O que fazer após á liquidação de sentença?

26/02/19 | por | Doutrina | 4 comentários

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Daniel Roberto Hertel

SUMÁRIO: Introito – 1. Noções sobre a liquidação de sentença: 1.1. Finalidade; 1.2. Cabimento; 1.3. Modalidades de liquidações; 1.4. A liquidação imprópria da sentença coletiva e a orientação do Superior Tribunal de Justiça – 2. A liquidação de sentença no novo Código de Processo Civil: 2.1. Natureza jurídica; 2.2. Matéria a ser discutida; 2.3. Módulo procedimental da liquidação: 2.3.1. Forma de requerimento; 2.3.2. Intimação do requerido; 2.3.3. Rito da liquidação pelo procedimento comum; 2.3.4. Rito da liquidação por arbitramento; 2.3.5. Decisão e ação rescisória – 3. Memória de atualização da dívida – Considerações finais – Referências.

INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil brasileiro contempla dois tipos de processos: o de conhecimento e o de execução (Parte Especial, Livros I e II). A novel codificação não contempla mais um livro próprio destinado ao processo cautelar autônomo, como existia no Código de Processo Civil anterior.

O processo de conhecimento, como regra, contempla dois módulos ou fases, sendo uma de natureza cognitiva, destinada ao reconhecimento de direitos, e outra de natureza executória, que é utilizada quando o devedor não cumpre o que foi reconhecido no módulo anterior, ou seja, no cognitivo.

É possível, contudo, que no módulo cognitivo o Juiz de Direito, malgrado reconheça a existência de uma obrigação que não foi adimplida pelo réu, relegue para outra etapa a fixação do quantum debeatur, que deverá ser satisfeito pelo demandado. Essa outra etapa do procedimento é conhecida como liquidação de sentença, sendo tratada no novo Código de Processo Civil nos arts. 509 a 512.

1 NOÇÕES SOBRE A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

O credor, para requerer o cumprimento de sentença ou mesmo a execução autônoma de um título extrajudicial, deverá atender dois requisitos: título executivo e inadimplemento do devedor. A propósito, o art. 786 do CPC prevê que “A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo”.([1]) Assim, o título que embasará o pedido de cumprimento de sentença deve contemplar obrigação que apresente as características da certeza, da liquidez e da exigibilidade. Se a obrigação contemplada no título executivo não apresentar a característica da liquidez, haverá necessidade de ser requerida, antes da execução, a liquidação da sentença.([2])

1.1 Finalidade

A liquidação consiste em um procedimento destinado a atribuir um valor ao título executivo. O cumprimento de sentença, de fato, não poderá ser instaurado se o título executivo judicial contemplar obrigação ilíquida, caso em que, antes de se requerer a execução, haverá necessidade de ser instaurado módulo procedimental para sua liquidação. Nesse passo, a finalidade da liquidação é atribuir um valor ao título executivo que contempla uma obrigação ilíquida.

A título de exemplo, lembre-se da sentença penal condenatória com trânsito em julgado que não estabeleça valor mínimo indenizatório,([3]) devendo ser salientado que tal sentença, conforme estabelece o art. 515, inc. VI, do CPC, é título executivo judicial. O referido título, contudo, apresenta a característica da iliquidez, porquanto não prevê o quantum indenizatório que é devido. Em tal caso, o pedido de cumprimento de sentença a ser formulado perante o Juízo Cível competente deverá ser precedido de liquidação.

1.2 Cabimento

A liquidação em sentido técnico, enquanto módulo procedimental disciplinado no art. 509 do CPC, somente terá cabimento em relação aos títulos judiciais.([4]) Prevê, com efeito, aquele dispositivo, que “quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á a sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor”. Note-se que, no preceito, o Legislador fez referência expressa à sentença, não fazendo, realmente, menção aos títulos extrajudiciais.

É bem verdade que se afigura possível a realização de liquidação incidental em relação a um título executivo extrajudicial que contemple obrigação de dar, quando o cumprimento de tal obrigação se tornar impossível. A propósito, o art. 809, caput, do CPC, estabelece que “o exequente tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando essa se deteriorar, não lhe for entregue, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente”, enquanto o parágrafo primeiro daquele dispositivo prevê que “serão apurados em liquidação o valor da coisa e os prejuízos”.

Contudo, essa apuração dos valores não será feita em módulo procedimental do processo de conhecimento, mas sim em um incidente do processo de execução de título extrajudicial. Não se trata, portanto, de um procedimento de liquidação típica, mas sim uma forma de liquidação sui generis ou atípica.

