidos)

Apresentação Crítica, Seleção e Sugestões para Análise Literária de Tereza Coelho Lopes,

Lisboa, Seara Nova/Editorial Comunicação, 1979

Da consciência da ilusão à abulia

A poesia de Camilo Pessanha fala do que o poeta não conseguiu alcançar, de uma transcendência vaga mas que por vezes é identificada, como no poema «Se andava no jardim», com a posse frustrada de uma mulher; e do que se possuiu ou acreditou possuir, e que se perdeu ou não se possuiu senão ilusoriamente. Esta visão do mundo parece caracterizar-se antes de mais nada pela consciência lúcida da fugacidade e da ilusão, não só dos nossos sentimentos, como do próprio destino do homem. E a metáfora da água que corre vem dar toda a sua consistência a este sentimento trágico da transitoriedade, transitoriedade de resto sublinhada pelo título do livro. E pode imaginar-se que é por ter uma consciência muito aguda do caráter fugaz da vida humana e dos sentimentos que o poeta, recusando (talvez por orgulho, mas certamente também para evitar o sofrimento) as ilusões, aspira claramente a uma intemporalidade que sendo a da morte e a da paz, é também a de uma condição enfim sem ilusões.

João Camilo, "A Clepsidra de Camilo Pessanha", in Revista Persona, n.º 10

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O que está no primeiro plano da consciência poética expressa, o plano temático, é a tendência a desistir, a demitir-se da sensibilidade, é a perda de um sentido conscientemente ativo para a vida.

À apatia contemplativa e desistente liga-se ainda a abulia da indecisão. O poeta não sabe se quer voltar, prosseguir ou ficar, tal como não sabe se ama deveras. E, como consequência, a realidade aparece-lhe radicalmente ambígua, no sujeito como no objeto: Não sei de onde venho, / que azar me fundou, / das mágoas que tenho, / os ais porque os dou / […] miragens do nada / dizei-me quem sou.

Ora, como o sentido ativo que se atribui à vida está relacionado com a dialética da essência e da aparência, como o crer-se na essência de um dado fenómeno, isto é, no seu esquema de previsibilidade, na sua lei de desenvolvimento, depende da nossa vontade de atuar sobre esse fenómeno, depende da nossa atitude prática - tal abulia parente no plano temático desta poesia traduz-se, sob o ponto de vista da sua teoria do conhecimento, pelo fenomenismo, vem a ser, por um encarar os fenómenos como simples desfile de aparências sem essência.

Óscar Lopes, "Camilo Pessanha", in Entre Fialho e Nemésio, vol. I

Simbolismo ‑ uma estética da sugestão

Na crítica a um livro de poemas de Alberto Osório de Castro publicada em 1910, Camilo Pessanha fala da poesia como uma «arte essencialmente subjetiva [...] para alguns dos seus mais delicados cultores quase tão exclusivamente subjetiva como a música» (ver Clepsidra e Outros Poemas, Ática 1969 p. 320).

No prefácio que escreveu para a sua tradução de oito elegias chinesas, o autor de Clepsidra assinala, por outro lado, as dificuldades que lhe pôs a tradução desses textos, sublinhando nomeadamente: «a imprecisão da linguagem, que no chinês literário é qualidade fundamental, chegando as palavras a não ter significado próprio»; o facto de a frase, «por falta de leis sintáticas que presidam à sua estrutura», dar origem nessa língua às «interpretações mais contraditórias»; o facto, por estas razões, de frequentemente só ser possível encontrar o sentido dos componentes do discurso depois de várias tentativas e depois de se ter encontrado o «pensamento gera!»; e, por fim, a omissão quase completa das palavras «designativas das relações lógicas», omissão que permite imprimir «mais vivamente [...] na imaginação de quem lê [...] as ideias concretas adotadas pelo autor como símbolos poéticos». Estas reflexões revelam-se interessantes por várias razões. […]

Sublinhe-se que o seu interesse reside em que elas poderiam aplicar-se perfeitamente a grande parte senão a toda a poesia moderna e contemporânea, que deixando de exprimir as relações lógicas entre as partes do discurso pretendeu tirar partido da ambiguidade assim criada para aumentar a capacidade da poesia de comunicar o indizível e sugerir o desconhecido, Camilo Pessanha retirou certamente alguns ensinamentos desse seu contacto com o chinês literário, e o caráter obscuro de certas partes dos seus poemas pode ter encontrado aí, senão a inspiração, pelo menos um incentivo. A não expressão das relações lógicas entre as diferentes partes do discurso dá origem a uma poesia essencialmente fragmentária, em que os diversos elementos ficam a pairar, numa liberdade relativa, no poema como totalidade fechada sobre si mesma. As relações entre as partes do poema tornam--se em muitos casos puramente implícitas e cabe ao leitor pressenti-las e, se necessário através de várias tentativas, encontrá-las. Mas esta maneira de organizar o poema permite também, como o sublinha Camilo Pessanha, aumentar a parte da sugestão e imprimir de maneira mais marcada no espírito do leitor certas impressões que o poeta pretendeu valorizar e à volta das quais e em função das quais se construiu o poema. O poema perde certamente desse modo em parte a capacidade de nos revelar sentidos claros, de se nos impor como a ilustração de uma visão do mundo transparente. Mas a época de Camilo Pessanha é de crise (crise de valores, pessimismo ontológico) e em vez de apresentar uma visão do mundo ou de propor ao leitor os elementos para uma biografia do poeta, os simbolistas pretendem simplesmente, ou antes de mais nada, comunicar impressões, sugerir ambientes.

João Camilo, "A Clepsidra de Camilo Pessanha", in Revista Persona, n.º 10

Sugestão, visão fragmentária, subjetivação

Vários pormenores importantes caracterizam a linguagem poética de Camilo Pessanha: forte ausência de palavras e construções (conjunções, orações relativas, determinativos) que designam as relações lógicas, a mútua dependência entre os elementos dum discurso, contribuindo, através da frase incompleta ou fraturada (recurso ao anacoluto), para uma poesia de sugestão e subentendido; ausência de deíticos de lugar e mesmo de tempo, o que acentua a instabilidade do universo e do eu; abundância de enunciados declarativos; escassez relativa de enunciados performativos; suspensão frequente da fala através das reticências; perguntas e exclamações enfáticas que isolam o eu num discurso egotista; colocação do adjetivo antes do nome, o que reforça a ideia de que o universo é essencialmente representação subjetiva; uso frequente do conjuntivo optativo, que designa todo um espaço de desejo não polarizado num objeto concreto; estabelecimento de analogias que suprem, até certo ponto, a nível do discurso, a tendência para a dissociação existente a nível da perceção do mundo; número relativamente pequeno de verbos, sobretudo de verbos que designam ações de transformação do eu sobre o mundo.

Clepsidra de Camilo Pessanha (Textos Escolhidos)

Apresentação Crítica, Seleção e Sugestões Para Análise Literária de Tereza Coelho Lopes, Lisboa, Seara Nova/Editorial Comunicação, 1979

No seu conjunto, a poesia de Camilo Pessanha traduz o pensamento metafísico de uma alma errante, em que ocorrem de forma obsessiva imagens de confrontação com a morte e de manifestação da dor e da mágoa, porém, despojadas de intensidade romântica. Reflexo de uma “desagregação pessoal”, a sua poesia esvazia-se “em ténues e inúteis agonias [...]. O desejo e o amor suspendem-se, e desistem, e fruem a música agridoce da desistência, seguros de que a sua consumação seria o tédio” (António José Saraiva e Óscar Lopes in História da literatura portuguesa, 12ª ed., Porto, Porto Editora, 1982, pp. 1032-1033). A versificação, fluida e leve, é dotada de uma qualidade musical própria, resultante do trabalho de combinação rítmica e de uma ponderação cuidada da palavra, que põe em relevo as suas características fonossimbólicas.

As canções de Filipe de Sousa, José Brandão. Universidade de Aveiro, 2007.

*

A utilização frequente do «transporte», por um lado, a variação e a riqueza dos acentos e das pausas, pelo outro, fazem com que o poema, em vez de se reduzir a uma sucessão monótona de sons, se apresente com uma vivacidade que traduz, de certo modo, a revolta do poeta contra a sua condição ou contra a sua situação no mundo. Porque as pausas e os acentos isolam no verso certas palavras ou expressões e permitem a oposição e a diversificação mais evidente dos sentidos no interior do mesmo verso. Por outro lado, o uso frequente do «transporte» parece conferir ao verso certas qualidades da prosa, e em todo o caso uma liberdade ou uma elasticidade que o verso sem «transporte», mais rígido, mais limitado nas suas possibilidades, não conhece. [...]

A variedade rítmica da poesia de Camilo Pessanha parece traduzir, antes de mais nada, o próprio ritmo da consciência e da sensibilidade. Ela traduz não só a necessidade de exprimir no espaço limitado do poema toda a riqueza e complexidade, todas as contradições de um real complexo e vivido problematicamente e com obsessão, mas também a negação surpreendente de uma renúncia e de uma desistência que parece dar o tom geral aos poemas de Clepsidra.

João Camilo, "A Clepsidra de Camilo Pessanha", in Revista Persona, n.º 10

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Camilo Pessanha em traje de mandarim

Textos doutrinários de Camilo Pessanha

Importância de um vetor estruturante (1888)

Uma ideia geral do livro.

Consta de tentativas. O Sr. António Fogaça, como todos os novatos em arte, não tem um princípio, uma noção, um sentimento, que o arraste conscientemente, presidindo à conceção de todas as suas obras. Impressionável e pouco atenta, a sua imaginação é vibrada desordenadamente por coisas diversíssimas: por princípios de filosofia lidos de fresco, pela sensualidade, pelo amor de uma noiva, por trechos de paisagem, pela cadência dos versos que estão mais em voga. Só à influência destes posso atribuir a maior parte dos sonetos e alguma poesia mais, por exemplo a marcha fúnebre:

‑ Cavaleiro no trilho da Amargura,

cujos decassílabos ocos e retumbantes não deixam transparecer a sombra de um pensamento.

Escreveu tudo isto ao Deus dará. Depois, lembrando-se de publicar volume, como não tivesse ideado um plano de produção, tentou ao menos classificar as poesias pelos pontos de analogia.

Bem: havia entre os papéis da sua pasta 40 madrigais muito semelhantes, na construção das estrofes e na frescura límpida, quase virgem, do pensamento ‑ desejos evolados de uma solidão de estudante, para o seio da mulher adorada ‑ era fazer delas uma parte do livro, e chamar-lhes Orações do Amor.

Mas, o resto da papelada?

Não havia ali uma nota comum, que permitisse continuar a classificação. E, que diabo!, precisava-se de publicar tudo... Fosse bom, fosse mau; eram as pétalas de um entusiasmo primeiro, que murcha cedo e não reverdece.

Talvez que, se tivesse demorado por mais um ano a publicação do seu livro, não tivesse exposto a público tudo isso que constitui a segunda parte. O Fumo, o Spleen, a Tela rústica, e poucas mais composições onde há originalidade e talento, devia guardá-las para mais tarde, quando fosse maior o seu cabedal; o mais, tê-lo reservado para, passada a juventude, ler sozinho, espraiando nessas páginas desiguais, um sorriso benévolo, de cético a cujas ilusões tenha sobrevivido o coração, um feixe de luz triste, serena, do sol moribundo.

Preferiu que saísse tudo: reuniu todos esses versos num título que pudesse abrangê-los, embora não lhes precisasse uma característica, não significasse coisa nenhuma: Mágoa e risos, por exemplo...

Bem claro, que na Mágoa e risos podia ter incluído as Orações do Amor!

Depois, como esta última parte ficava desproporcionada, e continha 62 sonetos (64 páginas de impressão) subdividiu a Mágoae risos em sonetos e não sonetos.

Camilo Pessanha, «Crónica da Alta [Versos da Mocidade, de António Fogaça]», in A Crítica, 1888.

Euritmia poética, senso crítico e natureza íntima das coisas (1910)

Não nos propomos fazer a crítica deste livro encantador, saído recentemente dos prelos da Imprensa Nacional de Díli, em edição de reduzida tiragem, nem sequer, dar, do seu alto valor, aproximada ideia. Arte essencialmente subjetiva, a Poesia (para alguns dos seus mais delicados cultores quase tão exclusivamente subjetiva como a Música), impossível é dar-se a conhecer indiretamente o valor estético das suas obras, como o é fazer-se compreender a beleza de uma sinfonia ou de uma romança, por outra maneira que não seja fazendo-a ouvir.

São tão diferentes, tão complexos, e de importância tão variável, os fatores de que resulta a euritmia poética que, em verdade, não existe ainda feita a sua análise (e só essa mereceria o nome de crítica científica) mesmo em relação aos mais altos monumentos da Poesia, cuja luminosa simplicidade aparente ficou a dominar os séculos.

Não seria o autor desta despretensiosa notícia, modesto diletante das letras, quem iria tentá-la relativamente às Flores de Coral. Apenas, testemunho da nossa admiração pelo livro, vamos indicar, sucintamente, os traços que, em rápida leitura, nos pareceram mais flagrantes da original psicologia literária do autor.

*

O nome de Osório de Castro era já ilustre por dois outros volumes de poesias: Exiladas e A Cinza dos Mirtos.

Em Portugal, talvez em parte por falta de estímulo na curiosidade do público ‑ quase por completo alheado de todas as nobres especulações do espírito ‑, mas também, decerto, por escassez de reais vocações artísticas, são raros os poetas de tão vasta produção. Quase ninguém ali há que não tenha descoberto na sua alma, ao surgir a primeira exaltação amorosa da adolescência, um caudal de inéditas harmonias. Durante um curto período, assiste o improvisado poeta, como em um sonho de fadas, ao tumultuário desfilar de uma farândola de rimas brilhantes e imprevistas, que só pedem para as colher e revelar à admiração do mundo, pela imprensa. Assim se apressa a fazer. Esse tesoiro, porém, não dá para mais do que um minúsculo volume, que durante alguns anos amarelece nas montras dos livreiros, até o saldo vir a ser vendido a peso, convencido afinal o editor de que por outra maneira nenhum exemplar lhe seria comprado jamais.

Ao contrário do que acontece com essa legião de poetas mínimos, cuja pobre musa toda a sua fecundidade esgota na conceção de cem páginas de lirismo, e ao trabalho dessa gestação pouco sobrevive, matando-a logo depois o repúdio irrevocável por parte do próprio vate, a quem o casamento e a transferência para a legião burocrática desviaram definitivamente da cultura das letras ‑, a inspiração do poeta das Exiladas não se exaure, nem o fervor do seu culto pela arte enfraquece, continuando a revelar-se e a triunfar, ainda nas condições mais desfavoráveis, a sua poderosa organização de artista. […]

É que a solidão intelectual e o suposto prosaísmo da vida real não aniquilam a inspiração senão dos que a não têm própria, daqueles cuja imaginação se alimenta parasitariamente das falsas e convencionais emoções de uma psicologia de pacotilha, corrente na boémia dos meios chamados intelectuais.

A obra de Osório de Castro, como a dos artistas que fundamentalmente o são, vive da própria vida ‑, vida que em outro menos bem dotado teria aniquilado o poeta.

*

Como os anteriores livros de Osório de Castro, não são as Flores de Coral subordinadas a um plano preconcebido, nem obedecem à preocupação de constituírem uma obra integral, quer sob o ponto de vista filosófico, quer sob o da técnica. São uma simples coleção de composições autónomas, objetivas no tema pela maior parte ‑ poemas míticos ou curtos incidentes episódicos -- as quais apenas ligam umas às outras o tom idêntico da emoção e a coerência do critério filosófico. Pelo que respeita à estética, o poeta, sem preconceitos de escola, adota as mais variadas formas, tanto métricas como estróficas, desde a mais singela, das quadras em redondilha, das desgarradas populares, até às mais cultas e mais difíceis, do soneto, do rondel e da ode; e desde as mais clássicas, como no irrepreensível soneto parnasiano Yelow Town, que rivaliza com os melhores de Gonçalves Crespo, até aos libérrimos de Stuart Merrill e de Maeterlinck.

No remoto isolamento de Timor, onde não chegam os ecos das estéreis polémicas das coteries, um único intuito orienta o seu labor espiritual; realizar por meio da verdade, a beleza. Para alcançar esse fim, nenhum dos recursos, nenhumdos processos desdenha da sua arte, por antiquados ou revolucionários que sejam, de todos sabendo tirar admiráveis efeitos de plasticidade.

Um véu de ténue melancolia envolve todo o livro. O poeta, que tem quarenta anos (assim no-lo informa incidentemente uma das numerosas e interessantes notas que esclarecem as Flores de Coral), volve dessa altura da vida o olhar ao caminho andado, povoado de saudades, e considera, por um momento, o futuro, que já não está impenetrável de brumas enigmáticas como ao tempo das Exiladas, mas se desenha iluminado e nítido em suave declive para o oceano do Aniquilamento.

Não são, porém, os seus versos o epicédio da mocidade nem um pranto de fúnebres condolências sobre as ilusões perdidas. Nem a fina distinção aristocrática da afetividade do poeta poderia comprazer-se em declamações de um patético superficial e grosseiro, nem a sua superior intelectualidade e a sua pouco vulgar cultura científica se compadeceriam com uma tão mesquinhamente egoísta compreensão da existência.

É precisamente a irredutibilidade desse educado senso crítico, acompanhando paralelamente as emoções e exercendo-se sobre elas, sem jamais se deixar suplantar, a mais notável característica da complexa e inconfundível individualidade do poeta. A sua arte é, como dito ficou, objetiva pelos temas que lhe servem de motivo, ‑ lendas, aspetos, episódios; porém, através do aspeto (e ao mesmo tempo que o esteta o apreende e investiga a quantidade de beleza que poderá produzir, afeiçoando-o a determinada forma literária), o consciencioso observador científico, de que o esteta se duplica, interpreta o fenómeno e perscruta o fundo de que o mesmo aspeto é a superfície: a natureza íntima das coisas, as relações e a fatalidade dos seus destinos. Mais do que isso: no fenómeno de cada uma das aparências que interpreta, não se esquece de discriminar a participação da sua própria alma, o espelho em que se revelam.

A inteligência que dispõe de um tal poder de dissociação, vai naturalmente de todas as vezes que se exerce e seja qual for o objetivo sobre que o faça, roçar pela ideia da morte. Não carece, para evocá-la, de isolar-se como os ascetas cristãos, na contemplação de um crânio desnudado, porquanto a acuidade da sua visão perfeitamente a distingue entrelaçada no amor e integrando a vida. Palpita na luz dos astros, estua na seiva das florestas virgens, ondula no colubrino estorcer-se das bailadeiras indianas, satura o olhar indagador e sério, que com o do poeta se cruzou, sobre o deck de um transatlântico, de uma touriste anónima...

De que havia, pois, de lamentar-se, ou contra o que havia, pois, de insurgir-se, se a morte é, em relação à vida, não só o termo fatal, mas a consequência lógica?

Da mesma forma, porém, que a sua melancolia não é plangentemente romântica, não é a sua filosofia pedantescamente didática: uma e outra apenas impregnam as Flores de Coral, e delas se evolam como um perfume subtil.

