Qual o ponto de partida para a elaboração de uma proposta de formação continuada

Consultoria pedagógica: Selene Coletti

Qual o ponto de partida para a elaboração de uma proposta de formação continuada
Crédito: Getty Images

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) teve seu primeiro ano de aplicação em sala de aula impactada pela pandemia do novo coronavírus. Assim, dúvidas antigas e novas associadas a como transpor as habilidades e competências do documento para o planejamento e prática ainda são comuns entre os educadores. Neste cenário, a formação continuada, conduzida pelos coordenadores pedagógicos, é um guia importante para auxiliar no trabalho da sala de aula.

Fazer a leitura da Base, entender quais são as habilidades prioritárias considerando o ano letivo de 2020 e 2021 e ter clareza dos conteúdos e objetivos que esperam ser atingidos no ano são os primeiros passos para planejar de forma alinhada ao documento. “É a partir daí que o educador poderá planejar a sua atividade”, aponta Selene Coletti, vice-diretora da Escola Municipal de Educação Básica Philomena Zupardo, em Itatiba (SP), formadora de professores e colunista do site de NOVA ESCOLA. “Geralmente acontece o contrário: pensa-se na atividade e depois em quais habilidades se adequam. Esse é um ponto importante a ser trabalhado, independente de qual for o referencial”.

Exemplo prático do planejamento da atividade após escolher a competência e/ou habilidade específica a ser trabalhada:

“Se pretendo atingir a competência específica 3 da Língua Portuguesa (utilizar diferentes linguagens para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação) com o foco na produção de textos orais e escritos, preciso pensar em propostas que trabalhem as habilidades de planejar o texto com a ajuda do professor: reler, revisar o texto, editar a versão final”, sugere a vice-diretora Selene Coletti.


O ponto de partida para que o coordenador possa promover o trabalho de formação da BNCC com a sua equipe de professores é identificar o que sabem sobre o assunto. Desse modo, vale uma recapitulação sobre a BNCC do Ciclo de Alfabetização. Para isso, faça abaixo nosso teste e confira como andam seus conhecimentos sobre o tema (e compartilhe com sua equipe para que possam comentar os resultados ou os pontos que tiveram dúvida): 

Para provocar a reflexão da equipe de professores sobre o raciocínio e fluxo por traz do planejamento de uma aula alinhada à BNCC, um dos caminhos possíveis é analisar um bom   plano de aula  (NOVA ESCOLA oferece um acervo de mais de 6 mil planos de aula alinhados à Base que podem ser usados para aplicar esta sugestão – confira clicando aqui), sugere Selene. O coordenador pedagógico pode trazer questionamentos no horário de trabalho pedagógico coletivo (HPTC) – virtual ou presencial – sobre como as habilidades indicadas na apresentação dos planos se desdobram na atividade proposta. Depois de discutido este tópico, o time de professores também pode ser questionado sobre como aqueles objetivos propostos podem ser constatados que foram atingidos com aquela aula no contexto do ensino remoto ou presencial, dependendo da realidade que a escola se encontra naquele momento.

Para entender o básico da BNCC do Ciclo de Alfabetização

Ao contrário dos currículos municipais e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que traziam orientações didáticas (o “como ensinar”), a BNCC concentra-se no desenvolvimento das competências e habilidades (trazendo “o que ensinar”). Na Base, há habilidades específicas previstas em cada componente curricular para todos os anos da Educação Básica. Há também as competências específicas das áreas do conhecimento e aquelas gerais (também muitas vezes chamadas de socioemocionais) que são transversais da Educação Infantil ao Ensino Médio.

De acordo com a BNCC...

Competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”.

“Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos –, que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas.”


Selene explica que a Base do Ciclo de Alfabetização está pautada na centralidade do texto e no trabalho com as práticas sociais de leitura e escrita, o que implica o uso e produção de textos que dialoguem com contextos reais (como a produção de uma lista de compras ou uma receita). Além disso, está embasada em atividades nas quais os alunos precisam refletir sobre o sistema de escrita alfabética, no trabalho com a consciência fonológica e no conhecimento das letras para ajudar a criança a evoluir em suas hipóteses de escrita.

Checklist para apoiar a pauta de formação

Abaixo, confira nove dicas que podem ajudar na orientação do planejamento do coordenador pedagógico

1. Retome a estrutura do documento de forma breve, pois a grande maioria dos professores já conhece. Mas, caso haja alguém na turma que ainda não teve contato com a Base, trabalhe de forma individualizada os pontos necessários para apoiar o desenvolvimento deste profissional ou de um grupo.