1.3 Modalidades de liquidações

Existem três modalidades de liquidações: a) pelo procedimento comum; b) por arbitramento; e c) por cálculos do contador.

A liquidação pelo procedimento comum é aquela na qual o autor do requerimento pretende alegar e provar fatos novos. Está prevista no CPC, nos arts. 509, II, e 511.

De outra banda, a liquidação por arbitramento é aquela na qual há necessidade de produção de prova pericial, ou seja, em tal caso o autor do pedido de liquidação precisa produzir uma prova técnica pericial para quantificar os danos. Essa modalidade de liquidação está contemplada nos arts. 509, inc. I, e 510 do CPC.

Tem-se, ainda, uma terceira modalidade de liquidação, a realizada mediante cálculos do contador. Tal liquidação é empregada quando há necessidade de ser realizada uma mera atualização monetária da dívida, mas deve ser salientado que essa modalidade de liquidação, malgrado prevista para o processo do trabalho,([5]) não encontra previsão no Código de Processo Civil, sendo substituída, com razoável número de vantagens, pela memória de atualização da dívida ou demonstrativo de débito atualizado.

A propósito, o art. 509, § 2º, do CPC, prevê que “Quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença”, havendo previsão ainda no art. 524, daquele Código, que o pedido de cumprimento de sentença “será instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito […]”.

1.4 A liquidação imprópria da sentença coletiva e a orientação do Superior Tribunal de Justiça

A jurisprudência e a doutrina reportam-se, ainda, à chamada liquidação imprópria.([6]) Tal modalidade de liquidação é realizada nas ações coletivas, incumbindo ao credor demonstrar não apenas o quantum debeatur a que faz jus, mas também a legitimidade ad causam para requerê-la.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado que a liquidação imprópria da sentença proferida em ação coletiva afigura-se obrigatória,([7]) já tendo sido assentado que:

A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de “quantia certa ou já fixada em liquidação” […] porquanto, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica”, apenas “fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” (art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial […].([8])

Diante de tal cenário, caso o credor requeira o cumprimento individual da sentença coletiva, sem prévia liquidação, deverá o magistrado oportunizar a emenda da petição inicial para que o pedido seja corrigido, na forma do art. 321 do CPC, valendo lembrar ainda do princípio da primazia da resolução do mérito, segundo o qual devem ser evitadas as sentenças terminativas.

De outro flanco, para que não haja confusão, cumpre, ainda, diferenciar a liquidação coletiva da liquidação individual da sentença coletiva. A primeira é aquela em que o quantum indenizatório será revertido para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.([9]) A título de exemplo, basta imaginar situação na qual uma sociedade empresária de grande porte esteja a gerar poluição ambiental de relevo. A reparação do prejuízo causado ao meio ambiente será feita em sede de ação civil pública, havendo possibilidade de ser relegada a fixação do quantum indenizatório para a fase de liquidação coletiva. Já a liquidação individual da sentença coletiva será empregada quando os credores que foram lesados requererem individualmente a liquidação da sentença coletiva. Cada credor, então, demonstrará a sua legitimidade e requererá ao juiz a fixação do quantum devido a título de indenização.

2 A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Cumpre, agora, analisar de modo meticuloso a disciplina da liquidação de sentença no novo Código de Processo Civil.

2.1 Natureza jurídica

Antes do advento da Lei n. 11.232/05, a liquidação da sentença possuía natureza jurídica de ação autônoma de conhecimento. Assim, uma vez proposta a ação de liquidação, inaugurava-se um processo de conhecimento. Esse processo era encerrado por meio de sentença, da qual era cabível o recurso de apelação, desprovido de efeito suspensivo. No novo Código de Processo Civil, contudo, a liquidação foi concebida como um módulo do procedimento do processo de conhecimento, não tendo aptidão para inaugurar novo processo.

2.2 Matéria a ser discutida

Em sede de liquidação de sentença, a única matéria que será discutida refere-se à definição do quantum debeatur, ou seja, a matéria referente ao quantum indenizatório que é devido.([10]) A matéria relativa ao an debeatur já está preclusa e não será discutida em sede de liquidação de sentença, valendo lembrar que o art. 509, § 4º, do CPC, prevê que “na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”.

2.3 Módulo procedimental da liquidação

Cumpre, agora, analisar o módulo procedimental da liquidação de sentença. Inicia-se esse estudo pelo requerimento de liquidação.