Para um grande número de críticos a atual e contestável decadência das artes é irreparável. Segundo eles, seriam causa dessa decadência o incessante progresso da ciência positiva, em que (e ainda bem) não é possível retrogressão, devassando a cada momento uma área maior das obscuras regiões do ignoto em que o sonho da idealidade outrora se expandia livremente, e a transformação, também incessantemente realizada, nas condições morais e, principalmente, materiais da existência humana, ‑ tão diferentes atualmente daquelas em que foram produzidas as inexcedíveis, e por enquanto inigualáveis, obras-primas da antiguidade.

Esquecem-se, porém, de que as apontadas diferenças são meramente aparentes, permanecendo a situação do homem em face da existência fundamentalmente a mesma; de que as descobertas com que o árduo labor das sucessivas gerações vai alargando o horizonte dos conhecimentos, não pode influir retraindo-o, no do incognoscível ‑ da beira de cujo abismo as almas meditativas continuarão, por todo o sempre, a debruçar-se terrificadas e ansiosas; e de que a beleza estética não é uma realidade objetiva e absoluta, mas apenas uma noção do espírito humano, que, por corresponder a uma necessidade natural, há-de persistir através de quaisquer condições, evolucionando com estas, para acomodar-se-lhes.

Constituem as Flores de Coral a mais cabal demonstração de que não antinómicas a poesia e a análise científica. E parece que é propositadamente para dar corpo a essa demonstração que o poeta, procedendo contrariamente a todas as tradições, desvenda, no curioso apêndice à sua obra poética, os segredos da génese desta, que lhe justificam a orientação e facilitam a exegese.

Não lhe basta atribuir a cada uma das suas composições duas datas, indicando uma o lugar e o momento da vida espiritual (para nos servirmos da própria tecnologia do poeta nas Exiladas) em que a sua atenção foi ferida pela impressão do exterior que o inspirou, e declarando a outra o lugar e o instante em que, após uma lenta elaboração, a transformação perfeita desse germe se realizou, irrompendo do confuso sedimento de noções que repousa no espírito do poeta a flor triunfal do poema, e desabrochando na plenitude da sua beleza. Ainda, em quase 150 páginas de compacta impressão, familiariza o leitor com os diversos fatores de que a sua obra é o resultado, faz menção das suas próprias características étnicas, dos misteriosos e remotos atavismos que influenciam o seu trabalho mental; alude às suas próprias leituras, às predileções do seu espírito, às suas viagens; esforça-se principalmente por dar a conhecer o meio exótico em que surgiram as Flores de Coral e que tanto contribuiu para lhes dar cor. [...]

Camilo Pessanha, «Alberto Osório de Castro ‑ Flores de Coral»,

in A Verdade, n.º 72, 31 de março de 1910.

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Camilo Pessanha, por Vhils, 2016-12-09 (foto: Carmo Correia-LUSA)

Camilo Pessanha e os caminhos de transformação da poesia portuguesa (Fernando Guimarães, 1981)

Dir-se-ia que a obra tão breve de Camilo Pessanha chegou até nós para sermos conduzidos àquela "hora fugitiva" - usando uma expressão da Clepsidra - em que se dá um encontro inicial e pleno com a própria poesia. Este encontro com uma superfície tão transparente como é a dos seus poemas, onde a realidade de tudo é convocada porque tudo se toma virtual, confere-nos a surpresa da revelação dum universo ambíguo e depurado, cheio de caminhos que se tomaram o labirinto ao mesmo tempo infinito e limitado onde colocamos as pedras brancas da nossa leitura, como se fosse este o único vestígio deixado para nos orientar, evitando que acabássemos de ser finalmente absorvidos, destruídos até, por essa transparência.

Na época em que viveu - em plena ressaca duma sensibilidade romântica demasiado verbalista e dum nascente simbolismo cujo verbalismo o público comum exorcizava -, não deixava de ser estranha a maneira como Camilo Pessanha, aliás dum modo muito discreto, se revelou poeticamente. Quem, sob o peso daqueles hábitos de leitura que o Romantismo, tantas vezes mal compreendido, prefigurava como uma direta passagem das emoções do autor para as do leitor, seria capaz de entender e encontrar na sua poesia essa emoção estética que só a construção interna ao texto institui?

Seriam poucos, sem dúvida, os que se mostravam capazes de aceitar estas novas perspetivas; só mais tarde é que se começou a manifestar um maior interesse, sobretudo ligado às preocupações renovadoras de alguns poetas mais jovens, em cuja obra acabava a emoção estética também por ser como que desmontada, indo projetar-se na superfície verbal do poema, o qual atingia uma substancialidade até então menos notada. Foi com a geração do Orpheu que isso aconteceu, geração voltada nessa altura, como disse Fernando Pessoa, para uma arte avançada que ia do "ultrassimbolismo até ao futurismo".1 É bem conhecido o empenho posto por Pessoa em que Camilo Pessanha colaborasse num terceiro número, que entretanto se preparava, daquela revista2; gorada que foi essa publicação não deixa de se manter o mesmo interesse e, em 1916, aparecerá um conjunto de dezasseis poemas seus noutra revista modernista, Centauro.

Estas circunstâncias fizeram com que se aproximasse a obra de Camilo Pessanha - como, aliás, a de outro poeta simbolista que colaborou no Orpheu, Ângelo de Lima - dum ambiente literário que, procedente do Simbolismo, confinaria com o próprio Modernismo, embora este movimento, na sua fase inicial, encontrasse na poesia nefelibata de Eugénio de Castro alguns paradigmas que dum modo mais direto iam ao encontro dum intuito de expressão polémica ou de vanguarda a que se votava o tal ultrassimbolismo que o próprio Pessoa cultivou.

Os poemas de Camilo Pessanha, já a partir da penúltima década do século XIX, começaram a aparecer em diversas publicações periódicas, cuja expansão era geralmente muito restrita: Gazeta de Coimbra, A Crítica, O Intermezzo, O Novo Tempo, Os Novos, Novidades, Os Livres, Ave Azul, O Portugal, Notícias de Bragança, etc.

Se nos fixássemos na leitura de alguns dos seus primeiros poemas reconhecíamos que, num ou noutro passo, havia marcas de alguns poetas tutelares dessa época, nomeadamente Antero de Quental, João de Deus ou Cesário Verde; mas, em contrapartida, importa não esquecer que já se configurava também a maioria daqueles aspetos que dir-se-ia marcarem o excecional perfil da sua obra. É, sem dúvida, o caso do soneto "Madalena" que, em 1890, saiu na revista portuense O Intermezzo, que Eduardo Artayett dirigia.

1890... Esta data (ano em que nasceu Mário de Sá-Carneiro e Pessoa completava os seus dois anos) pode servir para indicar um momento alto do surto do movimento simbolista entre nós. São publicados, nessa altura, dois livros que alinham nesse movimento, Oaristos de Eugénio de Castro e Azul de António de Oliveira-Soares, havendo no primeiro - ao longo das suas quatro páginas introdutórias - uma expressa intenção de programaticamente apontar a "nova maneira" que o poeta devia prosseguir para romper com o demasiado peso com que a tradição literária se fazia sentir nessa altura.

Um ano antes, iniciara-se relativamente a algumas novidades poéticas, as quais geralmente provinham da "Escola Decadista francesa"3 ou, melhor, dos simbolistas franceses e belgas, um combate literário ligado à prioridade da sua utilização entre nós e que fez com que duas revistas coimbrãs, a Boémia Nova e Os Insubmissos, se enfrentassem - assim dizia uma delas - "de lança em riste".

Quais eram as novidades? Eugénio de Castro é perentório em enumerá-las: reação contra os "lugares comuns", a "pobreza" das rimas e do vocabulário, pois "talvez dois terços das palavras, que formam a língua portuguesa, jazem absconsos, desconhecidos, inertes, ao longo dos dicionários"; defesa da "liberdade do Ritmo", com introdução de novidades de caráter prosódico, nomeadamente no caso em que a sua poesia "exibe alexandrinos de cesura deslocada e alguns outros sem cesura", como já o tinham feito Vielé-Griffin e Jean Moréas, recurso a novas conformações estróficas; uso da aliteração, das "rimas raras, rutilantes" e, finalmente, dos "raros vocábulos" que evitem a perífrase e captem a "beleza própria das palavras".4

Por sua vez, um companheiro de geração, Armando Navarro, que se interessa por uma atividade de crítico paralela ao desenvolvimento do movimento simbolista, refere-se também a essas novidades: "modificações nos ritmos, liberdades métricas, ressurreição de velhos termos empoeirados e criação de outros para conseguir uma sonhada riqueza de ruínas nunca vista, tudo isto com o alevantado intuito de dar ao verso um poder sugestivo que o classicismo e o parnasianismo lhe tinham tirado"; "a expansão plena e pujantíssima da ideia, no coleamento plástico da frase"; "uma engenhosa orquestração verbal, atinente a produzir pela sugestão do som, um estado sensacional", isto é, referido a sensações originárias ou impressões5. Além disto, relaciona o movimento nascente com algumas coordenadas mais genéricas, onde há já um envolvimento de natureza filosófica, relacionadas com o idealismo, o chamado "culto do eu", posto em voga por Barres, e o pessimismo. Tudo isto, como expressamente admite, explicaria "o caráter subjetivo da poesia dos novistas", sobretudo os que se fixam ao Decadentismo.6

De todos os traços anteriormente apontados talvez fosse de dar um certo relevo àquele que corresponde a uma discreta, mas, apesar de tudo, efetiva preocupação quanto às transferências que na criação poética se estabeleceram entre um plano intelectual, que iria desde a face significativa dos versos até aos "infinitos estados intelectuais comprimidos dentro de cada palavra",7 a um plano sensorial, que, por sua vez, iria desde a "hiperestesia dolorosamente extrema dos [...] sentidos"8 ou das "vibrações estranhas do sensacionismo"9 - que curioso destino o desta última palavra! - até ao preenchimento com valores simbólicos dos próprios fonemas.

Em última análise, este plano corresponderia à própria materialidade verbal, enquanto ela pudesse manter um maior ou menor vínculo com a realidade - privilegiando,"assim, o que poderíamos chamar um ato de conhecimento - que, no entanto, seria reassumido textualmente através da sua face significante (por exemplo, pela atribuição à linguagem duma capacidade de assumir certos valores fónicos expressivos, fazendo eco de preocupações que vinham de trás, nomeadamente do Castilho do Tratado de Metrificação Portuguesa) paralelamente, considera-se a face do significado e, sobretudo, o valor formal que esta pode assumir tendo em vista múltiplas relações que no desenvolvimento verbal do próprio texto literário acabam por se estabelecer.

Apesar de se reconhecer que a poesia do tempo dera um grande passo para a música,10 não se esquece que essa passagem se equilibra com um processo de intelectualização. Armando Navarro, como se notou, fala-nos da "expressão da ideia" através dum desenvolvimento "plástico da frase" que faria com que o próprio devir do sentido se construísse a partir da exploração de valores prosódicos, daquela consagrada "orquestração verbal". A superfície de significado que existe no poema converte-se - pela incidência destas preocupações que privilegiam a produtividade decorrente dum simbolismo verbal - num sentido marcado pela ambiguidade ou pela redundância. Daqui provém, como reconhecerá Carlos de Mesquita acerca dum poeta simbolista francês cuja obra estudou detidamente,11 o tão decantado "amor do vago e do indireto" - o vago a que Fernando Pessoa também se refere quando caracteriza o Simbolismo - , a desfocagem criada no poema mediante o "sentido das similitudes", a substituição da "vida real por uma vida imaginária", cuja expressão será por natureza obscura, indecisa. Tudo isto são pressentimentos, achegas de certo modo abertas para uma teorização que, sob uma forma mais ou menos sistemática ou circunstanciadamente elaborada, nunca se atingiu no desenvolvimento do nosso Simbolismo.

Foi dentro dum ambiente literário como este que Camilo Pessanha começou a realizar a sua obra. Apesar dum certo isolamento relativamente às tertúlias dos poetas novistas ou nefelibatas, não deixa de ser reconhecida bem cedo a sua posição de escola, sendo citado no opúsculo Os Nefelibatas (1891?), aliás em poucas palavras e dum modo não muito convincente: "Camilo Pessanha, craionando bem alguns aspetos do Exterior."12

Certo é que, já em 1890, atingira um momento tão plenamente conseguido como aquele que se revela com a publicação do seu soneto "Madalena":13

…E lhe regou de lágrimas os pés, e os enxugava

com os cabelos da sua cabeça.

Evangelho de S. Lucas

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,

Lírio poluído, branca flor inútil,

Meu coração, velha moeda fútil,

E sem relevo, os carateres gastos,

De resignar-se torpemente dúctil,

Desespero, nudez de seios castos,

Quem também fosse, ó cabelos de rastos,

Ensanguentado, enxovalhado, inútil,

Dentro do peito, abominável cómico!

Morrer tranquilo -, o fastio da cama,

Ó redenção do mármore anatómico,

Amargura, nudez de seios castos,

Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,

Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

Poderíamos dizer que este poema se centra em dois dos grandes temas a que a poesia de Camilo Pessanha tantas vezes regressa: o da mácula e o da morte. Estes temas surgem a partir dum referente - que é outro texto - identificado com a epígrafe que Pessanha extraiu do Evangelho de S. Lucas. A partir de tal referente - a que o título do soneto confere uma maior densidade identificadora - criam-se sucessivos segmentos que, sem anular essa identificação, fazem com que ela desempenhe uma função renovadora do texto, criando uma metáfora in praesentia; é o que acontece com a passagem ou transferência de "Madalena" (e, também, de "velha moeda fútil") para "meu coração".

Esta aproximação, porém, não deixa de ser secundária quanto ao sentido, embora se reconheça que é essencial a partir da própria função que desempenha ao permitir a aludida transferência de natureza metafórica, que, no desenvolvimento do poema, se renova metonimicamente se tomarmos em consideração os segmentos repetidos do 1.º, 6.º, 7.º, 12.º e 14.º versos: "nudez de seios castos", "cabelos de rastos". Por sua vez estes dois segmentos concorrem para criar, numa linha vertical, o próprio paradigma que advém da sua utilização como rima.

Começa-se, deste modo, a criar um sistema de desenvolvimento formal que irá, neste caso, coincidir com um sistema de sentido marcado pela redundância, a qual, enquanto tal, põe em questão um possível alargamento significativo. Mas esta ausência dum sentido progressivo nos segmentos que se repetem não deixa de criar traços flutuantes de significação, reforçados, aliás, pelo uso que nessas e outras passagens do poema se faz da suspensão, do assíndeto ou da reticência. Trata-se duma linguagem elíptica, muitas vezes marcada pela omissão de tempos verbais - como acontece no soneto "Madalena" - ou por uma desarticulação sintática.

Cria-se, assim, um tom ou ambiente dispersivo, onde são múltiplos os traços flutuantes de significação que se cruzam: esta característica, a qual aponta para um semantismo aparente, constitui o que comummente se designa por vago ou - como Camilo Pessanha o há de dizer mais tarde, ao apontar uma das características mais marcantes da língua chinesa14 -"imprecisão da linguagem", "intensidade da sugestão"... Com efeito, refere que as palavras chegam "a não ter significado próprio - tão divergentes e, até, opostas são as aceções de cada uma - e sendo, por seu lado, a frase (conhecida mesmo a ideia certa representada por cada vocábulo) suscetível, por falta de leis sintáticas que presidam à sua estrutura, das interpretações mais contraditórias". E não é fácil deixar de reconhecer que há aqui uma certa similitude com as flutuações ou suspensão de significado que ocorre na poesia de Camilo Pessanha ou na dos outros poetas simbolistas.

O devir do sentido - que os simbolistas conseguiram mediante diversas figuras, entre as quais a suspensão e a metáfora alcançam peculiar relevo - faz com que a poesia assuma uma dimensão simbólica, o que, aliás, já vimos que ocorre no soneto "Madalena" quando Camilo Pessanha se serve das metonímias simbólicas "seios" e "cabelos" em vários passos do poema. Mas nem toda a crítica aceitou este caminho prosseguido pelos simbolistas. Manuel Laranjeira, por exemplo, afirma muito perentoriamente que estes poetas "confundem deploravelmente símbolo com mistério, com tudo o que há de vago e nebuloso". A este "radotage híbrido, desconexo como o fumo", contrapõe os "símbolos de ideias", de modo que a arte seja "inseparável da conceção".15

Esta conceção - cujos pressupostos de natureza positivista, muito em voga na época, se tomam visíveis - vai privilegiar, como é óbvio, a superfície do significado, que seria a dimensão primordial do poema. Ora é essa primordialidade que, como vimos, a escrita dos simbolistas põe precisamente em questão, ao dar, por exemplo, um maior relevo à própria dimensão constituinte das figuras. O vago não o é relativamente a um sentido que se não alcance, mas constitui, pelo contrário, a própria dimensão verbal e retórica em que o sentido ou a sua ausência se produz. Daí a necessidade de referir o poema a esse tecido verbal, onde acabam por se evidenciar vários efeitos semânticos recorrentes como se outros poemas pudessem estar virtualmente presentes no ato de leitura de cada um, o que, numa obra tão breve como a de Camilo Pessanha, atinge especial relevo.

Assim, os dois grandes temas em que se centra o poema "Madalena" - o da mácula e o da morte ou não-ser - entretecem-se com uma emergente consciência de pecado, de desejo e de decomposição, que outros poemas de Camilo Pessanha retomam, nomeadamente "Esvelta surge! Vem das águas, nua", "Vénus", "Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho" e "Roteiro da Vida".

Importa notar, contudo, que este traçado não é algo de exterior que se sobreponha aos poemas; pelo contrário, insere-se e depende da sua própria realidade verbal. Assim, em "Roteiro da Vida" aparecem algumas palavras que - facto pouco vulgar em Camilo Pessanha - se apresentam com as características dos "raros vocábulos" a que se referia Eugénio de Castro nas páginas introdutórias dos Oaristos... "ptomaínas", "putrescina", "cadaverina". Eis a passagem em questão:

Cristalizações salinas,

Mirrai na areia o plasma vivaz.

Não se desenvolvam as ptomaínas...

Que adocicado! Que obsessão de cheiro.

Putrescina: -Flor de lilás.

Cadaverina: -Branca flor do espinheiro!

Ora a decomposição, a diluição que aquelas palavras traduzem ou sugerem coincide com uma certa diluição de sentido que o uso dos "raros vocábulos" implica, pois estes, quando adquirem uma aparência de significação, fazem-no geralmente à custa do próprio desenvolvimento do texto. É aí que eles se centram, evitando, aliás, uma outra espécie de dilatação textual que corresponderia à substituição - que Eugénio de Castro já condenara -desse termo por uma perífrase. Fora da superfície desse texto e como unidades do léxico, é sem dúvida viável explicitar o seu significado; mas o seu modo de significar só no próprio poema poderá ser realmente encontrado.

Chamou-se a atenção para o processo de interceção que se estabelece entre poesias diferentes. Mas poderá haver também uma outra espécie de interceção quando ela ocorre nos limites do próprio desenvolvimento interno dum poema, como é o caso do soneto "Fonógrafo", onde se demarcam planos sucessivos que, embora imageticamente diferenciados, mantêm entre si uma relação fundamental. Outros exemplos poderiam ser aduzidos, desde os sonetos "Paisagens de inverno" até o poema "Na Cadeia", os quais - como foi já referido por Teresa Coelho Lopes16 - preparam de certo modo o intersecionismo que Pessoa, em "Chuva Oblíqua", há de levar até às suas últimas consequências.