2. Aborde com a equipe a concepção que cada um tem sobre alfabetização e como a criança aprende e se alfabetiza a fim de estabelecer ligações com as ideias do documento. É sabido que a concepção está conectada à prática. Por isso, propor essa reflexão é fundamental e pode ajudar a concretizar mais quais são as ações necessárias para transpor a Base da teoria para a prática.

3. Aposte em analisar bons modelos e caminhos possíveis para planejar uma aula alinhada à BNCC e peça para que os professores também tragam suas experiências pessoais para discutir e construir um conhecimento coletivo que considere as necessidades do time.

4. Discuta com o grupo como a pandemia tem sido um complicador da implementação da BNCC, buscando alternativas para mudar este quadro. Ouça o grupo, dê sugestões e exemplos de como fazê-lo,  se for o caso. 

5. Organize a formação conforme a necessidade e perfil do grupo de professores buscando as estratégias formativas que melhor se adequem ao mesmo.

6. Identifique como cada professor planeja a sua aula. Isto é, se pensa na habilidade para poder planejar a proposta ou se tenta encaixar a proposta em uma habilidade, uma vez que o recomendável é, primeiro, o professor ter claro o que quer trabalhar para, então, planejar sua aula. Especialmente em 2021, será necessário um trabalho de planejamento que considere as habilidades prioritárias de 2020 e do ano atual (saiba mais aqui). Para isso, analise os semanários  ou mesmo observe as aulas, dando devolutivas para o professor por meio de boas perguntas promovendo a reflexão sobre a prática em questão.

7. Promova momentos nos quais o professor faça análise do que vem planejando e do como vem planejando. É primordial que o coordenador crie estes espaços na escola. E quando for o caso, planeje juntamente com aquele profissional que ainda está encontrando dificuldades para fazê-lo.

8. Combine no início do encontro para alguém registrar as principais ideias para compartilhar essa sistematização com todo o grupo (o registro também pode ser feito de forma coletiva, especialmente se ele for realizado de forma online, em que todos podem incluir comentários em tempo real num documento ou num quadro de post-its). Além de ser um registro do encontro, pode ser consultado no futuro para retomar ideias para serem testadas no planejamento das atividades.

9. Tematize a prática observada, ou seja, traga para reflexão e discussão as atividades didáticas observadas na sala de aula (vídeos, propostas didáticas) buscando analisar as concepções que estão nelas implícitas e por consequência as intervenções que permitem o avanço do processo de ensino e aprendizagem.

Por onde começar: quais são as dúvidas dos professores?

O coordenador pedagógico deve planejar uma formação continuada de acordo com as necessidades da sua equipe e realidade de desafios enfrentados no ensino de suas turmas. Um bom caminho para identificar qual é o perfil do time é elaborar perguntas que ajudem a identificar o que os professores sabem sobre a BNCC do Ciclo de Alfabetização. Para fazer isso com cuidado, é recomendável utilizar ferramentas como o Google Formulário, em que cada um possa responder sem o risco de não se sentir à vontade, o que pode acontecer em uma roda de conversa presencial. Outra opção é enviar o teste do início desta reportagem previamente para os docentes fazerem uma autorreflexão sobre como estão seus conhecimentos sobre a Base dos anos que atuam pode ser um bom começo de conversa.

A partir de dinâmicas como as sugeridas, o coordenador terá informações para mapear quais conhecimentos sua equipe precisa aprofundar e conseguir planejar formações mais significativas para o desenvolvimento da equipe. É nisso que tem apostado Simone Souza da Silva Cordaro, coordenadora pedagógica do Fundamental 1 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Eduardo Prado, na zona norte de São Paulo. Para a educadora, o ponto de partida de qualquer formação são os saberes do time. Recém-chegada à escola, ela conta que o primeiro passo foi fazer um diagnóstico inicial para saber o que os professores sabem, o que vivem na rotina de pandemia da covid-19 e de quais formações já participaram associadas ao tema, por exemplo. Com essas informações será possível nortear o trabalho pedagógico de Simone, que neste ano, seguirá sendo de forma remota. “Nossas formações têm olhado para o currículo da cidade, elaborado a partir da BNCC,  e explorado a proposta do documento, que enfatiza a linguagem como lugar de interlocução, procurando sempre se aproximar da tecnologia para auxiliar as crianças no processo da alfabetização”, explica Simone.

