Qual a influência do simpático e do parassimpático sobre a modulação da frequência cardíaca?

ARTIGO CIENTÍFICO

Avaliação da modulação autonômica da freqüência cardíaca nas posturas supina e sentada de homens jovens sedentários

Zuttin RSI; Moreno MAII; César MCIII; Martins LEBIV; Catai AMV; Silva EI, II

IPrograma de Pós-Graduação em Fisioterapia, Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) – Piracicaba (SP), Brasil

IICurso de Graduação em Fisioterapia, Unimep

IIIPrograma de Pós-Graduação em Educação Física, Unimep

IVFaculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil

VDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – São Carlos (SP), Brasil

Correspondência para

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar e comparar a modulação autonômica da freqüência cardíaca (FC) em repouso em relação à postura corporal em jovens sedentários.

MÉTODOS: Foram estudados 20 homens jovens (22,6 ± 2,5 anos), saudáveis e sedentários. A FC e os intervalos das ondas R (iR-R em ms) do eletrocardiograma (ECG) foram captados em tempo real na derivação DII modificada, com os voluntários em repouso nas posturas supina e sentada, durante 15 minutos. Os dados dos iR-R foram analisados, no domínio do tempo (DT), pelos índices RMSSD, RMSM e pNN50 (%); e no domínio da freqüência (DF) pela análise espectral, transformada rápida de Fourier (FFT), pelas bandas de baixa freqüência (BF) e alta freqüência (AF), expressas em unidades normalizadas (un) e a razão BF/AF. Para análise estatística foi utilizado o teste de correlação Spearman e o teste de Wilcoxon para amostras pareadas com significância de a= 5%.

RESULTADOS: No DT, os índices RMSSD e pNN50 apresentaram diferenças estatisticamente significantes na comparação entre as posturas supina e sentada (p< 0,05), e o RMSM não apresentou diferença estatisticamente significante na comparação entre as posturas (p> 0,05). No DF, as bandas de BF, AF e a razão BF/AF apresentaram diferença estatisticamente significante na comparação entre as posturas supina e sentada (p< 0,05).

CONCLUSÕES: Os resultados mostraram que, com a mudança postural, ocorreram ajustes autonômicos do sistema nervoso parassimpático e simpático sobre o controle da FC, o que pode ser atribuído à integridade do sistema neurocárdico.

Palavras-chaves: variabilidade da freqüência cardíaca; repouso; homens jovens; postura corporal; sistema nervoso autônomo.

Introdução

A homeostase do sistema cardiovascular é realizada por eficientes mecanismos de controle e de retroalimentação, que buscam manter a pressão arterial (PA) média e o volume venoso central dentro de uma faixa relativamente estreita de variações. Isso é conseguido pela regulação constante da freqüência cardíaca (FC) e do tônus vascular, com grande modulação por parte do sistema nervoso autônomo (SNA)1,2.

Condições patológicas, como diabetes, infarto do miocárdio e doenças degenerativas, promovem alterações na modulação autonômica da FC e na dinâmica do sistema cardiovascular. Dessa forma, os ajustes rápidos e compensatórios da FC, determinados pela ação autonômica sobre o nó sinusal para garantir a homeostase, estão comprometidos3.

O SNA do coração, por meio de seus ramos eferentes simpático e parassimpático, regula e modula as respostas e as oscilações da FC. As variações da duração dos intervalos R-R (iR-R) em milissegundos (ms) do eletrocardiograma (ECG) estão na dependência da modulação autonômica, sendo essas flutuações temporais entre duas contrações ventriculares consecutivas designadas variabilidade da freqüência cardíaca (VFC)4,5.

A partir do estudo da VFC, em repouso, pode-se obter, indiretamente e com menor custo, informações da integridade e dos distúrbios da modulação autonômica do coração, em decorrência das condições de saúde e do nível de aptidão física4,5. Tal método tem sido utilizado por vários profissionais das diversas áreas de saúde, como forma de avaliação e de reavaliação, tanto para prescrição de tratamento clínico como fisioterapêutico. Com isso, utilizá-lo na determinação de protocolos de treinamento físico mais efetivo e avaliar o seu grau de adaptação. Sendo assim, esse estudo teve como objetivo avaliar a modulação autonômica da FC, em condição de repouso, nas posturas supina e sentada, em homens jovens saudáveis sedentários.