Numa carta de Macau, datada de 9 de novembro de 1916 e que Pedro da Silveira publicou,17 Camilo Pessanha refere-se, a partir duma experiência de opiómano - experiência que o será também da própria imaginação ‑, ao "delírio lúcido [...] em que, sem se perder a consciência da situação em que se está, se evoca no espírito, com absoluta fidelidade e nitidez, uma outra situação, em outro lugar e em outro tempo, como se vivessem simultaneamente duas vidas, muito distantes uma da outra". Duas vidas, afinal dois textos que se interseccionam…

Se descêssemos agora ao nível sintático, seria possível referenciar também em Camilo Pessanha alguns aspetos inovadores. Para além dum discurso alusivo, que parece ser a própria substância da sua poesia, importaria dar relevo ao modo como em alguns poemas as palavras se ordenam ou, melhor, infringem uma ordem que seria a mais plausível para se evitar uma ambiguidade que a escrita de Camilo Pessanha, aliás, diretamente assume e recupera:

Oh! Vem, de branco, do imo da folhagem!

Os ramos, leve, a tua mão aparte!

Ester de Lemos já notara que, neste passo, o adjetivo "leve", apesar de concordar com "mão", projeta "algo do seu sentido sobre o substantivo que o precede".18 Por vezes, verifica-se que entre o verbo e o sujeito se colocam vários elementos da frase, o que, como Ester de Lemos também notou, contribui para retardar - ou modificar - a compreensão de todo o poema.19

Ora esta forma de escrita não vem algumas vezes à superfície em Fernando Pessoa, sobretudo na chamada fase simbolista da sua poesia ou, ainda, na do seu heterónimo Ricardo Reis?

Segmentos como "Sob o, disperso pelo ar, / pálido pálio lunar" (E Pessoa) ou "As rosas amo dos jardins de Adónis, / essas volucres amo, Lídia, rosas" (R. Reis) podem exemplificar perfeitamente as inversões, deslocamentos ou intercalações a que Pessoa recorre, embora dum modo bem menos discreto que Camilo Pessanha, para marcar uma antecipação ou mesmo um forte recuo do determinante em relação ao determinado, alterando-se, assim, profundamente as cambiantes significativas que entre eles se estabelecem.20

Por sua vez, essas cambiantes podem acabar por se conjugar com o desenvolvimento do próprio ritmo, o qual sofre desvios bem marcados, provenientes duma livre colocação dos acentos no verso, do recurso a elisões, hiatos, enjambements. Circunstâncias estas que vão marcar um passo mais, quer em direção ao verso livre, que entre o final do século XIX e o início do XX se afirmava, quer à constituição de mais maleáveis e diversificados esquemas prosódicos21, o que igualmente acontecera com os poetas seus contemporâneos da Boémia Nova e de Os Insubmissos, que, sobretudo preocupados com a questão da cesura e da mobilidade dos acentos nos alexandrinos, acabam por promover no verso uma maior ductilidade ou variedade de cadências.

Todos estes aspetos, que, sucessivamente, aqui foram referidos, vêm revelar outros tantos caminhos orientados para uma autêntica inovação em que se empenharam os nossos poetas simbolistas, cabendo a Camilo Pessanha desempenhar, como vimos, um papel que é efetivamente importante e, ao mesmo tempo, cheio de fascínio; mas também representam o grande limiar a partir do qual estas inovações se tornarão mais perturbadoras e radicais com a próxima chegada dos modernistas da geração do Orpheu.

"Camilo Pessanha e os caminhos de transformação da poesia portuguesa",

Fernando Guimarães. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 60, Mar. 1981, p. 31-39.

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(1) Carta a Camilo Pessanha (1915?), in Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, ed. preparada por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa. s. d., p. 359.

(2) Op. cit., pp. 357-361.

(3) Cf. a nota que acompanha os vinte sonetos Alma Póstuma, dum poeta também ligado ao novo movimento, D. João de Castro, publicados na Revista de Portugal (vol. III, Porto, 1890 pp. 306-318), na qual se faz referência aos tão discutidos alexandrinos trímetros: "Alguns versos de este poemeto são acentuados à maneira da Escola Decadista francesa, oferecendo assim diversas variações de ritmo. Em Portugal, onde só a antiga maneira de Verlaine tem sido apreciada numa ou noutra versão (de G. Crespo, por exemplo), os processos artísticos de essa Escola representam, por enquanto, uma tendência, não consagrada." O contacto dos jovens escritores de então com a cultura literária europeia tornou-se efetivo, sendo comuns as referências aos escritores simbolistas da época ou a revistas, desde La Revue Blanche à La Jeune Belgique. Alberto de Oliveira refere que os livros dos autores ligados ao Simbolismo "foram lidos em Coimbra ao mesmo tempo que em França. [...] Íamos à gare esperar os caixotes de Paris que nos traziam os livros novos" (Pombos Correios, Coimbra, 1913, p. 198). Este alargamento cultural tomou-se ainda mais vivo com a publicação de Arte (1895-6) que se apresenta como uma “revista internacional” com diversa colaboração de autores estrangeiros – desde Verlaine a Saint-Pol-Roux – acompanhada de circunstanciado noticiário literário relativo a diversos países.

(4) Aoristos, Coimbra, 1890, pp. V-VIII. No Jornal do Comércio (19-2-1892), Eugénio de Castro também refere: "Fui eu o primeiro, em Portugal, a empregar o verso livre, a mobilização das cesuras no alexandrino e a aliteração; fui eu o primeiro a nacionalizar a balada e o rondei franceses; a renovar o verso, tão nacional! de onze sílabas; a empregar a sugestiva expressão simbólica, reagindo contra a expressão direta dos parnasianos; a dar uso às rimas preciosas e aos vocábulos raros: o primeiro a fazer, em suma, o que é hoje feito por todos."

(5) "Dramaturgia", in Revista de Hoje, n.º 3, Porto, 1895, p. 96.

(6) "Dos Novos e da sua Poesia", in Os Novos, n.ºs 1, 2 e 3, Coimbra 1893-4.

(7) Alberto de Oliveira, crítica a Gouaches de João Barreira (Revista de Portugal vol. IV, 1892, p. 682).

(8) Carlos de Mesquita, "O Conde Robert de Montesquiou-Fezensac" (Arte, n.º 3, Coimbra, 1896, p. 119).

(9) Júlio Brandão, crítica a Alva, de Alberto Pinheiro (Revista de Hoje, n.º 3, 1895, p. 116)

(10) “A poesia moderna no seu grande passo para a música, quer tenha riquezas orquestrais, quer vaga e melodicamente linda, deveria talvez para auxiliar o leitor geral ler, como os papeis de solfa, certos sinais que indicassem o andamento, a intensidade do som, o embalo do ritmo…” (Revista de Hoje, n.º 5-6, 1895, p. 213.)

(11) "O Conde Robert de Montesquiou-Fesenzac", cit. supra, pp. 107-120.

(12) p. 21. Antes de 1891 - a data mais provável deste opúsculo - saíra de Camilo Pessanha em várias publicações pouco mais que uma dezena de poemas; só em alguns deles – como, por exemplo, “Estátua”, publicado em O Novo Tempo, de Mangualde (10-01-1890) – e que, superficialmente, se poderia encontrar algumas influências do Parnasianismo, o que terá servido de precária base ao juízo em questão.

(13) Na transcrição do poema mantém-se a pontuação - exceto no fim do 10º verso, a que se acrescentou uma vírgula – com que aparece na revista O Intermezzo, a qual não coincide com a da edição da Clepsidra e Outros Poemas preparada por João de Castro Osório (Lisboa, 1969).

(16) Clepsidra de Camilo Pessanha, Lisboa, 1979, pp. 24, 71 e 106.

(17) "Duas cartas inéditas de Camilo Pessanha" / Pedro da Silveira. In: Revista Colóquio/Letras. Documentos, n.º 29, Jan. 1976, p. 44-59.

(18) A Clepsidra de Camilo Pessanha, Porto 1956, pp. 109-114; cf., também, a ob. anteriormente citada de Teresa Coelho Lopes, p. 74.

(19) Op. cit., p. 107.

(20) O valor do hipérbato, anástrofe ou tmese - as figuras retóricas em questão - no contexto da poesia de Pessoa foi abordado pelo autor em Linguagem e Ideologia, Porto, 1972, pp. 120-122. Note-se que em Eugénio de Castro este processo já se pode detetar sob uma forma ostensiva: “sob as cor de mosto vesperais olaias.” Mas noutros simbolistas também aparece: “A vossa alvura espiritual, e as anemias / De, ó Mártires, o amor dos beijos esquecerdes” (António de Oliveira Soares, Exame de Consciência, Coimbra, 1890, p. 47).

(21) Uma abordagem bem fundamentada e sugestiva da prosódia de Camilo Pessanha foi realizada por Costa Pimpão (Gente Grada, Coimbra, 1952, p. 163 e ss.), por Celso Cunha (“Sobre o decassílabo de Camilo Pessanha”, in Língua e Verso, Rio de Janeiro, 1963) e, dum modo mais desenvolvido, por António Coimbra Martins (“Subsídios para o Estudo da Poética Simbolista – o Decassílabo de Camilo Pessanha”, in III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. I, 1959; “Pessanha a Metro”, in suplemento literário de O Comércio do Porto, 10-X1967; “De Castilho a Pessoa – Achegas para uma Poética Histórica Portuguesa”, in Bulletin des Études Portugaises, tomo XXX, 1969).

O léxico de Pessanha (Barbara Spaggiari, 1982)

A mais antiga poesia de Pessanha, («Lúbrica»), denuncia logo a partir do título a procura de vocábulos de efeito, já caros ao romantismo tardio (além de lúbrica, cf. o v. 12 e 52 luxúria e o v. 26 delírio). Toda esta composição juvenil (depois reduzida e reelaborada por Pessanha em «Desejos») é caracterizada por um tom hiperbólico e forçado, e pela tentativa de suprir com um léxico extremista a carência de matéria poética: a mulher aparece como uma «antiga fada», que incendeia a fantasia do poeta (A saia transparente de alva seda, / E medito no gozo que promete / A sua boca fresca, pequenina, / E o seio mergulhado em renda fina, / Sob a curva ligeira do corpete; A sua carne branca e palpitante). Hiperbólico é o desejo, um «tropel infinito», que passa pela mente «em nuvem densa»; exagerada a vontade de «sorvê-la em grandes beijos», ou de «estreitá-la de rijo» entre os braços, num «transporte de gigante». Pertence ao exotismo de estilo o quadro oriental («da Ásia nos bosques tropicais»), conotado apenas pela presença de «palmeiras colossais» e por uma serpente de músculos «hercúleos».

Não é por acaso, porém, que esta adesão ao pior gosto da época se revela breve e limitada à primeira composição do poeta; dela encontramos apenas alguns traços nas obras seguintes: alvinitente (em rima ao v. 2 de «Esvelta surge!…») corresponde a auriluzente de «Lúbrica» (v. 18); ou ainda delíquios (em «Crepuscular», v. 7), que pertence ao mesmo registo de delírio, já citado em «Lúbrica»; e, finalmente, vocábulos como hidra («Esvelta surge!…», v. 9), ou quimera («Olvido», v. 9) evocam uma mitologia toda literária, não ainda revivida magistralmente como no díptico «Vénus».

Aparentemente ligada ao gosto da época é também a terminologia heráldica a que obedece o soneto «Tatuagens complicadas do meu peito»: v. 2 troféus, emblemas, dois leões alados, v. 5 brasão e quartel, v. 9 timbre e rompante, v. 10 divisa. A este denso grupo de tecnicismos, servem de coroa o ouro dos besantes (v. 14) e o broquel (v. 8), que remetem, um para o gosto pelos metais e pedras preciosas 64, e o outro para a predileção por certos aspetos do passado, medieval e não só 65.

Mas a poesia «Tatuagens…» testemunha uma outra tendência que aflora aqui e ali na obra de Pessanha, isto é, a tomada de setores especializados do léxico e a adoção de tecnicismos, por vezes de particular impacte. Na linguagem agrícola (a poda, a cava e a redra, no v. 14 de «Porque o melhor, enfim», mas sobretudo no âmbito da medicina e da química: o escalpelo para dissecar os cadáveres em «Estátua» (v. 2) e o mármore anatómico de «Madalena» (v. 11); a anemia que embranquece as mãos da mulher em «Crepuscular» (v. 13); a hemoptise para indicar o vermelho sanguíneo em «Poema Final» (v. 2); e, por último, a esplêndida série plasma vivaz (v. 2), ptomaínas (v. 3), putrescina (v. 5) e cadaverina (v. 6) na última parte de «Roteiro da Vida».

Num total de cinquenta e seis poesias conhecidas, estes elementos ― uns demasiado penetrados pelo gosto decadentista, outros rigorosamente ligados a uma terminologia técnica ― evidenciam-se para além da sua escassa quantidade objetiva porque estão em contraste estridente com a verdadeira índole do léxico de Pessanha. Uma vez que, nas suas bases teóricas, a poesia se deve inspirar na realidade e reproduzir a beleza através da verdade, Pessanha adota um vocabulário de tipo prosaico e coloquial. O desvio poético ― para utilizar o conceito de Roland Barthes ― dá-se no plano da escolha lexical, selecionada e restringida a poucas constelações semânticas, que insistem no compacto núcleo temático a que Pessanha permanece sempre fiel (segundo a sua convicção de que a obra poética deve ser unitária e coerente na inspiração). […]

Nas descrições de paisagem, opõem-se dois registos diferentes, um ligado a fins de outono melancólicos e brumosos (brejo, charneca, juncais, paul, lago), a imagens familiares (colina, jardim, erva, prado, pomar), às asperezas metafóricas da vida (rocha, rochedo), e o outro, ao deserto com a sua luz ofuscante, aos cenários tropicais com as óbvias palmeiras, entrevistos ambos da amurada do navio em viagem entre Lisboa e Macau.

Diferente é, naturalmente, a luz, ora atenuada, crepuscular, ténue (até à obscuridade e às trevas)71, ora violenta, cegante, resplandecente (capaz de aturdir, como no deserto, ou de purificar72, como sobre a areia do mar). Ela pode velar a realidade, tornando-se incerta, esfumando-lhe os contornos, ou então reavivá-la cruamente, com um relâmpago inesperado (fulgurações).

À oposição «luz-sombra» corresponde, num outro plano percetivo, a série fresca, frescar, frescura, fria, frieza, gelado, gelo, glácido, álgido, contraposta à série arder, ardidos, acesos, chama, incendiado, incendidos, queimar, queimada.

Sempre no âmbito descritivo, examinando elementos potenciais da paisagem (astros, animais, plantas e flores), confirma-se a seletividade do léxico de Pessanha, que tende a recortar setores precisos do inventário linguístico. Por aquilo que diz respeito aos astros, o sol (como a luz ofuscante) pode ferir o olhar, ou enxugar as impurezas, ou ainda mitigar os sofrimentos com um brando sorriso: em todo o caso, nunca entra nas poesias de Pessanha como puro elemento paisagístico, antes vem descrito indiretamente, pelos efeitos que produz na alma do poeta. Os outros vocábulos do mesmo registo (astros, estrelas, lua, luar, nebulosa) evocam todos paisagens noturnas, onde as trevas circundam pequenas e trémulas luzes.

Entre os animais, excetuando a águia e o leão que são figuras heráldicas, os passaritos e a exótica serpente de «Lúbrica» pouco têm a ver com as cobras e as serpes que povoam troços de desolação e ruína, bem mais consonantes com a sensibilidade do poeta. O qual, para se definir a si mesmo, escolhe duas comparações pouco lisonjeiras: o verme que desaparece pela terra («Inscrição»), e o pobre cão que manifesta humildemente a sua gratidão («Em Um Retrato»).

Bem mais rico e articulado é o léxico reservado à flora, que abrange uma gama bastante extensa. Vai desde os termos mais genéricos (como arvoredo, bosques, silva, silvados, folhagem, folhedo, além dos óbvios flor, florir, floração), a tipos particulares de vegetação (alameda, espinheiro, macieiras, olmos, ortigas, palmeiras, vinha); de vocábulos que designam simples detalhes (corola, espinho, pétalas, rama, ramos, troncos), a uma densa nomenclatura de flores e plantas: amor-perfeito (reproduzido no brasão nobiliárquico), anémonas, camélia, dália, girassóis, hidrângeas, jasmim, junquilhos, lilás, liliáceas, lírio, lis, madresilvas, murta, rosa, silindras, violetas. […]

Por último, desejaríamos pôr em relevo ainda duas constelações semânticas de largo emprego nas poesias de Pessanha. Sabemos que a procura da musicalidade constitui um dos eixos da sua técnica estilística. Por isso não admira que um setor do seu léxico seja dedicado aos sons em geral e à música. Trata-se, obviamente, de sons sufocados e em surdina (murmúrio, murmurar, parlenda), de instrumentos surdos e submissos (viola, violoncelo); mas há também o trilar da flauta, os gorjeios e os estribilhos do clarim ou, para usar as palavras do próprio Pessanha, festões de som, que assumem os contornos ora de uma barcarola, ora de um minuete; ou confiam-se à voz humana para entretecer uma fastidiosa lengalenga, para cantar ladainhas com vozes senis.

As litanias permitem-nos exatamente transferir a atenção para uma outra área lexical frequentada por Pessanha, menos vistosa, mas extremamente compacta. Ela inclui abençoar, ajoelhar, batizar, beguina, bênção, blasfemar, crença, crente (e crer), Deus, devoção, hóstia santa, oração, pecado, pagão, penitente, prece, requiem, rezar, rosário. Esta apreciável série de vocábulos testemunha um filão de religiosidade nunca acalmada (ainda que recusada ― como outra ilusão ― a nível racional), que regressa à luz de maneira dominadora nas duas últimas poesias compostas por Pessanha: os sonetos de imitação satírica.

O simbolismo na obra de Camilo Pessanha, Barbara Spaggiari. Lisboa, ICALP, 1982.

Coleção Biblioteca Breve - Volume 66, pp. 103-105, 110-111, 114.

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(64) Cf. também oiro e prata em «Tatuagens…», vv. 5 e 7; os alabastros dos balaústres em «Violoncelo», vv. 19-20; alva porcelana em «Vénus II», v. 5.

(65) No mesmo registo, cf. também Fulgiam nuas as espadas frias e Voltavam os ramos das romarias (em «Foi Um Dia de Inúteis Agonias», vv. 3 e 7); seteiras v. 1, bandeiras v. 3, tocar a rebate v. 5, De cota e elmo e a longa espada v. 8, divisas e legendas v. 12 (todos em «Castelo de Óbidos»).

(71) Cf. crepúsculo, crepuscular, apagar, anoitecer, escuro, escuridão, noite, treva.

(72) Cf. clarão, deslumbramento, resplandecente, rútila, fúlgida.