Sugestões para entender o que o grupo sabe e o que ainda precisa aprofundar sobre a BNCC

Com o objetivo de mapear o nível de conhecimento da equipe sobre o documento, o coordenador pode trazer perguntas que permitam obter um perfil do grupo, além de delinear ações para estimular a reflexão sobre a prática e para promover o avanço do processo de ensino. A seguir, apresentamos algumas possibilidades de perguntas-guia, que podem ser respondidas no Google Formulários, em dinâmicas online ou presenciais, ou que podem, por exemplo, ser  utilizadas como um guia para elaborar uma pauta de reflexão e observação das próprias aulas dos professores, sendo registradas nos semanários docentes ou planejamento de aulas ou mesmo acompanhadas pelo coordenador nas observações de sala.

 Perguntas para mapear o nível de conhecimento sobre o documento:

- Como você costuma planejar suas aulas?

- Você costuma fazer o planejamento segundo a BNCC? 

- Como você usa a Base para planejar suas aulas?

- Como você entende os conceitos de habilidades, competências e eixos temáticos contidos na BNCC?

- Você utiliza habilidades, competências e eixos temáticos da Base na sua prática diária (ou ao planejar suas aulas)?

Perguntas para mapear o nível de conhecimento sobre a aplicação prática do documento:

 - Como você usa as habilidades na hora de planejar uma atividade?

- Como você utiliza os conceitos de habilidades, competências e eixos temáticos no seu planejamento?

- Você planeja suas aulas a partir das habilidades e competências?

- Sua aula está focada em uma única habilidade?

As respostas obtidas serão o norte do planejamento das formações e intervenções que o coordenador irá realizar ao longo de um período.

A experiência na minha escola pública

Juliana Rodrigues da Rocha Fattori está há quatro anos à frente da coordenação pedagógica dos Anos Iniciais e Finais na Escola Municipal de Educação Básica Philomena Salvia Zupardo, em Itatiba, no interior de São Paulo. Ela conta que, neste ano, a equipe vem realizando um estudo aprofundado da BNCC para o Ciclo de Alfabetização. Essa análise da Base é feita por meio do currículo municipal que foi readequado de acordo com o documento e o Currículo Paulista.

“Diante das necessidades práticas das novas professoras em abordar a questão da alfabetização, estamos apresentando e estudando os subsídios que a BNCC oferta”, conta Juliana. “Com isso, a intenção é que as professoras reflitam sobre as propostas e as atividades a serem desenvolvidas em sala de aula”. Os estudos teóricos estão ocorrendo nas reuniões de HTPC da escola.

Na prática, a coordenadora tem buscado mapear as dúvidas e as dificuldades dos professores e, com isso, elaborar as pautas formativas, de acordo com as necessidades dos docentes. Além do levantamento de conhecimentos prévios, ela leva para os encontros a parte teórica e reflexiva da Base sobre o Ciclo de Alfabetização. A partir dos estudos, discutem e analisam as práticas em sala de aula que propiciem condições e estímulos para a apropriação do sistema de escrita alfabética.

Ela explica ainda que a equipe está explorando a BNCC, mas a proposta é estudar as concepções que o documento traz em relação à Educação, analisando e discutindo como inserir as competências gerais nas práticas pedagógicas. Com os estudos e com os dados da avaliação diagnóstica com foco na hipótese de escrita, a ideia é explorar modelos e sugestões de atividades que sejam significativas e desafiadoras. “Assim, propiciamos ao aluno não somente o avanço no processo da alfabetização, mas também contribuímos para o seu desenvolvimento integral, sendo crítico, autônomo e responsável perante as mais diversas situações e contextos”, completa a coordenadora.

Como elaborar uma formação continuada?

Como fazer uma formação continuada para professores?.
Entender as necessidades da equipe. ... .
Aplicar pesquisas de autoavaliação. ... .
Estimular a postura de professor-pesquisador. ... .
Promover seminários com profissionais sobre o tema. ... .
Alinhar a capacitação com o objetivo da escola..

Como se dá o processo de formação continuada dos professores?

Ela se dá geralmente com cursinhos de curta duração, simpósios, reuniões e também por outras ações que têm como princípio a prática da autoformação e da formação colaborativa entre professores (MALDANER e NERY, 2009), nos quais não se rompe com a racionalidade técnica.

Quais são os princípios da formação continuada?

Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários para que o ambiente de aprendizagem possa refletir esses valores.

Quais as premissas Precisamos acordar para a qualidade da formação continuada?

Premissas da formação continuada de qualidade Regime de colaboração: a colaboração entre estados e municípios pode viabilizar mais recursos para que a rede pública desenvolva ações de formação continuada. Continuidade: as ações não devem ser pontuais, mas sim contínuas, para que seja possível haver reflexão e mudança.