Metodologia

O cálculo amostral foi realizado utilizando-se o aplicativo GraphPad StatMate, versão 1.01i,1998, para intervalo de confiança de 95% e power de 80%, sendo sugerido o número de 14 voluntários. Foram estudados 20 voluntários, jovens, (22,6 ± 2,5 anos) do gênero masculino, saudáveis, sedentários, com capacidade aeróbia fraca, segundo a classificação da American Heart Association (AHA)6 (VO2max: 30,2 ± 4,3mL/kg/min-1), obtida a partir do teste ergoespirométrico, não fumantes e não usuários de quaisquer tipos de medicamentos.

Os indivíduos foram orientados sobre a relevância do trabalho, os procedimentos experimentais e, após concordarem, assinaram um termo de consentimento informado, conforme as normas nº 196 do Conselho de Nacional de Saúde (CNS). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de Piracicaba onde foi realizado o trabalho, sob o parecer número 03/05.

Os voluntários foram considerados saudáveis a partir das avaliações a que foram submetidos: anamnese (coleta dos dados pessoais, hábitos de vida e alimentares, antecedentes familiares, história atual e pregressa de doenças); exames bioquímicos de sangue complementares (glicemia, triglicérides, colesterol total, uréia, creatinina e ácido úrico); avaliação física fisioterapêutica (inspeção física e muscular geral, ausculta cardíaca e pulmonar, mensuração da FC e da PA, pelo método de Korotkoff – três medidas em repouso nas posturas supina e sentada) e avaliação clínica e cardiovascular, ECG convencional de 12 derivações, em repouso, e nas derivações DI, DII e V2 modificada nas seguintes condições: repouso nas posturas supina e sentada; em hiperventilação, por 30 segundos e durante o teste ergoespirométrico máximo.

A pesquisa foi realizada em laboratório, com climatização artificial do ambiente, com temperatura entre 22 e 24°C e umidade relativa do ar entre 40 e 60%, no mesmo período do dia (entre 14 e 18 horas).

Nos dias anteriores aos testes, cada voluntário recebeu orientações relevantes para o sucesso dos mesmos, tais como: evitar o consumo de bebidas estimulantes (chá, café e bebidas alcoólica), não realizar atividade física, fazer refeições leves e ter repouso noturno de, no mínimo, 8 horas. Além disso, eles foram familiarizados com os procedimentos experimentais a partir de teste piloto, realizado uma semana antes.

Para a coleta dos dados de FC e dos IRR, os voluntários foram monitorizados na derivação DI modificada, com eletrodo negativo no manúbrio esternal, o positivo no quinto espaço na linha axilar anterior esquerda, referente V5, e o neutro no quinto espaço intercostal direito. Os sinais do ECG foram captados a partir do monitor cardíaco de um canal (Miniscope II, Instramed, Porto Alegre, RS, Brasil) e processados por meio de um conversor analógico/digital de oito canais (Lab.PC+, National Instruments Co, Austin, TX, USA) que constitui uma interface entre o monitor cardíaco e o microcomputador Pentium III. A FC foi obtida em tempo real, batimento a batimento, em uma freqüência de amostragem de 500Hz e os iR-R do ECG foram calculados utilizando um software específico7. Durante a coleta, os voluntários foram orientados a não falar e a não se movimentar.

Para avaliar a modulação autonômica da resposta da FC em relação às posturas supina e sentada, os dados foram captados por um período de 15 minutos em repouso em cada condição, respectivamente, e respirando espontaneamente.

A série de dados dos iRR foram inicialmente inspecionados para avaliar a qualidade dos mesmos e, após, foram selecionados os trechos com maior estabilidade no traçado. Em seguida, os mesmos foram analisados, desde que compreendessem, no mínimo, 5 minutos de registro ou 256 pontos8.

As análises foram realizadas utilizando-se rotinas em MatLab versão 6.5. No domínio do tempo (DT), os dados foram analisados a partir dos índices RMSSD dos iR-R em ms, que correspondem à raiz quadrada da somatória do quadrado das diferenças entre os iR-R no registro, divididos pelo número de iR-R da série de dados selecionados menos um, RMSM em ms que corresponde à raiz quadrada da somatória do quadrado das diferenças dos valores individuais em relação ao valor médio, dividido pelo número de iR-R da série de dados selecionados e pNN50 dos iR-R (a percentagem em relação ao total dos intervalos R-R que tenham diferença superior a 50ms entre cada intervalo da onda R do ECG)8.