Realismo e simbolismo em Clepsidra (João Camilo, 1984)

[…]

2. Grande parte dos poemas de CLEPSIDRA apresenta-se-nos como a narração de uma atitude, de uma forma de comportamento, de uma descoberta ou de uma constatação, de um acontecimento ‑ particulares, mas sem precisões que os situem claramente e que os expliquem de maneira perfeita; mais evocados, como acontece frequentemente em poesia, do que descritos de maneira exaustiva; e significativos, porque o simbolismo invade o poema e eleva o que é «contado» à qualidade de visão do mundo, de ponto de vista sobre a experiência. Por vezes, também, o poema apresenta-se como uma invocação: o sujeito do poema dirige-se a alguém ou a si mesmo, a um sentimento ou a uma realidade espiritual interroga, exprime um desejo, lamenta-se. A vida interior, o debate consigo mesmo, não deixam de ser, na maior parte dos casos, o principal centro de organização do poema; mas a relação de uma subjetividade com o mundo exterior, a tentativa de entrar em contato com uma realidade diferente de si são igualmente (e é natural) constantes. Mesmo um poema como Porque o melhor enfim, se faz o elogio da morte, deixa transparecer, na maneira como a opõe à vida que pretende desprezar, uma capacidade de falar dessa vida, de a evocar, que é suspeita. Recusando a existência, Camilo Pessanha exprime ao mesmo tempo a nostalgia dessa existência. A sua recusa é a recusa de um amor impossível de satisfazer e trai antes de mais nada a lucidez, o desejo de não se deixar iludir pelo que (a experiência demonstrou-o) não vale a pena ou lhe está vedado. Daí o sofrer que acompanha, quase sempre, mesmo se apenas em surdina, a atitude de renúncia.

[…]

5. De que maneira é que a poesia de Camilo Pessanha fala da pessoa? Que realidades (que aspetos ou que parte da realidade) estão presentes ou são evocados em Clepsidra? Tentaremos responder agora a estas perguntas.

Por «pessoa» entendemos não só o sujeito dos poemas, mas também os outros, aqueles a quem este sujeito se dirige ou que ele evoca, com quem manteve ou mantém relações.

O uso do nome próprio é raro, mas aparece em Madalena. Num outro poema encontramos a alusão direta à «Doce Infanta Real» (Castelo de Óbidos). Na realidade tanto a figura da Madalena como a da Infanta são evocadas como símbolos: a primeira, como símbolo do sofrimento e da humilhação, permite ao sujeito do poema exprimir a sua própria vontade de sofrer (Cesário Verde também escreveu em Sentimento dum Ocidental: «Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.» ‑ mas referia-se às «sombras», ao «bulício», ao «Tejo», à «maresia» ); a segunda, citada num poema em que se evocam com nostalgia cenas de luta heroicas e ideais antigos de façanhas guerreiras, é também um símbolo dessa realidade perdida, dos sonhos de heroísmo e da época de oiro da pátria (ver Óscar Lopes, História Ilustrada das Grandes Literaturas, Literatura Portuguesa, p. 382). A evocação de Madalena e a da Infanta Real não diferem, pelas razões que acabamos de evocar, da alusão, simbólica também, às almas «de guerreiros, de santos, de poetas», no soneto II de San Gabriel.

O que mais conta para Camilo Pessanha é frequentemente o valor social (em sentido lato) da pessoa, e nomeadamente a profissão, o papel que desempenha na estrutura das relações humanas (sociais, familiares, afetivas), o caráter de personagem histórico à volta do qual se cristalizaram certas conotações afetivas, morais, sociais. A poesia de Camilo Pessanha parece preferir os «tipos» aos indivíduos e as situações típicas às situações originais e bem individualizadas. Mas o problema pode ser visto de outro ângulo: é porque só lhe interessa o que há de essencial em cada situação (e o essencial é tudo o que remete para os valores, problemas e sentimentos humanos fundamentais) que o poeta afasta tudo o que, criando um particularismo excessivo, tornaria mais difícil a compreensão do essencial, daquilo que interessa todos os homens porque a todos os homens diz igualmente respeito. Poesia, então, de lugares comuns? Sim, mas em certo sentido apenas, pois Camilo Pessanha, se privilegia os valores essenciais, não menospreza totalmente as circunstâncias em que esses valores são postos à prova ou se põem em cena. Mas tentemos ver como é que as coisas se passam e demonstrar as, afirmações que fazemos.

Em poemas como Estátua, Olvido, No Claustro de Celas, Paisagens de inverno II,Desce em folhedos tenros, Floriram por engano as rosas bravas, por exemplo, o sujeito do poema propõe-se-nos claramente e exclusivamente como aquele que ama e que evoca as suas relações com a mulher amada (ou com a imagem da mulher amada). É verdade que as circunstâncias evocadas são distintas e que o quadro em que decorre a ação de cada poema não é exatamente nunca o mesmo; mas todos os poemas citados falam de uma maneira ou de outra, apenas do amor e, mais do que isso ainda, do amor frustrado. As vagas explicações que por vezes nos são dadas, bem como a evocação de circunstâncias em si distintas, não introduzem elementos que permitam ver o sujeito do poema e a mulher amada como pessoas inteiras, com outras preocupações e outros problemas; tanto ele como ela são caraterizados e apresentados apenas como o amador e a amada. E é a relação de amor (de amor impossível) e só da que estes poemas põem em cena, embora a partir dela o sujeito dos poemas seja levado a pôr-se o problema da própria existência.

A mesma tendência subsiste nos poemas que se referem a outra realidade e não ao amor. Os sonetos de Caminho evocam a figura do companheiro. Não um companheiro preciso, que um dia realmente se encontrou num caminho preciso e a quem se atribuem qualidades, traços físicos e morais particulares que fariam dele um indivíduo; mas apenas, simbolicamente, o companheiro, isto é, uma figura típica que todos nós devemos conhecer. O próprio caminho aparece como um «caminho» simbólico pelas mesmas razões: ausência de precisões que façam dele um caminho determinado, por onde numa situação precisa se passou. O mesmo se poderia dizer do vinho, tomado como bebida simbólica, alimento e néctar que avigora e fortalece a coragem.

Este assunto merecia uma análise exaustiva. Contentemo-nos, porém, em assinalar rapidamente outros casos em que se manifesta a tendência a referir-se a tipos e símbolos mais do que a indivíduos, a situações típicas e simbólicas mais do que a situações bem particularizadas. Já evocámos a alusão às almas «de guerreiros, de santos, de poetas» (San Gabriel II); podíamos evocar também os «mortos da batalha» (Depois da luta); os «puríssimos lidadores» (Castelo de Óbidos); os «bandidos presos» (Na cadeia), o «soldado» (Rufando apressado), a figura daquele que vai embarcar (Canção da partida e Roteiro da vida), a do «mareante» e a do «maquinista» (Roteiro da vida), a do «marujo» (Canção da partida). Na realidade, grande parte dos poemas de CLEPSIDRA põe em cena uma situação típica e simbólica: a partida, a conquista, a luta, a viagem, o caminho; o desengano, a frustração, a derrota, a melancolia, a nostalgia, o desejo de morrer, etc. A própria figura da mãe, evocada em Quem poluiu..., aparece como uma figura simbólica: nenhum pormenor que nos permita saber o que é que distinguia a mãe do sujeito do poema de outras mães; o que o poeta evoca é a própria ideia da mãe e tudo o que no espírito do leitor está associado a esta ideia.

Deve sublinhar-se, no entanto, que Camilo Pessanha não se refere à amada nem ao amador com as palavras que nós utilizamos aqui; este processo, que consiste em evocar a pessoa designando-a por uma das suas qualidades, tomada como essencial, é útil quando se evoca rapidamente o «guerreiro», a «mãe», o «soldado», o «preso», etc.; mas não é suficiente quando se pretende descrever ou sugerir a complexidade do próprio amor e daqueles que se amam (ou se amaram ou pensaram que se amaram). É porque o amor ocupa uma posição de privilégio na poesia de Camilo Pessanha que a sua evocação é sempre mais complexa e mais diversificada, embora se possa pensar que é por pudor que o poeta prefere evitar expressões como «a amada» ou outras semelhantes (mas em floriram por engano, por exemplo, encontramos a expressão «meu bem). As qualidades ou características do amador e da amada são diversas e nem sempre é possível resumi-las numa fórmula (o mesmo se pode dizer do próprio amor); o poeta prefere evocar as situações de amor ou de frustração do amor evitando as palavras que mais facilmente as resumiriam para deter-se nas circunstâncias, na paisagem, nos sentimentos que acompanharam a sua recordação. É a própria ideia do amor que em vez de ser referida diretamente se vê expressa de maneira diversificada pela evocação ou expressão na memória, da nostalgia, da dor, da imaginação, da felicidade ou da infelicidade, da ilusão, da frustração, etc. E parece-nos sintomático que Interrogação se inicie com a frase «Não sei se isto é amor», frase que o resto do poema continua a debater, pois ela confirma de certo modo a impossibilidade em que se encontra Camilo Pessanha de falar de amor de maneira simples, direta, clara, de resumir este sentimento numa fórmula.

A poesia de Camilo Pessanha, porém, não se limita a evocar a «pessoa» designando-a pelo que ela tem de «tipo» ou pelo «papel» que lhe cabe desempenhar na estrutura social e nas relações com as outras pessoas. Num caso pelo menos Camilo Pessanha fala (duas vezes) do «nome» da amada; mas não cita esse nome «delido» e «vulgar» (No Claustro de Celas), o que prova de novo que o que conta é a situação evocada e a figura evocada no que elas têm de redutíveis à experiência comum, aos valores da comunidade em que se integram o escritor e o leitor.

Muitas vezes o sujeito do poema fala de si e dos outros atribuindo-se ou atribuindo-lhes da maneira mais direta certas qualidades, estados de espírito, traços de comportamento, ou definindo-se e definindo-os pelo agir. Lemos, por exemplo: «Eu vi a luz em um país perdido (Inscrição); «Tenho sonhos cruéis» (Caminho I); «Cansei-me de tentar o teu segredo» (Estátua); «Desce por fim sobre o meu coração / O olvido» (Olvido); «Esvelta surge! Vem das águas, nua» (Esvelta surge).

Por vezes, em vez de afirmar, o sujeito do poema interroga: «Em que cismas, meu bem?» (Floriram por engano); «Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho, / Onde esperei morrer, ‑ meus tão castos lençóis?» (Quem poluiu); «Quando iremos, tristes e sérios, / Nas prolixas e vãs contendas, / Soltando juras, impropérios, / Pelas divisas e legendas?» (Castelo de Óbidos).

Os sentimentos e as realidades do espírito são em certos casos invocados como se tivessem uma existência própria independente da pessoa; ou o sujeito do poema dirige-se aos objetos como se eles tivessem vontade e consciência próprias. Alguns exemplos: «Águas do rio (...) / Para onde levais meu vão cuidado?» (Paisagens de inverno II); «Onde ides a correr, melancolias?» (Paisagens de inverno II); «Porque vos fostes, minhas caravelas, / Carregadas de todo o meu tesoiro?» (Depois da luta); «Imagens que passais pela retina. / Dos meus olhos, porque não vos fixais?» (Imagens que passais); etc.

A par destas tendências descobrimos uma outra, bem característica da poesia de Camilo Pessanha; por sinédoque, uma parte da pessoa ou uma parte do seu corpo é tomada pela pessoa inteira; mas a parte assim isolada e posta em evidência trai em geral uma intenção e a escolha justifica-se pelo contexto. A palavra alma é utilizada umas catorze vezes; a palavra corpo propriamente dita, apenas, umas quatro. Mas, por um lado, a referência frequente às diversas partes do corpo torna esta diferença menos significativa; e por outro a oposição corpo/espírito é em geral mais aparente do que real, pois ao referir-se aos «olhos» ou às «mãos», por exemplo, o poeta tem frequentemente mais em vista a realidade psicológica do que a realidade física.

Sabe-se quais são em geral os sentidos atribuídos à palavra alma: a alma é «le principe de la sensibilité et de la pensée» e opõe-se ao corpo, mas é também um sinónimo de espírito, independente do corpo, e é nesta aceção que é utilizada pela linguagem religiosa (ver P. Foulquié et R. Saint-Jean, Dictionnaire de la Langue Philosophique, P.U.F., Paris, 1978, pp. 22-23). O uso que Camilo Pessanha faz da palavra alma não infringe as regras do senso comum, que de maneira geral parece atribuir os dois sentidos à palavra: a alma é o espírito distinto do corpo, centro ou princípio ou consciência do ser; mas no conceito de espírito inclui-se frequentemente) sem que seja necessário sublinhá-lo, a noção de «princípio da sensibilidade e do pensamento». Apesar disso é possível distinguir os casos em que o poeta se refere à alma essencialmente enquanto princípio ou centro da sensibilidade e do pensamento, daqueles em que ele tem em vista o uso que do vocábulo faz a religião ao aludir à «imortalidade da alma» (a palavra é aqui sinónimo de espírito enquanto realidade distinta do corpo e que lhe sobrevive).

Nos exemplos a seguir a alma aparece essencialmente como centro da sensibilidade e do pensamento (sem que se possa afirmar que a noção mais geral de espírito está ausente): «Tenho sonhos cruéis; n'alma doente / Sinto um vago receio prematuro.» (Caminho I); «Eu não sei que mudança a minha alma pressente... » (Interrogação). Noutros casos, mais frequentes, a palavra alma parece trair a influência da educação religiosa, pois é utilizada com um sentido muito próximo daquele que lhe dá a religião: «Porque a dor, esta falta d'harmonia, / Toda a luz desgrenhada que alumia / As almas doidamente, o céu d'agora, / Sem ela o coração é quase nada» (Caminho l); «Fulgem as velhas almas namoradas.../ ‑ Almas tristes, severas, resignadas,/ De guerreiros, de santos, de poetas.» (San Gabriel ll); «Oh vem! de branco! Do imo do arvoredo!/ Alma de silfo, carne de camélia...» (Desce em folhedos); «Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais/ Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,/ De noite a mendigar às portas dos casais.» (Quem poluiu, quem rasgou); «Ó céus claros e amenos,/ Doces jardins amenos/ Onde se sofre menos,/ Onde dormem as almas!» (Branco e vermelho); «Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,/ Que toda a noite errais, doces almas penando), (Poema final). Mas a alma é também, simplesmente, o espírito, sem que a influência do universo de crenças religiosas (ou a evocação dessa realidade) se faça realmente sentir: «Deixai-me chorar mais e beber mais,/ perseguir doidamente os meus ideais,/ E ter fé e sonhar ‑ encher a alma.» (Caminho III); «Segredo dessa alma e meu degredo/ E minha obsessão!» (Estátua); «O inane, vil despojo/ Da alma egoísta e fraca!» (O meu coração desce). O uso metafórico da palavra alma na expressão «a alma das cornetas» (Fonógrafo) nada acrescenta ao que acabamos de ver, mas mostra bem que a alma é o centro por excelência do ser, a parte da pessoa sem a qual o corpo seria pura matéria.

A palavra corpoaparece, como assinalámos, em vários poemas: «Podes! corpo, ir dormir no teu caixão» (Olvido); «E o meu brasão... Tem de oiro, num quartel/ Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela, / Em campo azul, de prata o corpo, aquela /Que é no meu braço como que um broquel.» (Tatuagens complicadas);«Lírios, lírios, águas do rio, a lua…/ Ante o seu corpo o sonho meu flutua/ Sobre um paul, ‑ extática corola.» (Fonógrafo); «Recortes vivos das areias, // Tomai meu corpo e abride-lhe as veias... » (Roteiro da Vida II); «( Seus pobres corpos nus/ Que a distância reduz/ Amesquinha e reduz// Nofundo da pupila)» (Branco e Vermelho). O corpo é distinto do espírito ou o seu contrário. É no corpo e pelo corpo que existimos (e em particular aos olhos dos outros), mas o corpo é também o fardo a transportar, a carne onde o sofrimento se torna «visível», a prova da nossa condição mortal (os sonetos de Vénus, com a referência ao «cheiro a carne que nos embebeda», chamam precisamente a atenção, de forma bastante violenta, para a natureza mortal do corpo; corpo de que se descrevem as diversas partes para melhor sublinhar a desagregação).

A palavra sangueou os seus derivados são empregues em condições semelhantes: «Quem também fosse, ó cabelos de rastos,/ Ensanguentado, enxovalhado, inútil,// Dentro do peito, abominável cómico!» (Madalena); «Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,/ Ó Madalena, ó cabelos de rastos» (Madalena). O sangue aparece neste exemplo como indício e símbolo do sofrimento ‑ físico) mas também moral. A metáfora «(aljôfar cor de rosa viva» (Desce em folhedos) permitirá evitar à palavra sangue num contexto que se pretende idílico; prova, parece-nos, de que a ideia de sangue se associava no espírito de Camilo Pessanha à ideia de violência, de força vital excessiva. É isso que explica as «mãos tão brancas de anemia» (Crepuscular) associadas à ideia de «olhos meigos de tristeza» (Crepuscular).Perder o sangue, porém, é também uma maneira de purificar-se, como o indicava o poema de Roteiro da vida que citámos há pouco: «Recortes vivos das areias,/ Tomai meu corpo e abride-lhe as veias.../ O meu sangue entornai-o,/ Difundi-o, sob o rútilo sol,/ Na areia branca como em um lençol,/ Ao sol triunfante sob o qual desmaio!» (Roteiro da vida II). Mas como perder o sangue equivale a morrer, a ideia de purificação (associada, sobretudo em Madalena, à ideia de sofrimento físico e moral) aparece também estreitamente ligada à ideia da morte ‑ purificação absoluta e definitiva, pois nos livra de todos os males da existência. O terceiro poema de Roteiro da Vida deixa transparecer nitidamente esse desejo de se libertar definitivamente do corpo.

A palavra coraçãoé empregue umas quinze vezes. O coração é considerado como o centro da afetividade e da sensibilidade, mas é também o órgão vital por excelência. É com estes sentidos que aparece em Camilo Pessanha, em geral ligado à ideia de tristeza, de esquecimento, de dor, de sofrimento. Mas um poema evoca o coração como «taça de venenos (...) sempre em revolta» a quem a parte racional da pessoa aconselha que permaneça «quietinho» (Na cadeia); maneira de sublinhar o contraste entre o desejo de viver e a impossibilidade de encontrar uma maneira de fazê-lo. Num outro poema o coração desce como «um balão apagado» ou como «um caixão à cova» e o sujeito desse poema revolta-se, pois preferia vê-lo rebentar «de dor violenta e nova» a assistir à desistência. Nesse mesmo poema (Omeu coração desce)o coração é apresentado com desprezo e inconformismo como «O inane, vil despojo/ Da alma egoísta e fraca!», prova de que o sujeito do poema detesta a monotonia e a desistência e prefere a luta e a revolta. O uso repetido da palavra coração, em que se poderão descobrir vestígios da linguagem popular, assinala para nós a importância da afetividade e do sentir na poesia de Camilo Pessanha. Mas o uso da palavra alma já nos tinha levado a compreender a importância da vida espiritual e da sensibilidade na poesia que analisamos; o que agora descobrimos apenas confirma e alarga o sentido desta constatação.

Os olhos, o olhar, o ver, ocupam também uma posição de relevo na poesia de Camilo Pessanha. Podiam apresentar-se aqui mais de vinte casos em que se demonstra o que afirmamos, mas contentemo-nos em registar alguns exemplos. Estátua permite-nos compreender que o olhar, os olhos, são por um lado um espelho da alma, porta de acesso ao segredo da existência alheia, e por outro o meio de que dispomos para descobrir o mistério que a existência (física, opaca) dos outros nos opõe e esconde (ver também Floriram por engano as rosas bravas). Estes poemas apresentam, porém, o conhecimento do segredo do outro como impossível e confirmam a incapacidade de amar e de viver que outros passos de CLEPSIDRA frequentemente afirmam. Os olhos são, apesar disso, um espelho da alma, e é para caracterizar um estado de espírito determinado que o sujeito do poema evoca os seus olhos «cansados» (No Claustro de Celas, Paisagens de inverno), os olhos «incendidos que o pecado/ Queimou» (Paisagens de inverno), os olhos «febris», os olhos «abertos e cismando» (Paisagens de inverno). O cansaço é consequência tanto das tentativas sucessivas e infrutíferas de amar e de conhecer como da própria tristeza e da dor; a febrilidade é indício da paixão e do ardor; o «cismar» introduz a recordação e a paz, mas também uma forma de resignação e a nostalgia que a acompanha. Os olhos «baços» e «turvos de lágrimas contidas» (Quando voltei) por que passam as imagens sem se fixar são ainda um «espelho inútil» e a «aridez de sucessivos desertos» (Imagens que passais) ‑ lugar onde se reflete o vazio da existência, a impossibilidade de reter o que o tempo voraz leva consigo) a dor que daí resulta. O olhar da amada não é apenas o espelho possível da sua alma, mas um lugar de abrigo quando a dor «fere»; e o olhar daquele que contempla a amada não se limita a ser o meio de interrogá-la e de tentar penetrar o seu mistério, pois pode também (mas não o faz…) deter-se na curva do seu seio e dar origem ao desejo (ver Interrogação). O olhar suave e triste da amada é ao mesmo tempo razão de tranquilidade e de uma vaga inquietação. E tal como o coração, também os olhos, cansados, acabam por apagar-se um dia, levando o sujeito do poema a desejar vê-los afogar-se «Na vã tristeza ambiente» e a derramar-se «Como a água morrente» (Agua morrente) ‑ maneira de dar forma ao desejo de renunciar depois de ter lutado, de desaparecer confundindo-se com a própria realidade exterior. Os olhos são também a parte da pessoa que pode sobreviver à morte do corpo e que «atravessando o mar» vão agradecer um amigo (Em um retrato), prova desnecessária mas interessante das relações que ligam os olhos e a alma ou o espírito. Em Porque o melhor enfim, em Branco e vermelho e no Poema final os olhos aparecem essencialmente como o meio que permite estabelecer um contato com a realidade exterior, verdadeira porta de acesso a essa realidade. Mas em Branco e vermelho a violência da dor, como uma luz excessiva, faz «perder a vista) e provoca o esvaimento; e a realidade exterior transforma-se num «deserto imenso (...)/ Resplandecente e imenso», em que o sujeito do poema se dilui numa «delícia sem fim». Em Porque o melhor enfim faz-se o elogio do não ver para melhor sugerir a paz total que a morte traz consigo. O Poema final retoma a mesma ideia ao aconselhar àquilo que só tem existência virtual que renuncie a velar e a cismar.

A referência às pálpebras que «tremem» de medo e de dor (Branco e vermelho) e às pálpebras cerradas ou a cerrar (Porque o melhor enfim e Poema final) deve ser vista em relação com o uso das palavras olhos, olhar, ver, contemplar, etc. A palavra fronte permite sobretudo exprimir a ideia da tranquilidade da morte: a «fronte já sem rugas» do corpo que repousa no caixão (Olvido); as «frontes calmas» daqueles que se esvaem e morrem de dor e sofrimento (Branco e vermelho); as «frontes cor de cidra» dos abortos (Poema final) As feições «distendidas (...) na imortal serenidade» (Olvido) sublinham a mesma ideia. Do mesmo modo, a referência ao peito pode ser assimilada ao uso da palavra coração: o peito é o lugar da dor (Caminho I); ou o lugar onde se desejaria sofrer, mas que é apenas um «abominável cómico» (Madalena; sublinhe-se esta tendência a menosprezar-se e a desprezar-se, ou a uma parte de si mesmo, que aparece várias vezes em CLEPSIDRA). Duas vezes, porém, a palavra peito é usada com um sentido diferente. Em Tatuagens complicadas a referência é vaga, mas talvez se possa assimilar este caso a um outro em que o sujeito do poema proclama: «Eis-me formoso, moço e forte./ Tão branco o peito! ‑ para o expor à Morte... » (Esvelta surge) a alusão ao peito parece obedecer aqui ao desejo de evocar as lutas e batalhas, o heroísmo guerreiro, a coragem antes de mais nada.

A boca, os lábios, o sorriso, são evocados diversas vezes também. «Fui teu lábio oscular», diz o sujeito de um poema; mas acrescenta que o «ósculo ardente, alucinado/ Esfriou sobre o mármore correto/ Desse entreaberto lábio gelado» (Estátua). «Morre-me a boca por beijar a tua», diz-nos ainda, num poema em que se pretende «sem vil pudor», mas em que se diz «moço e casto» (Esvelta surge). Lemos ainda, mais tarde, que «Nem me lembrei jamais de te beijar na boca» (Interrogação) e que por essas e por outras razões não sabe bem se o que sente é amor. A boca, os lábios, são um objeto do desejo, da ternura, da vontade de penetrar o segredo do outro, mas num caso recusam-se ao ardor alucinado e nos outros aparecem ligados à ideia de castidade ‑ prova de que esta forma de contacto físico inspira receio, desconfiança ou prudência ao sujeito dos poemas.

As mãos(ou os dedos) permitem, como o simples olhar, uma forma de contato mais «inocente», em que a ternura se sobrepõe ao erotismo: «Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,/ O meu olhar no teu olhar suave (Crepuscular) ‑ curiosa a necessidade de insistir em que as mãos são pequenas e o olhar suave. As mãos aparecem, porém, metaforicamente, como destruindo tudo aquilo em que tocam, seja o barro das quimeras, seja o viço das flores (Olvido). E «ondeando» na água, as mãos «translúcidas e frias» são já apenas a memória dolorosa e fugitiva da amada (Paisagens de inverno). Mas se o pensamento se mostra já «alheio», as «mãos dadas» permitem ainda manter o contato, esperar talvez que o amor venha ainda a ser possível (Floriram par engano). Quando o sujeito do poema imagina a mulher amada surgindo «do imo da folhagem» é o movimento suave das suas mãos que ele põe em evidência: «Os ramos, leve, a tua mão aparte»; e é o dedo dela que ele vê ferido pela «haste esquiva» da «silva doida» (Desce em folhedos tenros a colina). Em Paisagens de inverno era a memória das mãos da amada que o sujeito do poema queria conservar; em Imagens que passais é a sombra das suas próprias mãos e a «flexão casual» dos seus «dedos incertos» que ele deseja reter e salvar da voragem do tempo, como se a memória das mãos ou da sua sombra, apesar dos «movimentos vãos», fosse a última e íntima prova de vida a reter.

Num outro poema evoca-se a «cor sadia» da amada, o seu «sorriso terno», talvez idealizados pelo sujeito do poema (Interrogação). O seu «sorriso magoado» (Paisagens de inverno II) e as «vozes» com que o enganava (Floriram por engano) são evocados com nostalgia e ternura noutros poemas.

O pulsoé referido para assinalar simbolicamente a coragem do «jovem gladiador» (Esvelta surge). E os pés aparecem sobretudo para exprimir metaforicamente as dificuldades que se apresentam no caminho da vida: a rocha «corta os pés» e o caminho «queima como a areia» (Caminho II); «Trilhar novos caminhos» é «Meus pobres pés dorir,// Jároxos dos espinhos» (Depois das bodas de oiro).

Os cabelos, os seios, a voz, são referidos várias vezes. Mas os cabelos são em Madalena os «cabelos de rastos»; em Paisagens de inverno II flutuam nas águas do rio onde o sujeito do poema «vê» a imagem da amada desaparecida; em Vénus são o «cabelo verde, / Que o torvelinho enreda e desenreda» e aparecem ligados não só à ideia de morte mas também à de desagregação e podridão do corpo. Até aqui sempre ligados às ideias de humilhação, morte, água, memória, só em Esvelta surge os cabelos (escorrendo água,) coexistem com o erotismo assumido. Em floriram por engano, os cabelos sobre que cai «nupcial» a neve permitem ainda evocar o casamento ‑ mas a primeira parte do poema já denunciara o desencontro, a ilusão. Os seios são duas vezes «castos» em Madalena (tal como a nudez); o «seio fremente» de Esvelta surge obriga o sujeito do poema a proclamar o seu desejo de beijar a boca da mulher «sem vil pudor» e sem ter vergonha, mas que seja necessário afirmá-lo é significativo e aparece como uma maneira de incutir-se coragem; e em Interrogação ele vê a curva do seio, mas prefere não demorar aí o seu olhar. Sensível ao erotismo, ao corpo do outro, o sujeito do poema parece quase sempre recusar-se ao desejo e ao contato físico. Destruir o erotismo pela alusão à morte é talvez explicar a razão deste comportamento: a carne apodrece, os prazeres da carne são superficiais, a impossibilidade de amar e de viver subsiste ou revela-se ainda mais forte depois do contato com os lábios (Estátua) ou entre os corpos. Que o ventre, as unhas, os dentes, os rins e o olfato sejam evocados simultaneamente com os ossos num contexto em que se descreve com uma minúcia mórbida mas significativa a destruição da beleza de um corpo (ver Vénus)parece confirmar as nossas constatações e conclusões.

Assinale-se ainda a referência clara ao «cérebro» e ao «crânio» em dois poemas. O cérebro é «mole», «inconsequente e doentio», o que leva o sujeito do poema a desejar que lhe abram as veias para purificar-se (Roteiro da vida). Só o crânio deve ficar depois dessa «purificação»: «Só o meu crânio, fique,/ Rolando, insepulto, no areal/ Ao abandono e ao acaso do simum.../ Que o sol e o sal o purifique.» (Id. III). Na impossibilidade de ter uma relação verdadeira com a realidade, o sujeito do poema acaba, por cansaço, por desejar a sua própria morte, que vê como uma purificação. A referência neste caso explícita ao cérebro e ao crânio confirma o que outros poemas deixaram entrever: que a razão, o raciocínio (que se manifestam implicitamente cada vez que o sujeito do poema proclama que não sabe para onde vai nem o que procura ou quando ele se interroga sobre o sentido do que lhe acontece e da existência) são, com a alma e o coração, também essenciais na poesia de Camilo Pessanha. Que o poeta tenha preferido pôr em evidência a afetividade e a sensibilidade não basta para negar a importância desta constatação. A lucidez pessimista com que é descrita Vénus, o papel da imaginação e da vontade nos poemas em que se recorda ou tenta recordar a imagem da amada, as interrogações que o sujeito do poema não cessa de fazer, a maneira como o pessimismo parece nascer da própria experiência e as razões que se invocam ou sugerem para desejar a morte, tudo são elementos que nos permitem descobrir, ao lado da importância do sensível, a do racional. Mas se o cérebro se torna «doentio», «mole» (Roteiro da Vida II) não será por estar na dependência das paixões, da afetividade e da sensibilidade? Purificá-lo é libertá-lo de uma e das outras, dessa «impureza inútil» (ibid.). Mas só o sol e o sal, corrosivos, o purificarão realmente e permitirão essa libertação definitiva a que com a morte se aspira (id., III).

6. Embora a poesia de Camilo Pessanha fale essencialmente da vida interior, a realidade exterior não deixa, como já se viu, de estar presente na sua obra, seja enquanto tal, seja enquanto suporte das metáforas e dos símbolos utilizados. O primeiro poema do livro, ao comparar a vontade de sumir-se no chão ao comportamento de um verme, por exemplo, trai já certas tendências naturalistas e pessimistas, que os sonetos de Vénus confirmam e desenvolvem. A tendência a ver a existência como um caminho cheio de espinhos e como um calvário, e a meta da viagem como um monte solitário e escabroso trai, por seu lado, não só um certo gosto das comparações e metáforas claras, mas também, parece-nos, a influência de uma educação religiosa e de uma maneira de falar do mundo que é popular ou convencional (ver Caminho e Roteiro da Vida). A influência do universo religioso e popular transparece ainda na alusão ao convento em No claustro de Celas, no uso de palavras como alma, pecado, santo, purificar, na evocação das romarias e ladainhas e do Cântico dos Cânticos.

Outros ambientes populares ou convencionais evocados pelo poeta são a serra com o seu casebre e os olmos que vergam ao peso da neve, o pomar florido das macieiras (Paisagens de inverno); o espetáculo de Fonógrafo, com a plateia que ri «perdidamente»; o soldado que passa na rua marchando ao toque do tambor; a cena da despedida em Canção da partida, com as alusões do poema, de sabor kitsch, ao «cofre selado» fechado a sete chaves que é o coração, às cartas de amor e ao lenço bordado (ver também Roteiro da vida; por vezes as cenas evocadas pela poesia de Camilo Pessanha têm qualquer coisa das paisagens de certos postais ilustrados ‑ pela sua banalidade e caráter típico, sobretudo).

As imagens da morte aparecem também várias vezes e em Olvido, por exemplo) o poema descreve o corpo no caixão, com as feições já «na imortal serenidade» (serenidade que nada poderá jamais perturbar). A evocação do barro das quimeras e das flores que murcham quando se tocam aparece ainda como uma metáfora simples e clara.

As flores e os jardins aparecem com regularidade na poesia de Camilo Pessanha (ver, por exemplo, No claustro de Celas), bem como a evocação simbólica das estações do ano (id, e também Paisagens de inverno II). As referências ao sol, à luz, à noite, à sombra, à madrugada, ao crepúsculo, às cores, traem uma sensibilidade particular aos ritmos e contrastes da natureza e devem ser postas ao lado das referências às flores, à folhagem, ao arvoredo, aos jardins, às estações do ano; isso não impede, evidentemente, o uso metafórico (com alguma banalidade ou convencionalismo) de algumas destas palavras para caracterizar a vida interior e os sentimentos. Mas mesmo quando a paisagem ou a realidade exterior de modo geral são evocadas de maneira apenas ou sobretudo realista (e não simbólica), elas são um dos elementos ativos do clima criado pelo poema. Que seria o desencontro do desejo e da realidade, o contraste entre a ilusão e a posse em Se andava no jardim, por exemplo, sem o jardim, o jasmim, o luar?

É a água, no entanto (como mar, lago, rio, chuva, mas também como lágrimas e suor) que aparece com mais frequência em CLEPSIDRA ‑ e o título da obra já o sugere. A água permite a Camilo Pessanha evocar as realidades pessoais e mais privadas e as realidades históricas; mas aparece também na criação de ambientes estranhos e mais vagos, como o de Violoncelo. É nas águas do rio que vêm projetar-se as recordações e a imagem da amada, tão difícil de reter; e o rio que corre leva para longe (para o infinito da eternidade) as imagens, a melancolia, o coração vazio (ver Paisagens de inverno II e Imagens que passais). É na água, também, que se desagrega o corpo da Vénus evocada, e os seus ossos, as suas unhas, os seus dentes confundem-se com as conchas e as pedras.

Os sonetos de San Gabriel inspiram-se na história marítima de Portugal, exprimindo o desejo de ir conquistar o Bem e recordando a memória dos guerreiros, dos santos e dos poetas. É da água também que «esvelta surge» a figura da mulher que apetece beijar e possuir «sem vil pudor». A ilha em que se fica só, depois da luta e da conquista, permite ao poeta dirigir-se às «formas inconsistentes» por que se batera e invejar os mortos da batalha que não conheceram a frustração (e a solidão) que se segue à vitória (Depois da luta). É a água que apaga as marcas dos passos sobre a praia e que torna inútil o regresso «ao ponto das primeiras despedidas», isto é, qualquer tentativa de rever de novo (e de reter) o tempo passado (Quando voltei). A chuva faz brotar as flores no campo de liliáceas (Vida) ou a erva no «cômoro quadrangular» (Em um retrato); e ao vê-la cair os olhos cansados do sujeito de um poema têm vontade de afogar-se «Na vã tristeza ambiente» (Agua morrente). As ideias de fecundidade, de morte, de movimento eterno, de purificação, confundem-se ou alternam assim na evocação da água.

A evocação de castelos, de lutas, de guerras heroicas, de navegações, de conquistas, de soldados e marujos) remete para o passado glorioso da pátria em declínio, mas por vezes o poeta utiliza metaforicamente estas realidades para falar da vida interior ou dos sentimentos, como acontece no poema Depois da luta. O mar, com os barcos, aparece também ligado à ideia da despedida e à ideia da viagem (Canção da Partida. Roteiro da Vida). A ideia da viagem não é estranha ao desejo de fugir à existência atual e de encontrar longe dela a paz (daí poder ser assimilada ao desejo de morrer; ver Canção da Partida). Mas a viagem por mar, como a própria existência, é perigosa e sem destino certo (ver Roteiro da Vida). O sujeito dos poemas não sabe de onde vem nem para onde vai, pressente catástrofes e naufrágios, descobre as «miragens do nada», o seu cérebro torna-se «inconsequente e doentio» ‑ e uma vez mais acaba por aspirar à morte, à purificação; à solução definitiva de todos os conflitos, à paz que só pode nascer com o desaparecimento dos desejos e das paixões.

João Camilo, «Realismo e Simbolismo em Clepsidra»,

Boletim de Filologia, tomo XXIX,

Lisboa, Centro de linguística da Universidade de Lisboa, 1984, pp. 292-293, 305-318.

Camilo pessanha e a transmutação simbolista (José Carlos Seabra Pereira, 1995)

INTRODUÇÃO

1. Na primeira carta que de Macau escreveu ao pai, Camilo Pessanha (1867-1926) estatelava assim a impossibilidade de evasão para a infância como paraíso perdido, aliás em variante testemunhal do primado que na sua poesia cabe ao motivo decadentista da senectude congénita: «minha infância, virtual, pois eu não me lembro de ter tido uma infância (há muitos cismáticos que nascem velhos)». De facto, primeiro de cinco filhos ilegítimos, Camilo Pessanha ficará para sempre marcado pelo sacrifício da mãe e pelo aviltamento da vida familiar. Esse «poço de miséria e de dor» não será alheio ao tratamento do motivo da Madalena, pecadora sublime dos Evangelhos, num dos seus primeiros poemas; nem será alheio ao lacerado Soneto «Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho». A essa perturbação íntima vieram juntar-se, gorado o desígnio de casamento com a escritora Ana de Castro Osório (1893, 1915), os reflexos de uma situação similar à do pai, com governantas e concubinas chinesas; e, antes disso mesmo, padecimentos com as dificuldades económicas, doenças e desgraças no lar paterno, com as limitações pessoais de fragilidade física, com a figura desinteressante de estrábico franzino, com os insucessos amorosos, com o tendencial desequilíbrio nervoso, com a instabilidade psicológica afogada no absinto, com o arrastado desterro de opiómano.