A análise dos dados no domínio da freqüência (DF) foi realizada por meio dos dados coletados nas mesmas condições e trechos selecionados para análise no DT.

Para análise no DF, foi utilizada a transformada rápida de Fourier (FFT), aplicada em uma única janela, após uma subtração linear da tendência, nos intervalos do R-R escolhidos previamente. O componente total de potência foi obtido pela alta freqüência (AF: 0,04 a 0,15Hz) e pela baixa freqüência (BF: 0,15 a 0,4Hz), em unidades absolutas (ms2) e as unidades normalizadas foram computadas dividindo o poder absoluto de um componente de AF ou de BF (ms2) pelo componente total de potência, subtraindo a muito baixa freqüência (MBF: 0,003-0,04Hz) e multiplicando essa relação por 100. A banda de BF é modulada pelo sistema nervoso simpático e parassimpático, a banda de AF é controlada pelo vago e a razão BF/AF representa o balanço simpatovagal5,8.

A análise estatística de significância dos dados foi aplicada a partir do teste não-paramétrico de Wilcoxon. Esse teste foi selecionado pela observação de não normalidade na distribuição dos conjuntos de dados analisados, a partir do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste de correlação usado foi o de Spearman, para determinados pares de variáveis estudadas. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5% (p< 0,05).

Resultados

Na Tabela 1, estão expressos os valores de idade, características antropométricas, FC, PA em repouso na postura supina e exames bioquímico de sangue. Verifica-se que os mesmos estão dentro da faixa de normalidade.

Na Figura 1A, B e C, são apresentados os resultados das análises dos intervalos R-R (ms) no DT. Verifica-se que os índices de RMSSD (Figura 1A) e de pNN50 (%) (Figura 1C) foram superiores na postura supina em relação a sentada (p< 0,05). Já os índices RMSM dos intervalos R-R (ms), conforme Figura 1B, foram semelhantes (p> 0,05).

Pela análise no DF das variações periódicas dos intervalos RR (ms), por meio da decomposição do espectro de potência em bandas verifica-se, nas Figuras 2A, B e C que os valores de AF (un) foram superiores, de BF (un), inferiores e da razão BF/AF, inferiores, respectivamente, refletindo que a VFC diminuiu significativamente da postura supina para a sentada (p< 0,05).

Verifica-se que a correlação entre os valores dos índices RMSM (ms) e BF (un) foi moderada r= 0,51(p< 0,05) na posição supina.

Discussão

A FC de repouso é influenciada por diversos fatores, como características genéticas, antropométricas (massa corporal e estatura), idade, gênero, fatores hormonais, emocionais, nível de aptidão física, estado de saúde, entre outros9, e as influências destes podem ser analisadas a partir de testes posturais10,11.

Tem sido referido na literatura que os ajustes da modulação da FC da postura supina para sentada, são decorrentes dos desvios hidrostáticos causados pelo deslocamento do sangue da região central para as regiões inferiores, reduzindo o débito cardíaco, a PA sistêmica e a ativação dos receptores arteriais e cardiopulmonares12,13. Siebert et al.14, avaliando a modulação do balanço simpatovagal sobre o nó sinusal por meio da análise da VFC no DF na transição da postura supina para em pé, observaram aumento dos valores da banda de BF. No entanto, esses autores referem que o predomínio da ativação simpática é devido à estimulação adrenérgica, aos mecanismos de Frank-Starling, à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e de outros neurohormônios.

Em condição de repouso, temos interação simpatovagal; porém, o predomínio de um em relação ao outro pode variar de acordo com a mudança postural. Desta forma, o estudo da VFC em repouso nas posturas supina e sentada nos permite identificar alterações do balanço simpatovagal sobre o nó sinusal11. Tem sido referido que, em supino, ocorre maior ativação parassimpática sobre o nó sinusal, em relação à posição sentada15. No presente estudo, observamos diminuição da atuação simpática em relação à parassimpática na postura supina, apresentando maior VFC. Acharya et al.12 verificaram que mulheres e homens jovens apresentaram maiores valores dos índices RMSSD (ms), pNN50 (%) e menores valores da razão BF/AF na postura supina em relação à sentada, sendo estes resultados concordantes com os da presente investigação.