Esta personalidade, que está assim predestinada para uma experiência singular de aspetos gerais da crise finissecular, muito cedo manifesta propensão para a criação literária, numa boémia tangente à camaradagem dos que agitarão o meio académico com marcantes revistas (sobretudo Alberto Osório de Castro, amizade decisiva para toda a vida de Camilo Pessanha e para a difusão da sua poesia). Pessanha escreve contos e poemas para periódicos secundários e entremeia ficção com digressão impressionista ou crítica literária nas «Crónicas da Alta»; mas logo depois, em 1889, fica à margem da emergência da arte «novista» no despique entre a Boémia Nova e Os Insubmissos. Então, além de Osório de Castro fazer sair (agora no seu jornal O Novo Tempo de Mangualde) mais «Crónicas da Alta» e episódicos poemas de Pessanha, é decerto graças à ligação com ele que outros poemas de Camilo podem surgir também em órgãos nefelibatas como O Intermezzo portuense.

Em todo o caso, quando o grupo renovador do Porto redige Os Nefelibatas, o nome de Pessanha não deixa de figurar já na primeira tentativa de fixação de um cânone «novista». Por outro lado, importa não subestimar, como tem sido tendência generalizada, o significado do número relativamente grande de poemas que sempre irá enviando para periódicos (Franchetti, 1994); importa considerar que tem sido exagerada a distância que Pessanha desde jovem se teria mantido dos grupos literários coetâneos; importa reconhecer que, desde os inícios, o escritor se revela, pela índole dos seus textos, não alheado das novas orientações estéticas, mas próximo da plena sintonia com essas tendências.

Nas juvenis crónicas e cartas (Miguel, 1965; Silva, 1968) lavram já a pessoalíssima perceção de matizes, a ironia oscilante, o estilo e a linguagem do poeta. Quanto aos poucos tentames de contos, indecisos ainda em prenderem-se a uma intenção social (cf. «Entre Gaiatos», Silva, 1968), permitem valorizar (Spaggiari, 1982) abundantes antecipações temático-formais da poesia da maturidade. Mais relevante, porém, é que, ao referir-se em carta de 1888 aos textos publicados como malograda concretização de «duas séries» (uma ficcional, Solidões; outra lírica), Camilo Pessanha pronuncia-se em termos que apontam para orientações da sua obra posterior e corrobora o rumo antinaturalista. Ao mesmo tempo, dá os primeiros significativos passos da sua singularíssima, mas tão epocalmente representativa, caminhada lírica («Lúbrica», «Madrigal», «Na pasta do Abel Aníbal» / «Caminho», «Interrogação», «Crepuscular», «Estátua», «Soneto» / «Madalena»); e, com congruência, ao subscrever desassombrada crítica dos Versos da Mocidade dum A. Fogaça então muito festejado, mostra-se convictamente oposto aos epigonismos românticos e às suas mesclas com perfunctórias assimilações (descritivas ou narrativas) do Parnasianismo.

2. Decerto sobredeterminada por múltiplas circunstâncias adversas e desoladoras motivações íntimas, a deslocação para Macau em 1893 gera mudança radical de vida, que se revelará irreversível. Ficando em Macau até à morte, numa estadia entrecortada por quatro vindas à Metrópole, Camilo Pessanha ali arrastará uma existência de aparente adaptação ao meio e aos costumes chins, de reconhecida capacidade profissional (como secretário do Liceu e professor, como causídico sazonal, desde 1900 como conservador do Registo Predial e, enfim, como juiz desde 1904), de temporárias convivências com escritores, velhos amigos (Alberto Osório de Castro) ou conhecidos em Macau (Wenceslau de Moraes), e de gostoso estudo da cultura chinesa. Todavia, cartas de Pessanha e testemunhos de terceiros revelam um pungente drama psicológico-moral e um contínuo processo de degradação física e íntima, a revolta contra a «montureira» que lhe é Macau e a inibição de regressar a Portugal, o bloqueio das limitações objetivas à comunicação com àqueles a que o ligam o afeto e o apreço intelectual.

No entanto, antes mesmo da vinda à Metrópole (1896-97), pudera-se conhecer que Pessanha se dispusera a colaborar no periódico mais estrememente concebido como órgão do movimento literário decadentista e simbolista (Os Novos, Coimbra, 1894: «Ó meu coração, torna para trás») e atravessava anos grados de produção poética, com composições em boa parte publicadas em Portugal e nem sempre remetidas para a remota gazeta de Lamego, antes surgindo, de quando em vez, em quotidianos lisboetas de primeiro plano frequentados pelos «novistas» e em periódicos fugazes do próprio movimento literário hegemónico no fim-de-século («Passou o outono já, já torna o frio... », «Foi um dia de inúteis agonias», «No claustro de Celas», «Tornada», «Quando voltei encontrei os meus passos», «Água corrente», «O meu coração desce», «Imagens que passais pela retina», «Vida», «Castelo de Óbidos»).

De regresso a Macau, prosseguirá a episódica publicitação da sua criação lírica e manterá a intermitente presença na vida literária metropolitana. Após Os Livres, do Porto, haverem estampado «Depois das bodas de oiro», surge em 1898 a primeira versão de «Viola chinesa» que, na utilização peculiar do rondel, requinta o embalo da musicalidade verlainiana, enquanto lhe faltam ainda os percucientes versos «Mas que cicatriz melindrosa / Há nele, que essa viola ofenda», nos quais a música estabelece secretas analogias entre os seres; de resto, já daquele embalo irrompia «de longe em longe» a realidade mais autêntica do eu. No quadro dessa agonia melindrosa e dos rasgos de superação, ativa e contemplativa, se insere então o díptico de sonetos «San Gabriel». Finalmente, confirmando que não há que empolar a marginalidade de Camilo Pessanha em relação ao movimento literário que domina o fim-de-século português, o poeta marca presença na 1ª Série da última grande revista daquele movimento, a Ave--Azul viseense (Pereira, 1975).

A quebra da rotina macaense com uma estadia em Lisboa por 1899-1900, surge triplicemente marcada pela vida literária de Pessanha: complementa os contactos episódicos com os periódicos «novistas» pela integração temporária em tertúlia literária da capital; tendo vindo a intensificar as leituras dos grandes nomes franco-belgas da poesia decadentista e simbolista ‑ desde o precursor Baudelaire até Maurice Maeterlinck e Albert Samain, passando sobretudo por Paul Verlaine ­, apega-se agora ao conhecimento de Rúben Darío; e conhece férteis meses de criação lírica, alguma da qual então publica («Vénus», «Floriram por engano as rosas bravas», «Violoncelo» e «Desce em folhedos tenros a colina»).

3. Falecida a mãe, regressado a Macau e aos expedientes de compensação interior, um quarto de século lhe faltará viver ‑ determinante para o nosso conhecimento das suas posições estéticas e para o destino editorial da sua poesia. Nos primeiros anos do século XX, quando se dá a viragem para uma dominante neorromântica na vida literária portuguesa, torna-se mais rara a dispersão pela imprensa de poemas de um Camilo Pessanha que continua a dar sinais líricos e epistolográficos de fidelidade aos valores estético-literários decadentistas e simbolistas. Está composta a esmagadora maioria do, aliás exíguo, corpus poético de Camilo Pessanha; mas será preciso esperar pelo advento de outro movimento literário (o Modernismo de Orpheu, que assimila e reelabora parte do legado dos esteticismos finisseculares) para a dispersa obra lírica de Pessanha se ver editada em coletânea e assim promovida no estatuto de mensagem da comunicação literária (Miguel, 1956; Osório, 1969; Quadros, 1988; Franchetti, 1994).

Entretanto, o poeta aviva a paixão pela arte da China, aprofunda o conhecimento da sua cultura e da sua língua, que lhe vai propiciar as traduções-recriações de elegias (anotadas e demarcando a empatia com características e processos paralelos aos da sua própria poética e da sua própria prática lírica) e os estudos postumamente publicados no volume China; e faculta alguns dados preciosos para a compreensão da sua mundividência e para a explicitação da sua poética, sobretudo através da judiciosa apreciação das Flores de Coral de Alberto Osório de Castro (Rubim, 1993). Destaque-se, por um lado, que, nos elogios como nas reservas, o poeta-crítico afeito «aos ritmos libérrimos de Stuart Merril e de Maeterlinck» deixa transparecer o repúdio de uma poesia que se realize pela melancolia «plangentemente romântica» ou pela «filosofia pedantescamente didática», apreciando ao invés que tudo se evole das Flores de Coral «como um perfume subtil», em congruência com a sua liminar aproximação da Poesia à Música enquanto «Arte essencialmente subjetiva» e quase inefável. Note-se, por outro lado, que, retomando a questão hegeliana da agonia da Arte na sequência de um século de apostilas e réplicas, Camilo Pessanha posiciona-se de molde a salvaguardar a pervivência das artes em meio do prezado progresso técnico-científico, mas de molde também a ratificar um domínio metafísico na inquieta condição humana.

4. A derradeira vinda a Lisboa (de setembro de 1915 a março de 1916), intensificando e ampliando os contactos literários que a precedente estadia (entre agosto de 1905 e janeiro de 1909) potenciara, vai ficar marcada pelas diligências que conduzirão à edição da Clepsidra. Camilo Pessanha convive então muito com a família Osório de Castro e, em especial, cultiva os serões de Ana de Castro Osório; estreita relações com Carlos Amaro e fá-lo depositário de vários autógrafos; sob o estímulo da admiração de Montalvor e do Pessoa que lhe pedirá colaboração para Orpheu (e que em tantos aspetos seguirá o seu magistério poético), em meio de um convívio que se vem juntar ao que mantém com os neorromânticos Henrique Trindade Coelho e Mário Beirão, Pessanha admite deixar a Montalvor o substancial conjunto de poemas que sairão na revista Centauro; finalmente, por iniciativa de Ana de Castro Osório (e talvez também sob o incentivo do filho João de Castro Osório), aceita ir até à edição da sua coletânea, reproduzindo «de memória» textos até aí dispersos ou inéditos, e a completar por outros que em vão promete remeter de Macau (alguns dos muitos perdidos, talvez como os sonetos «O Estilita» e «Regresso ao Lar», referidos por Fernando Pessoa ao próprio Pessanha, ou «Voa o comboio, correria doida» referido por postal de Alberto Osório de Castro).

Paradoxalmente, como quase tudo afinal o que lhe foi a existência, é quando menos compõe poesia que Camilo Pessanha vai ganhar maior ascendente sobre os poetas e sobre os leitores ‑ desde esse ano de 1916, com a Centauro, e desde 1920, com a publicação da «esquecida Clepsidra» (penhorantemente a cargo das Edições Lusitânia de Ana de Castro Osório, e juntando aos autógrafos de 1916 poemas de outra procedência).

Tal como então surgia, a Clepsidra ultrapassava o intuito de mera coletânea pelo sentido de macrotexto com sua intrínseca ordem topológico-temporal, a que nem sequer faltam os poemas prologal («Inscrição») e poslogal («Final») ‑ embora, assim mesmo, permanecesse problemática a posição de um ou outro poema na construção desse macrotexto e permanecesse em aberto o traçado estruturante da sua dinâmica. Quanto a esta, já havia razões para preferir a hipótese exegética de uma desenvolução segundo sucessivas tensões, e não a regular linha evolutiva postulada por antigas propostas hermenêuticas ou pelo contraste dos «Sonetos» com as «Poesias» defendido mais recentemente (Oliveira, 1979). Quanto à construção macrotextual (que como ideal atraía o poeta, desde 1888, em carta a José Pessanha e na crítica a Versos da Mocidade de A. Fogaça, até 1910, na crítica às Flores de Coral de A. Osório de Castro), permanece sob caução o esquema em que se efetivaria, tais são as dúvidas sobre as vicissitudes do processo editorial e sobre o grau de comprometimento da vontade do autor com a forma da publicação de 1920. Por isso se justifica que dela e das opções tomadas por João de Castro Osório até à inflacionada 4.ª ed., dita «definitiva», de 1969 (de que são tributárias as principais surgidas posteriormente, com António Quadros e com Barbara Spaggiari), divirja profundamente a edição crítica agora elaborada (Franchetti, 1994), que vem corresponder às contundentes reservas de há muito manifestadas em relação à organização e à lição difundidas por João de Castro Osório (Miguel, 1956; Silveira, 1970; Margarida, 1985) e vem atender às exigências de um poeta que ‑ hoje o sabemos melhor pela publicação de um seu Caderno (Barreiros, 1984; Seabra, 1986) ‑ na escrita sempre retomada, mesmo após a versão «Limpa», conquistava a «forma definitiva» (como dizia em carta de 1907 a Alberto Osório de Castro) (Lancastre, 1984: 69).

5. Quando Pessanha falece, em 1926, a persona poética que em Portugal, havia um decénio, ia conquistando prestígio literário era a de uma metamorfose, supostamente exótica e vagamente búdica, do poeta maldito romanticamente incompatibilizado com a civilização triunfante a Ocidente. Se alguns equívocos afinal envolvia essa persona, o que mais importa denunciar é o da projeção do pressuposto de exotismo (cor local, motivos, mundividência) sobre o horizonte de receção da sua obra lírica.

Tal como, aliás, ocorre com as Exiladas de Osório de Castro, a poesia de Pessanha só explicita exotismo precisamente antes da deslocação para o Oriente (nos parcos elementos da «Lúbrica» de estudante coimbrão). De resto, o escritor ‑ que escolheu para recriar em português oito elegias chinesas centradas no sentimento de exílio e nas diversões nostálgicas ‑ deixará no texto «Macau e a gruta de Camões» esta lúcida advertência: «Notáveis prosadores (basta lembrar, dentre os contemporâneos, Lafcadio Hearn, Wenceslau de Moraes e Pierre Loti) têm celebrado condignamente os encantos dos países exóticos. Poetas, nenhum. Os poucos que vagueiam e se definham por longínquas regiões, se acaso escrevem em verso, é sempre para cantar a pátria ausente» e, se neles «se encontram dispersos alguns traços fulgurantes de exotismo, é só para tornar mais pungente pela evocação do meio hostil e inadequado pela sua estranheza à perfeita floração das almas ‑ a impressão geral de tristeza ‑ da irremissível tristeza de todos os exílios».

Mas nem o horizonte de anulação do ser, aparentado ao ideal nirvânico, esperara por Macau para se exprimir na poesia de Pessanha, nem na fase europeia da vida do poeta lhe faltavam as motivações existenciais e as sugestões de filosofia irracionalista para tal conceção poética do Mundo.

Em todo o caso, as repetidas viagens entre a Europa e o Extremo Oriente e os anos arrastados por Macau podem ter ajudado a reforçar traços desse exotismo interior (Lemos, 1981; Machado, 1983) que é a condição humana sugerida na lírica de Pessanha, numa paradoxal coabitação de agonia e ataraxia. É, por exemplo, a impressão da «atmosfera que esmaga» e da paisagem física e humana de Ceilão que confina com a sensualidade que impregna a Clepsidra e com aquela volúpia erótico-necrófila que a obra partilha com o melhor Decadentismo ocidental: «Uma languidez que em nenhuma outra parte se sente, misto de indefinível voluptuosidade e de desejo de morrer...» (carta de 1909 a Carlos Amaro). É, depois, a experiência do baudelairiano paraíso artificial que o ópio propicia e que confina com a técnica proto-interseccionista da gnose intuspetiva e órfica com que a Clepsidra simbolistamente supera aquele Decandentismo: «Produzia-se pouco a pouco em mim esse delírio lúcido, característico, dizem, da intoxicação pelos hipnóticos, em que sem se perder a consciência da situação em que se está, se evoca no espírito, com absoluta fidelidade e perfeita nitidez, uma outra situação, em outro lugar ou em outro tempo, como se se vivessem simultaneamente duas vidas, muito distantes uma da outra.» (carta de 1916 a H. Trindade Coelho). É, enfim, como sublinham vários textos do volume China, o reencontro, na amada e estudada literatura chinesa ‑ na sua língua tonal e sintaticamente liberta, na sua escrita ideográfica com superior «poder de evocação» ‑, de vetores formais do fim-de-século europeu tão relevantes como a musicalidade, a interferência imaginífica, a desarticulação e reconversão sintagmática, a exploração dos signos ótico-grafemáticos.

6. Uma excentricidade outra ‑ a de um subjetivismo oblíquo em contraste com a tradição lírica nacional, a da vertigem encantatória de um discurso alusivo ‑ é que tem justificadamente concentrado a atenção da melhor bibliografia passiva de Pessanha, desde que os recursos da sua magia poética foram estudados sistematicamente, à luz da Estilística de L. Sptizer e Dámaso Alonso, por Esther de Lemos.

Constatou-se, desde então, que o visualismo antiparnasiano de Pessanha, particularmente sensível à luz, se exprime com frequência e finura por efeitos de associação a dados auditivos, ambos contribuindo para um clima poético em que sobreleva a representação do estado de alma. Apercebendo-se da relação íntima que para Pessanha existe entre todos os elementos da realidade circundante, a análise estilística estava todavia mais habilitada a evidenciar o correlato, mas não equivalente, cruzamento de sensações (aliás envolto em personificações, hipálages e outros tropos, e numa mais ampla panóplia de impressões sensórias, nomeadamente quinestésicas, de acordo com a importância da mobilidade sintática e dos verbos de movimentos). Daí a valorização dos efeitos sinestésicos que, sempre com discrição, proliferam na Clepsidra.

Perante sonetos como «Esvelta, surge!...» e «Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho» ou poemas como «Porque o melhor enfim» e «O meu coração desce», ressaltava que os «sons duros, oclusivas surdas, sobretudo RR apicais ou velares, os primeiros às vezes em combinação com as oclusivas, aparecem frequentemente nos passos que se referem a movimentos violentos ou sentimentos ásperos» (Lemos, 1981: 73) ‑ no quadro de efeitos aliterantes diversificados, mas sempre ligeiros e menos concentrados que no programático uso que outros «novistas» finisseculares ostentam. Nos poemas de inspiração instrumental, a harmonia imitativa torna-se mais frequente; a nasalidade insistente de «Viola chinesa» ganha cariz onomatopaico; em «Violoncelo», a sugestão verbal supera a aliteração, com múltiplos mecanismos associativos (música do violoncelo e arcadas, arcos e pontes, rio, caudais de choro, etc.) que se desprendem dos jogos de matizes vocálicos A e U, de ditongos, de sibilantes e palatais, de vibrantes e líquidas.

Na organização sintagmática, Camilo Pessanha cultiva a desarticulação, a elipse e a averbalidade, num estilo apositivo que omite os nexos de ordem lógica, faz rarear as proposições subordinadas, privilegia a coordenação assindética, organiza estrofes com versos sintaticamente autónomos, deixa ao papel supletivo da pontuação o encargo de sugerir a sucessão de ideias (maxime no soneto «Foi um dia de inúteis agonias»).

Também desde Esther de Lemos a análise estilística tem demonstrado a genial intuição e destreza com que Pessanha adota a rima e o metro, versos e construções estrófico-rimáticas seculares, com especial predileção pelo decassílabo e pelo soneto (Martins, 1959, 1967; Cunha, 1984; etc.), mas ao mesmo tempo ‑ sem que a riqueza de meios se torne alguma vez ostensiva ou pareça dispensável para uma perfeita forma do conteúdo ‑ impõe uma iniludível originalidade pro sódica, através da estruturação musical e não lógica, da deslocação e variação dos acentos, das elisões e dos hiatos, das falsas terminações e das rimas internas («Violoncelo», «Ao longe, os barcos de flores», etc.). Na Clepsidra, o ritmo parece elaborar-se mais em função de urgências expressivas do que em obediência a prévias regras métricas, como Óscar Lopes pôde provar ao desenvolvever, para «Imagens que passais pela retina» e «Se andava no jardim», a análise da mais notável particularidade prosódica de Pessanha: o relevo e a eficácia de esquemas quantitativos regulares (Lopes, 1987).

Apesar de seguida em contravenção à preferência do mestre pelos versos ímpares, a lição privilegiada é, uma e outra vez, a de Verlaine (Coelho, 1976). Mas não faltam processos simbolistas mais cultivados por Mallarmé: além da ultrapassagem da musicalidade verlainiana pela música como lei estrutural da composição global do poema, avulta como rasgo maior da manipulação vocabular («Quem poluiu... », «Floriram por engano as rosas bravas», etc.) a iluminação recíproca das palavras pela sua simples proximidade (Lopes, 1987).

Além dos processos estilísticos destinados a realizar o «poder de evocação» e dos processos fónico-rítmicos e estrófico-versificatórios destinados a alcançar a «euritmia poética», evidencia-se a interseção dos dois vetores ‑ por exemplo, no cruzamento da iteração com os jogos rimáticos (Spaggiari, 1982).

Mais discretamente seletiva do que o rebuscamento lexical e sufixal dos decadentistas coetâneos, a linguagem de Pessanha privilegia poucas áreas semânticas, em perfeita congruência com os vetores fundamentais da sua mundividência lírica (desde o fenomenismo que tudo reduz a aparências, a imagens transientes, ao monadismo de seres contingentes, até à inquietação religiosa cuja insuficiente rasura transparece na recorrência das vozes litúrgicas). Com igual coerência e pertinência se apresenta o imaginário da poesia de Pessanha, a começar pelo predomínio do elemento aquoso, de plurissignificação tão variada como a alternância de metáforas, de símiles e, até, de símbolos.

Pelo estudo específico das modalidades prediletas das imagens fixas e instáveis, das personificações e animizações, até desembocar nas mais frequentes das «imagens e visões inacabadas», Esther de Lemos evidenciou as analogias não expressas como processo figurativo peculiar de Pessanha, no quadro global duma imagística conatural à assimilação disfórica do pensamento intuicionista e irracionalista imperante no fim-de-século (Lemos, 1981).

Pelo estudo específico das imagens cromáticas, florais e sensuais, das auditivas, das aquáticas e atmosféricas, em particular das de mar e vento, Rodrigues de Oliveira conectou-as com o tratamento da dor, da solidão, da morte, da transitoriedade e fuga para o Nada, enquanto facetas da tentativa de solução solipsista e do consequente processo de anulação da Natureza e de cisão do Eu (Oliveira, 1979).

Desbravando a exegese da poética dos arquétipos em Camilo Pessanha, Álvaro Cardoso Gomes confirma a complexidade e a cambiante sedução da imagística da Clepsidra e comprova que, num inquieto paralelismo com o pessimismo schopenhaueriano, o imaginário de Pessanha vive na tensão entre o Absoluto almejado (luz) e o perecível (água) (Gomes, 1977).

Por outro lado, a «amargura do inexplicado» é na poesia de Pessanha o ascenso dos traumas e das pulsões subliminares ‑ podendo mesmo ver-se o esboço de noções freudianas nucleares (censura, recalcamento) em alguns dos seus poemas; e o subliminar converge com o arquétipo coletivo e sacral ‑, caso do «lago escuro», destruição terminal, de «Imagens que passais pela retina» (Monteiro, 1977; Rodrigues, 1970; Gomes, 1977).

7. A obra lírica de Camilo Pessanha ilustra, com abundância e intensidade, boa parte da temática cultivada pelo Decadentismo finissecular: desengano, ceticismo, fatalismo, atitude derrotista e regressiva perante a vida, autoincitamento à aniquilação dos vãos anseios e à apatia, apelo ao alheamento e ao sono abúlico (apologia lírica da desistência numa poesia desafeta ao protesto oratório e à postura heroica, onde até as exclamações e apóstrofes são apenas processos antiassertivos da dececionada fenomenologia da perceção); angústia do Tempo, recobrindo a jugulada inquietação metafísica de um sujeito coato nos limites imanentistas (com simbolização críptica em «Na cadeia os bandidos presos!») e votado ao abandono por um Deus otiosus, abscôndito ou absurdo; estesia do fúnebre, do disforme, do repugnante (até à desfocagem do tópico ofélico numa ímpar embriaguez com o odor da putrefação, em «Vénus»); imagística de deperecimento, ruína ou extinção, etc. (Pereira, 1975).

No entanto, a poesia de Camilo Pessanha desloca-nos para uma ordem de literatura simbolista; e a qualificação de Pessanha como simbolista suscita, à margem da mera inércia da catalogação historiográfica, uma das questões mais estimulantes para o entendimento crítico da sua obra e de todo o período literário em que se insere.

É simbolista a Clepsidra não fundamentalmente por se expurgar de estigmas decadentistas como a perversão cínica, sádica e satânica, nem por afrontar a crise decadentista com a inapagada juvenilidade de espírito («Numa despedida») e com a aceitação serena e vertical de tudo o que a existência pode oferecer («Vida»). Nem apenas pela consumação pontual de valores semântico-pragmáticos ou técnico-compositivos de índole simbolista, como a indefinição apelativa do objeto de amor em «Interrogação» ou em «À flor da vaga, o seu cabelo verde». É sobretudo na receção global da Clepsidra que a sentimos estruturalmente para além do Decadentismo, numa vitória ética da poesis sobre a voragem niilista simbolizada no êxtase floral sobre o pântano de «Fonógrafo» e na «serena imagem», vestida do branco refontalizante, no leitmotiv do soneto «Desce em folhedos tenros a colina». Simbolista desse modo, a poesia de Camilo Pessanha é-o também, decerto, como poesia nova de reflexão sobre o conhecimento e de captação das realidades arquetípicas.

Para sucessivos intérpretes de Pessanha (Lemos, 1981; Lopes, 1987; Oliveira, 1979), a sua poesia é simbolista sem integrar o rasgo mais distintivo do Simbolismo: a divinação alusiva de uma natureza analógica da realidade e a sugestão cifrada da intermotivação vivente de todos os elementos cósmicos, como seres degredados da Pátria ontológica e decaídos da Harmonia primigénia do Ser, como criaturas nómadas e monádicas, oriundas da cisão da Unidade primordial e sujeitas à errância pela Queda originária. Mas é ao constituir-se como magnífica epoché lírica dessa condição, em ordem à libertação da consciência pura, que a poesia de Pessanha realiza uma modalidade paradigmática do Simbolismo (Pereira, 1990). Não é a única, porém, que exige aquela sugestão de Infinito que que diversos hermeneutas reconhecem desprender-se da poesia de Pessanha, sem ser redutível em particular a esta ou aquela componente dessa poesia. É certo que, não havendo em Pessanha uma decidida adesão à Transcendência religiosa, nem uma adoção do esoterismo teúrgico, a sua poesia exprime mais a mediação entre os seres cindidos e o Uno primigénio, isto é, a dor cósmica (Gomes, 1977), do que as efetivas correspondências entre os seres, cuja vida analógica, para além da contingência fenoménica, se fundaria naquele Infinito, como númeno. Todavia, a poesia de conhecimento em Pessanha não se circunscreve à gnose do eu, do trânsito evanescente das sensações, da dinâmica percetiva. A amargura pela diversidade monádica dos seres e pela cisão do Eu quebra a clausura solipsista, porque a angústia decorrente identifica-se veladamente como estigma do degredo ôntico (veja-se, numa leitura simbolista, «Se andava no jardim» e «Na cadeia os bandidos presos!») e alude discontinuamente à reintegração escatológica e à mediação analógica (díptico «San Gabriel», rondéis «Ao longe os barcos de flores» e «Viola chinesa», por exemplo), até à polivalência misteriosa do visionarismo de «Branco e vermelho» (M. S. Lourenço, 1991; Quadros, 1988). Esta valência simbolista da Clepsidra avulta se, deslocando o «Eu» da errância geográfica para a errância espiritual e movendo o «país» do destino nacional para o destino da Criação universal, entendermos a liminar «Inscrição» como dramático testemunho da iniciação distante ou inconclusa, do inexequível resgate daquele exílio ôntico, do impossível retorno à Pátria primordial do Ser: «Eu vi a luz em um país perdido. /A minha alma é lânguida e inerme.» (Pereira, 1990).

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De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

Dez cartas de um Pessanha na meia-idade (Luís Miguel Queirós 2009)

Notas de viagem, apreciações estéticas, comentários políticos, confissões íntimas. As dez cartas de Camilo Pessanha a Carlos Amaro que a Biblioteca Nacional comprou vieram enriquecer substancialmente a exígua correspondência do poeta. Seis delas são inéditas.

A Biblioteca Nacional (BN) adquiriu recentemente dez cartas enviadas por Camilo Pessanha ao seu amigo Carlos Amaro, um acervo que esteve durante décadas na posse de uma filha do destinatário que morreu em 2008. Se tivermos em conta quer a importância da obra de Pessanha, quer a exiguidade da correspondência que deixou, tratar-se-ia sempre de uma aquisição crucial. Acresce que mais de metade destes manuscritos não haviam sido transcritos e nunca foram publicados, incluindo uma extensíssima carta, enviada em março de 1912, que se estende por 40 páginas, em folhas aquadradadas de pequeno formato. É a mais longa das pouco mais de 70 cartas que se conhecem do poeta.

A BN acaba de inaugurar também, no seu portal, um site dedicado ao núcleo de manuscritos e fotografias de Camilo Pessanha que a instituição já possuía, acrescentando o autor da Clepsidra a outros poetas cujos espólios, ou parte deles, podem ser consultados on-line, como os de Antero, Pessoa ou Florbela Espanca. Mas será preciso esperar algum tempo até que esta dezena de cartas a Carlos Amaro venha a estar disponível no site, uma vez que a sua transcrição é um trabalho delicado e moroso, não apenas pela deficiente conservação de alguns manuscritos, mas, sobretudo, porque a caligrafia de Pessanha é de muito difícil leitura.

O trabalho de transcrição está a ser feito por Daniel Pires, a quem se devem inúmeros estudos sobre a vida e obra de Pessanha, infelizmente pouco acessíveis ao grande público, dado que muitos deles foram publicados em Macau e quase não circularam em Portugal. O investigador tenciona publicar dentro de alguns meses a correspondência integral do poeta, um conjunto que considera ter sido "muito significativamente enriquecido" com a dezena de manuscritos que a BN agora adquiriu, tanto mais que, afirma, "são cartas em que Pessanha dá a conhecer as suas posições políticas, exprime opiniões sobre questões sociais e alude à sua poesia e às suas opções estéticas". Numa delas, datada de agosto de 1908 e enviada de Leça da Palmeira, num dos vários períodos em que regressou a Portugal para tentar restabelecer a sua saúde precária, o poeta conta ao amigo: "Sabe que, à força de matutar, na última noite que passei em Lisboa, vim a descobrir que o ritmo dos meus decassílabos que tanto me preocupavam é o verso de Verlaine: 'D’une douleur on dirait... orpheline?'" (Nas edições atuais da poesia de Verlaine, este verso lê-se: "D’une douleur on veut croire orpheline.")

A par destes documentos, a BN comprou manuscritos de dois poemas - versões de Violoncelo e do Poema Final de Clepsidra -, uma fotografia do poeta, que aqui reproduzimos, e uma carta de Antero de Quental à sua irmã Ana, datada de 1881, acrescida de parte de uma outra para a mesma destinatária, que a filha de Carlos Amaro conservava junto à correspondência de Pessanha.

Se o nome de Carlos Amaro (1879-1946) hoje pouco dirá à generalidade dos leitores, a verdade, como veremos, é que o facto de ser este o destinatário das cartas só lhes aumenta o interesse. Dramaturgo de algum mérito, Amaro era uma dúzia de anos mais novo do que Pessanha e conheceu-o através do irmão mais novo do poeta, Manuel Luís, de quem foi colega de curso em Direito. É possível que a trágica demência deste irmão de Pessanha, revelada em 1908, tenha contribuído para aproximar o poeta de Carlos Amaro, que com ele convivera. Várias destas cartas dão testemunho da aflição com que Pessanha vivia o drama de Manuel Luís. Em fevereiro de 1909, a bordo do navio holandês que o leva de regresso a Macau, escreve: "Ao abismo abominável da desgraça onde se debate meu irmão não pode chegar nenhuma destas tristes anotações de viagem, que ele estimava mais do que ninguém. Nem sequer saberá quanto eu lhe quero, e quanto a lembrança do seu horrível enervamento permanentemente me esmaga."

Uma "cunha" de 40 páginas

Mas Carlos Amaro, de quem Pessanha veio a tornar-se um grande amigo (curiosamente, exerceram ambos, durante algum tempo, a função de conservador do registo predial), não foi apenas um estimável escritor menor. Nesses primeiros anos da República, era, salienta Daniel Pires, um homem muito prestigiado a nível académico e um político influente, que integrara a Assembleia Constituinte de 1911. É também a este último, ao político, que Pessanha se dirige na já referida longa carta de 1912, esperando que este possa interceder a seu favor.

A lei da época obrigava os juristas a cumprir comissões no continente e nas colónias, sob pena de não progredirem na carreira ou de se verem mesmo impedidos de exercer. Pessanha sabia que ia ser nomeado para Moçambique e, numa fase da vida em que já estava habituado às rotinas da minúscula Macau, por muito que as detestasse, com a saúde seriamente afetada, e decerto já dependente do ópio, dispunha-se a mover todas as influências possíveis para não ter de abandonar o território.

Consciente de que a sua situação financeira não lhe permitia abandonar a carreira, Pessanha confessa a Carlos Amaro (a transcrição de todos excertos, salvo indicação em contrário, é de Daniel Pires): "Chega mesmo a parecer-me estupendo que eu me tenha deixado chegar à idade normal da aposentação (para quem faz carreira pelo ultramar) sem fazer nunca o mínimo de esforço para me garantir alguma estabilidade de posição e sem que, nas condições precárias de uma tal existência, não tenha vindo ainda uma forte trombada escangalhar-me o barco."

Além de tudo o resto, o seu interesse pela arte e literatura chinesas tornara-se uma paixão de que já lhe seria difícil abdicar. Pessanha deixou-nos algumas primorosas traduções de elegias da dinastia Ming, e a sua valiosa coleção de arte oriental, recolhida durante muitos anos com o afã de um colecionador compulsivo, doou-a ao país (que nunca a tratou convenientemente) e está hoje no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra.

Noutra das cartas inéditas deste lote - há quatro que haviam já sido transcritas por António Dias Miguel nos anos 50, mas com algumas lacunas impostas pela filha de Carlos Amaro -, Pessanha justifica-se:

"Claro está que à minha vida precisava de dar um objetivo - sob pena de morrer de tristeza. E qual outro poderia ser aqui senão estudar a língua chinesa, os costumes chineses, a arte chinesa? A solidão intelectual e moral nestes meios é absoluta. Para aqui só vem daí a ínfima escória... Tenho, pois, estudado com furor, até onde mo permitem as minhas forças escassas. Aprendi a falar a língua chinesa (falo correntemente o dialeto cantonense), e, um pouco, a ler e escrever. Tenho meia dúzia de traduções, que são atualmente o único escrito meu que desejaria ver publicado. É claro que tudo isto, que é nada mas me tem custado a vida, me seria fora daqui absolutamente inútil: prende-me, pois, naturalmente a este remoto exílio."

Por esta altura - a carta é de novembro de 1912 -, tinha já escrito alguns dos mais extraordinários poemas da língua portuguesa, mas o que queria mesmo era publicar as suas traduções, prioridade que confirma em nova carta a Carlos Amaro, no final desse ano:

"Bem desejaria publicar um dia meia dúzia de pequenas traduções; mas a empresa, a ser a coisa como eu a tenho esboçada, é cheia de dificuldades."

O agente de ligação

À exceção da última carta, iniciada em julho de 1916, mas só enviada em abril de 1917, com uma segunda parte redigida nessa data (se estas duas missivas, claramente autónomas, fossem contabilizadas como uma só, o conjunto incluiria apenas nove cartas), toda a correspondência de Pessanha para Carlos Amaro se situa entre fevereiro de 1907, quando o poeta tinha 39 anos, e dezembro de 1912, quando já perfizera 45.

Chegado à meia-idade, Pessanha é ainda um poeta inédito. A Clepsidra só será publicada, graças aos cuidados de Ana de Castro Osório, em 1920. Mas a sua poesia já se dera a conhecer, em Portugal, a alguns dos leitores mais aptos a reconhecer-lhe o génio.

Em 1911, quando Pessanha andava provavelmente mais preocupado com as suas vicissitudes pessoais e profissionais do que com o destino público dos seus versos, assunto pelo qual nunca deu sinais de se interessar - num curioso contraste, aliás, com a fúria perfecionista que o levava a reescrever vezes sem conta cada um dos seus poemas-, um rapaz chamado Fernando Pessoa, então com 23 anos, deixava testemunho escrito da influência que o autor nele exercera. E no final do ano seguinte, Mário de Sá-Carneiro, em cuja poesia o peso do simbolismo de Pessanha é ainda mais evidente, rogava a Fernando Pessoa, em carta enviada de Paris, que lhe fizesse chegar "os violoncelos do Pessanha e o soneto sobre a mãe", porque os queria mostrar ao futurista Guilherme de Santa Rita. Num depoimento que Daniel Pires recolhe na sua cronologia do poeta da Clepsidra, Sá-Carneiro afirmaria ainda que "o mais belo livro dos últimos trinta anos" seria o livro, "imperial, que reunisse os poemas de Camilo Pessanha, o grande ritmista".

A admiração de Pessoa por Pessanha levou-o mesmo a endereçar-lhe uma longa carta, em 1915, pedindo-lhe que autorizasse "a inserção, em lugar de honra, de alguns dos seus admiráveis poemas" no terceiro número de Orpheu. A revista acabou por não sair, mas chegou a estar em provas e não incluía qualquer colaboração de Pessanha. A razão é simples: o homem em quem Pessoa reconheceu um dos seus mestres tinha provavelmente mais em que pensar na altura, e, tanto quanto se sabe, nunca lhe respondeu. No entanto, acabaria mesmo por ser a geração de Orpheu a revelar a poesia de Pessanha. Fê-lo em outubro de 1916, na revista Centauro, dirigida por Luís de Montalvor, em cujo número único surgem 16 poemas do autor (se autonomizarmos os sonetos que fazem parte de dípticos), todos eles cedidos para o efeito por Ana de Castro Osório.

Nessa sua carta de 1915, Pessoa evoca um encontro com o poeta mais velho, durante o qual o ouviu recitar as suas coisas, e explica que obteve, "pelo Carlos Amaro, cópias de alguns desses poemas". Ou seja, tudo indica que Amaro foi, por assim dizer, o elo de ligação entre Pessanha e os homens do primeiro modernismo.