O componente espectral de BF representa a ativação da atividade simpática e parassimpática, sendo modulado pelo barorreflexo e pelas oscilações cíclicas da PA (ondas de Meyer). O componente de AF representa a atividade do eferente vagal; a razão BF/AF nos indica a relação do balanço simpatovagal, uma vez que, quanto maior for esse valor, maior será o predomínio simpático16. Os resultados do presente estudo foram semelhantes aos de outros autores3,14, sendo o componente de AF na postura supina maior, indicando predomínio parassimpático em relação à postura sentada e maiores valores dos componentes de BF e de BF/AF na postura sentada.

De acordo com Maia16, em condições fisiológicas, os índices de RMSSD (ms) e o pNN50 representam a atividade vagal; porém, os índices de RMSM representam a modulação simpato-vagal. Esse autor refere que valores menores de 30ms de RMSSD e de 4% de pNN50 deverão ser considerados como um fator de risco para o desencadeamento de arritmias, havendo indicação para uso de betabloqueadores. Na presente investigação, foi constatado que os voluntários, apesar de sedentários, apresentaram valores dos índices RMSSD= 45 e 35ms e pNN50= 28 e 11%, na postura supina e sentada, respectivamente, dentro da normalidade conforme dados da literatura8,16. Paschoal et al.17 e Mello et al.18 mostraram que a média dos índices RMSSD estão próximos aos nossos dados.

A literatura refere que o índice RMSM representa o balanço simpatovagal e que existe uma correlação entre RMSM e BF – dados esses concordantes com o presente estudo.

A análise no DF tem sido considerada uma ferramenta mais robusta, se comparada com a análise no DT para a análise da VFC na identificação das variações na resposta da FC. Apesar de nossos resultados terem correlação entre os índices RMSM e BF19, o RMSM não apresentou diferença estatisticamente significante; isto porque pode ocorrer modificação na modulação autonômica, sem que ocorram variações na resposta da VFC observadas a partir da análise no DT11.

Conclusão

Diante dos resultados do estudo, podemos concluir que ocorreram ajustes autonômicos do sistema nervoso parassimpático e simpático sobre o controle da FC com a mudança postural, o que pode ser atribuído à integridade do sistema neurocárdico.

  • Correspondência para:

    Ester da Silva

    Rodovia do Açúcar, km 156, Campus Taquaral

    CEP 13400-911, Piracicaba (SP), Brasil

    e-mail:

  • Recebido: 6/11/2006

    Revisado: 20/06/2007

    Aceito: 9/10/2007

    Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundo de Apoio a Pesquisa (FAP/Unimep)

    Correspondência para: Ester da Silva Rodovia do Açúcar, km 156, Campus Taquaral CEP 13400-911, Piracicaba (SP), Brasil e-mail:

    Qual a influência do sistema simpático e parassimpático no coração?

    Assim, a atuação do sistema nervoso simpático e parassimpático no coração é bem distinta, uma vez que o simpático aumenta os batimentos cardíacos (sendo ativado, por exemplo, em situações de estresse ou exercícios físicos) e o parassimpático os diminui (predispondo, por exemplo, à bradicardia necessária para que o ...

    Como os nervos simpáticos e Parassimpáticos controlam o ritmo cardíaco?

    A relação entre SNP Autônomo Simpático e Parassimpático Em geral, nos órgãos em que o Simpático é estimulador, o Parassimpático tem ação inibidora, e vice-versa. Por exemplo: a estimulação do Simpático acelera o ritmo cardíaco, ao passo que a estimulação das fibras parassimpáticas diminui esse ritmo.

    Qual o papel do sistema nervoso simpático e parassimpático no controle da pressão arterial?

    Sendo a função do sistema nervoso simpático a de vasoconstrição e aumento da frequência e débito cardíaco, enquanto o parassimpático trabalha como antagonista dessas funções, porém sem efeito vascular. Esse sistema é ativado por centros localizados na medula espinhal, no tronco cerebral e no hipotálamo.

    Quais outros fatores influenciam na regulação da frequência cardíaca?

    Fatores que podem causar variação na frequência cardíaca Outros fatores que estão completamente associados ao aumento dos batimentos cardíacos são genética, ansiedade, estresse, doenças cardíacas, excesso de álcool ou cafeína, drogas, tabagismo e hipoglicemia.