Impressões de viagem

Algumas das primeiras cartas desta série valem, sobretudo, pelas impressivas notas de viagem. Pessanha conta, por exemplo, que viu, "no Mar Vermelho, e atravessando do lado de África para o da Ásia, um bando de toninhas, marchando sem destino certo, e parece que com etapas de antemão designadas, em fila cerrada e a galope, como por uma estrada um longo esquadrão de cavalaria" (transcrição de Dias Miguel). Na mesma carta, evoca o "delicioso e efémero efeito de luz" de vários arco-íris simultâneos e suspira: "Quem fosse capaz de o fixar em dois versos transparentes." E mais à frente, quando se lamenta de que "a vida de bordo entorpece, embrutece", dir-se-ia que caímos de repente no Opiário de Álvaro de Campos, que Pessoa bem podia ter dedicado a Pessanha, e não, como o fez, a Sá-Carneiro.

As cartas mais violentas são as de 1912, nas quais Pessanha, que compartilha dos ideais republicanos de Amaro, verbera a monarquia agonizante e, em particular, a Igreja Católica. "É necessário destruir à machadada, à mocada, ao pontapé de grandes botas ferradas, essa velha estrutura das convenções, a qual nem por ser de tábuas podres deixa de ser um cadafalso, e de incessantemente funcionar. E o ataque deve ser dirigido de preferência, e sempre, contra essa abominável ficção religiosa, que é ainda a trave mestra da infame construção" (transcrição de Fátima Lopes, da BN).

Em muitas cartas, é também patente o seu desdém pela sociedade portuguesa de Macau. Pessanha chegou à colónia em 1894, ao que tudo indica procurando esquecer no exílio a sua paixão não correspondida por Ana de Castro Osório, e ali veio a desempenhar várias funções de relevo, quer como docente do liceu local, quer como jurista, cujo talento até os adversários reconheciam. A imagem do poeta alucinado e andrajoso, vagueando pelos antros de ópio, é uma imagem herdada do Estado Novo e que só tem alguma remota correspondência com a realidade nos anos derradeiros da sua vida. Mas é verdade que era visto como uma figura exótica na tradicionalista comunidade de Macau, onde toda a gente se conhecia. Não ia à igreja e tinha um filho de uma concubina chinesa (amantizou-se mais tarde com uma filha dela, nascida de outro pai), o que não contribuiria para facilitar a integração, que, aliás, também não parece ter desejado.

Morreu em 1926, adormentado pelo ópio e decerto indiferente à eventual posteridade dos seus versos. Mas estes iriam ecoar em sucessivas gerações de poetas portugueses, marcando os autores de Orpheu e da Presença e, depois, poetas como Eugénio de Andrade, seu assumido herdeiro, ou, para referirmos um nome revelado já no século XXI, Manuel de Freitas, cuja poesia está cheia de alusões a Pessanha, como a desse seu poema em que "voltam, desoladas, a florir" as mesmas rosas bravas que "floriram por engano" no célebre soneto da Clepsidra.

Luís Miguel Queirós, Público, 2009-09-29

http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/dez-cartasde-um-pessanha-na-meia-idade-241749?page=-1

Para uma síntese de conhecimentos

O Fim-de-Século na Literatura Portuguesa

CONTEXTO POLÍTICO E SOCIOECONÓMICO

A monarquia entrou em grave crise na segunda metade do século XIX, sobretudo nos finais do século e nas primeiras décadas do século xx. Além de outras causas, o ultimato inglês a Portugal agravou irremediavelmente a situação, que veio a culminar na sua substituição pela república.

O partido republicano ganhou, então, importância, embora não resolvendo as divisões internas.

A crise provocada pelo ultimato inglês deve ser enquadrada num âmbito internacional, pois a depressão económica europeia de 1890 teve, entre nós, longos reflexos negativos, levando à falência de alguns bancos, à depreciação da moeda e ao aumento da divida pública.

O afluxo da população às grandes cidades acarretou, como não podia deixar de ser, o aparecimento de uma camada de pequenos burgueses explorados pelos grandes burgueses e pela aristocracia dirigente. Criaram-se situações de grande pobreza.

CONTEXTO ARTÍSTICO E LITERÁRIO

No campo literário, vários movimentos se destacaram:

- o Simbolismo, muito mais profundo que os anteriores, deslocou p foco da arte para o mundo interior de homem, procurando captar o inconsciente; para isso, teve de recorrer a uma nova gramática: a dos símbolos e a da música; a arte da representação deu lugar à arte da sugestão;

- o Neogarrettismo, imitando Almeida Garrett, valoriza as fontes da lusitanidade existentes nas tradições e no folclores nacionais;

- o Saudosismo, sobretudo através de Teixeira de Pascoaes, defendeu que "a Saudade é o próprio sangue espiritual da Raça"; Portugal, navegando no barco da Saudade, não um mero sentimento romântico, mas uma força vital, alcançaria os maiores progressos;

TRAÇOS CARACTERIZADORES DO SIMBOLISMO PORTUGUÊS

Tendo em conta os aspetos inovadores que dão à poesia portuguesa, [entre 1890-e 1915], certa fisionomia comum, serão simbolistas os poetas que participam de todas, ou quase todas, as seguintes características:

• revivescência do gosto romântico do vago, do nebuloso, do impalpável;

• amor da paisagem esfumada e melancólica, outoniça ou crepuscular;

• visão pessimista da existência, cuja efemeridade é dolorosamente sentida;

• temática do tédio e da desilusão;

• distanciamento do Real, egotismo aristocrático, e subtil análise de cambiantes sensoriais e afetivos;

• repúdio do lirismo de confissão direta, ao modo romântico, expansivo e retórico, e preferência pela sugestão indecisa de estados de alma abstraídos do contexto biográfico, impersonalizados;

• […] combinação muito hábil de «inspiração» (abandono aos acenos do inconsciente, às associações espontâneas) e «lucidez» (comando e aproveitamento desses elementos irracionais), com resultados inteiramente novos em poesia; […];

carácter fugaz, dinâmico, da imagem, pronta a dissolver-se na tonalidade afetiva e no fluir musical do poema;

musicalidade que não se reduz ao jogo de sonoridades do verso, antes, […] se prolonga em ressonância interior até para além da leitura do texto;

• vocabulário rico de palavras complexamente evocativas, ou graças à própria expressividade fonética, ou mediante um jogo subtil de incidências dumas palavras sobre as outras […].

Outros caracteres da poesia entre 1890 e 1915 serão acidentais, ou acessórios, ou de cunho mais precisamente «decadentista»; assim o gosto dos cenários exóticos, luxuosos, que vem dos parnasianos; o amor das fulgurações barrocas e dos malabarismos tmicos típicos sobretudo de Eugénio de Castro e discípulos menores.

Jacinto do Prado Coelho. «Simbolismo», in Dicionário de Literatura (disposição alterada)

[No Simbolismo, o] real (a realidade) não pode servir de modelo ao texto, isto é, ao texto não cumpre copiar o real, mas recriá-lo, tendo de observar, nesse processo, normas e preceitos, que se situam a veis diversos e assumem também, consoante os autores, dimensões diversas.

Clepsidra de Camilo Pessanha (Textos Escolhidos)

Apresentação Crítica, Seleção e Sugestões Para Análise Literária de Tereza Coelho Lopes, Lisboa, Seara Nova/Editorial Comunicação, 1979

COMPARAÇÃO ENTRE REALISMO E SIMBOLISMO

(Aula Viva. Português A. 12º Ano, J. Guerra e J. Vieira.Porto Editora, 1999, p. 236. Adaptado de O texto em análise – ensino secundário. Cesário Verde. Camilo Pessanha. Raul Brandão. António Nobre. Teixeira de Pascoaes. António A. Borregana, Lisboa, Texto Editora, 1995.)

Aspetos da poesia de Camilo Pessanha

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

(Ser em Português 12 A. Coord. A. Veríssimo. Porto, Areal Editores, 1999)

Características formais

O desenvolvimento formal, a redundância, a suspensão, a reticência criam um tom dispersivo e intensificam a sugestão.

[…]

Uma linguagem elíptica, apoiada numa desarticulação sintática, cria um ambiente dispersivo e vago.

Isabel Pascoal, «Introdução a Clepsidra». Braga, Ulisseia, 1996.

Coleção: Biblioteca Ulisseia de autores portugueses

A procura da musicalidade aparece em Pessanha finalizada na valorização fono-simbólica do texto, e corresponde à sua visão desarticulada e fluida do real. Fluidez e fragmentaridade precetiva traduzem-se numa série de recursos que vão da variação rítmica do verso à elisão, da iteração sistemática de macro e micro-elementos à insistência em certos timbres vocais. Mas, antes disso, dão vida a uma série de analogias e reenvios, de símbolos e metáforas, que acrescem em espessura e ambiguidade as sugestões meramente fónicas. [...]

O simbolismo na obra de Camilo Pessanha, Barbara Spaggiari.

Lisboa, ICALP, 1982. Coleção Biblioteca Breve - Volume 66.

1) Assinale a alternativa incorreta quanto à poesia de Camilo Pessanha:

(A) A expressão da dor da vida na poesia de Pessanha é fruto de uma funda experiência de desolação e desconsolo.

(B) A poesia de Camilo Pessanha tende à descrição detalhada dos objetos e chega a se aproximar das artes plásticas.

(C) No livro Clepsidra, de Pessanha, encontra-se realizado o ideal simbolista de expressão de imagens que combinam surpresa, clareza e sugestão.

(D)Os temas frequentes, em Clepsidra, são o da desistência diante da vida que se traduzem, na poesia, em imagens de naufrágios e ruínas.

(E) Em Clepsidra, as imagens de água se associam à representação do tempo.

(http://dc406.4shared.com/doc/13I_892v/preview.html)

2. Em Camilo Pessanha, simbolista, assim como nos ultrarromânticos, depara-se com um pessimismo que se faz expressão de um eu-lírico atormentado pela própria existência. Para esse eu-lírico, a própria existência é sua inimiga, a barbárie individualista do eu contra o próprio eu, ou ainda contra quem ama.

Baseado nessa afirmação, assinale a estrofe de Camilo Pessanha que mais se aproxima da barbárie individualista da luta do eu contra si mesmo ou contra quem lhe é próximo:

(A) “ Chorai arcadas

Do violoncelo

Convulsionadas

Pontes aladas

De pesadelo...”

(B) “Em redor do teu vulto é como um véu!

Quem as esparze – quanta flor! – do céu,

Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?”

(C) “Ao longo da viola morosa

Vai adormecendo a parlenda

Sem que, amadornado, eu atenda

A lenga lenga fastidiosa.”

(D) "Fez- no bem, muito bem, esta demora:

Enrijou a coragem fatigada…

Eis os nossos bordões da caminhada,

Vai se rompendo o sol: vamos embora.”

(E) “Ó minha pobre mãe ! … Não te ergas mais da cova.

Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...

Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.”

(UEPA PROSEL 2008 – 3ª Etapa)

3) Após a abordagem que você fez da poesia de Camilo Pessanha, recorde alguns dos seus aspetos fundamentais, preenchendo um quadro semelhante ao proposto.

Note que alguns deles estão, por assim dizer, subjacentes às suas conceções da arte e da vida, não sendo de estranhar que possam encontrar-se na maioria dos seus poemas.

Bibliografia (ligações externas)

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[Carta de Fernando Pessoa a Camilo Pessanha – 1915?] Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa, Ática, 1966.

http://arquivopessoa.net/textos/1146

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1971

Simbolismo”, Jacinto do Prado Coelho. In: Dicionário de Literatura Portuguesa, Brasileira, Galega e Estilística Literária. Porto, Figueirinhas, 1989 (4ª edição). (2ª edição, tomo 2, letras N-Z,1971)

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"Pessanha e a questão da poesia [crítica a 'Experiência da Alucinação: Camilo Pessanha e a Questão da Poesia', de Gustavo Rubim]", Paulo Franchetti. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários,n.º 135/136, janeiro de 1995, pp. 175-179.

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Camilo Pessanha e a gruta de Camões”, texto lido no Colóquio “Camilo Pessanha: orientalisme, exil et esthétiques fin-de-siècle”, Universidade Paris Oeste/Nanterre, novembro de 2008. Paulo Franchetti

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Fuga e representação do instante: um olhar oriental sobre as paisagens de inverno de Claude Monet e Camilo Pessanha”, Vagner Monteiro. XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências. São Paulo, USP, 13 a 17 de julho de 2008.

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Da ilha deserta ao cruzeiro do sul – uma leitura do motivo das navegações na poesia de Camilo Pessanha”, Mapa da língua,Paulo Franchetti, 2009-04-05.

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Camilo Pessanha e o ‘Tao Te Ching’: um capítulo, Paulo De Tarso Cabrini Júnior, Assis, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2009.

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Branco e vermelho: ponto de contato entre a poética de Camilo Pessanha e a de Herberto Helder”, Tatiana Aparecida Picosque. Revista FronteiraZnº 5, 2010 (Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária - ISSN 1983-4373)

2010

Camilo Pessanha por António Osório ou o Romance do Ensaísta?”, António Carlos Cortez. In: Revista Letras ComVida, Número 1 – 1.º Semestre de 2010

2010

Clepsidra: a presentificação do pan-sofrimento da consciência lírica de Camilo Pessanha”, Carlos Eduardo de Sousa e Daniella de Souza Bezerra. REVELLI – Revista de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas – v. 2, n. 1 – março de 2010.

2010

Imagens da China em Camilo Pessanha”, Fernando Mendonça Serafim. Anais do XXII Congresso Internacional da ABRAPLIP. ISBN: 978-85-60667-69-7.

Mafuá n.º 13 – revista de literatura em meio digital. Mafuá, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2010. ISSNe: 1806-2555

2011

Camilo Pessanha: o morto alegre e a poesia moderna”, Izabela Leal. Revista Convergência Lusíada, v. 22 n. 26 (2011): A Volta da Poesia

2011

O processo de representação do eu na Clepsidra de Camilo Pessanha, José Eduardo Ferreira. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2011. Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.

2011

O materialismo trágico em Camilo Pessanha”, Giuseppe Freitas da Cunha Varaschin. Trabalho académico realizado para a cadeira de Literatura Portuguesa II, Universidade Federal de Santa Catarina - Centro de Comunicação e Expressão, 2011.

2012

Entre o assassínio e a revelação: imagem e linguagem na Clepsydra, de Camilo Pessanha”, Icaro Ferraz Vidal Junior. In Anais do V Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Orgs.Monteiro, R. H. e Rocha, C., Goiânia-GO: UFG, FAV, 2012. ISSN 2316-6479

2012

O Simbolismo em Portugal: uma leitura de Camilo Pessanha” in Crátilo: Revista de Estudos Linguísticos e Literários, Ricardo Germano, UNIPAM, vol. 5, nº 1, março 2012.

2012

Recortes do grotesco na história da literatura portuguesa: cantigas de maldizer; satíricos barrocos; Bocage; Camilo Pessanha; Mário de Sá-Carneiro e Alberto, José Horácio de Almeida Nascimento Costa, Universidade de São Paulo, 2012.

2013

Análise temático-conceptual da Clepsidra de Camilo Pessanha sob o signo da Viagem”, Ivo Cota. Trabalho académico realizado para a cadeira de Literatura Portuguesa III, Universidade de Évora, 2013-01-09.

2013

António Feijó e Camilo Pessanha: interlocuções poéticas em traduções, Fernanda Maria Romano. Tese de doutorado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2013.

2013

Breve análise crítica de Clepsidra de Camilo Pessanha”, Ivo Cota. Trabalho académico realizado para a cadeira de Crítica Literária, Universidade de Évora, 2013-01-21.

2013

O tempo, o exílio, a saudade: «Enfim, levantou ferro» e «Passagem das horas»”, Victor Palomo. Revista Desassossego n.º 9, junho de 2013.

2013

Sobre uma proposta de publicação dos poemas de Camilo Pessanha”, Paulo Franchetti. I Colóquio Internacional do LIA: 500 anos Portugal-China: contrastes, mudanças e desafios. USP, 26 a 30 de agosto de 2013.

2013

Camilo Pessanha revisitado: o “Verlaine Português” à luz de Mallarmé, Bruno Anselmi Matangrano. São Paulo, USP, 2013.

2014

A representação da estética simbolista e sua receptividade no contexto cultural e literário do Brasil e de Portugal, Camila Paiva da Silva. Rio de Janeiro, UERJ, 2014.

2015

O Delta Literário de Macau, José Carlos Seabra Pereira. Macau, Macau SAR China: Instituto Politécnico de Macau, 2015.

2015

Tempo e Desilusão em Clepsidra”, Camila Marchioro. Curitiba, Revista Versalete, Vol. 3, nº 5, jul.-dez. 2015. ISSN: 2318-1028.

2017

A Clepsydra Libertada, Tiago Clariano. Tese de mestrado em Teoria da Literatura. FLUL, 2017.

2018

Camilo Pessanha 150 Anos | Years - Revista de Cultura n.º 56, Instituto Cultural do Governo da R. A. E. de Macau, 2018

2018

Camilo Pessanha e a figuração do espírito subjetivo”, Dionísio Vila Maior. In:1867 — Um Ano de Gigantes: Raul Brandão, António Nobre e Camilo Pessanha, organização de Ernesto Rodrigues. Lisboa, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018. ISBN — 978-989-8916-01-3

2019

Aspectos de uma estética da negação na poesia de Camilo Pessanha”, Ezequias da Silva Santos. Pato Branco, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2019

2021

Sentimento da Dor na poesia de Camilo Pessanha e a sua relação com a poesia sínica, Hu Wenlei. Lisboa, FCSH – Universidade Nova, 2021.

De acordo com o poema qual lhe parece ser o significado da palavra quimera

LUSOFONIA - PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO.

Projeto concebido por José Carreiro

1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/pessanha.htm, 2014.

2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/pessanha.htm, 2016-2018.

3.ª edição:https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/Camilo_Pessanha, 2021.

Qual é o sinônimo da palavra quimera?

Quimera também um substantivo feminino que indica uma esperança ou sonho que não é possível alcançar, uma utopia. Por esse motivo, alguns sinônimos para quimera são: devaneio; fantasia; ficção; imaginação.

O que significa última quimera?

A Última Quimera é uma mistura de ficção e realidade sobre a vida do poeta Augusto dos Anjos. A narrativa é, contada pelo amigo de infância de Augusto dos Anjos. Além de Augusto, outros grandes nomes da literatura são retratados como Olavo Bilac e Raul Pompéia.

Qual é o significado do poema Versos Íntimos de Augusto dos Anjos?

Versos Íntimos é dos poemas mais celebrados de autoria de Augusto dos Anjos. Os versos expressam um sentimento de pessimismo e decepção em relação aos relacionamentos interpessoais. O soneto foi escrito em 1912 e publicado no mesmo ano no único livro lançado pelo autor.

Qual sentido é sugerido pela imagem do enterro da última quimera?

O descrito enterro da última quimera simboliza o fim da esperança e do sonho. É passada a mensagem de que nenhuma pessoa se afeta com os sonhos perdidos de outro indivíduo, pois os seres são mal agradecidos, são como feras ariscas. Acostuma-te à lama que te espera! Necessidade de também ser fera.