2.3.1 Forma de requerimento

Como visto, a liquidação não é uma ação, motivo pelo qual deve ser requerida por meio de simples petição, a qual, mutatis mutandis, deve atender aos requisitos do art. 319 do CPC. No requerimento de liquidação de sentença caberá ao postulante pleitear ao Juiz que seja inaugurada a fase de liquidação na modalidade pretendida, seja por arbitramento (art. 509, inc. I, do CPC) ou mesmo pelo procedimento comum (art. 509, inc. II, do CPC). Nessa ordem de ideias, cumpre lembrar que a Súmula 344 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “a liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”.

Tenho que não se afigura lícito ao Julgador, diante do princípio dispositivo ou da inércia (art. 2º do CPC), instaurar ex officio o módulo de liquidação de sentença, sob pena inclusive de, mediante tal postura, incorrer em violação dos princípios da imparcialidade e da autonomia das partes. Mas nada impede que o Juiz converta um tipo de liquidação em outro, levando-se em conta o princípio da fungibilidade.

Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:

Quanto às modalidades de liquidação, vige no sistema processual civil o princípio da fungibilidade, segundo o qual a determinação do quantum debeatur deve se processar pela via adequada, independentemente do pedido feito pela parte ou do preceito expresso na decisão judicial (REsp 1590902/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26.04.2016, DJe 12.05.2016).

Entendo oportuno mencionar, ainda, que o módulo de liquidação de sentença poderá ser instaurado tanto a requerimento do credor, como a requerimento do devedor (art. 509, caput, do CPC). O devedor, portanto, poderá antecipar-se ao credor e promover aquele módulo procedimental.

2.3.1.1 A situação relativa ao requerimento da liquidação da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, da sentença arbitral, da sentença e da decisão interlocutória estrangeiras

Problema de relevo diz respeito ao requerimento de liquidação da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, da sentença arbitral e da sentença estrangeira. Em todos esses casos, não existe uma base processual prévia na esfera cível. No caso da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, por exemplo, existe apenas um processo penal, que geralmente tramita por um juízo que, normalmente, não tem competência em matéria cível.

Ora, não existindo uma base processual prévia na esfera cível para tais demandas, a liquidação dessas sentenças, embora ontologicamente, hoje, no meu modo de pensar, não deixe de ser um módulo procedimental, deverá ser instaurada perante o Juízo competente, com a respectiva citação do requerido, providência que se alinha com o princípio do contraditório substancial (arts. 9º e 10 do CPC). A propósito da matéria, o art. 515, § 1º, do CPC estabelece que nos casos de sentença penal condenatória transitada em julgado, a sentença arbitral, a sentença e decisão interlocutória estrangeira “o devedor será citado no juízo cível para o cumprimento da sentença ou para a liquidação no prazo de 15 (quinze) dias”.

Lembro que a liquidação da sentença penal condenatória com trânsito em julgado poderá ser formulada em face do autor do crime, ou seja, do condenado criminalmente, mas não em face do responsável civil pelos atos praticados por ele. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça há muito já assentou que:

A sentença penal condenatória não constitui título executivo contra o responsável civil pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação jurídico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo processo de conhecimento, tendente à obtenção do título a ser executado (REsp 343.917/MA, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 16.10.2003, DJ 03.11.2003, p. 315).

2.3.2 Intimação do requerido

Requerida a liquidação, deverá o requerido ser intimado desse pedido. Tal intimação deverá ser realizada tanto na liquidação por arbitramento como na liquidação pelo procedimento comum. Malgrado o art. 511 do CPC faça alusão apenas à intimação do demandado no caso de liquidação pelo procedimento comum, o fato é que tal previsão deve ser aplicada também em relação à liquidação por arbitramento, tendo em vista que o novo Código de Processo Civil é norteado pelo princípio do contraditório substancial (arts. 9º e 10).

Tal intimação deverá ser feita na pessoa do advogado do requerido, ou mesmo na sociedade de advogados a que o causídico estiver vinculado. A intimação realizada na sociedade de advogados, em conformidade com o disposto no art. 272, § 2º, do CPC, somente deverá ser feita dessa forma caso tenha sido assim requerida.

E se o requerido foi revel no processo, não tendo, por exemplo, advogado constituído nos autos? Não haverá necessidade de intimação pessoal do requerido, fluindo o prazo para eventual manifestação do réu da data da publicação do ato que deferiu o processamento da liquidação. A propósito da matéria, o art. 346 do CPC prevê que “os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial”.

2.3.3 Rito da liquidação pelo procedimento comum

O art. 509, inc. II, prevê que “quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo”. Sendo assim, é possível asseverar que a liquidação por artigos será utilizada quando o credor pretender alegar e, por óbvio, provar fatos novos.

Fatos novos são aqueles acontecimentos anteriores, concomitantes ou supervenientes à ação de indenização e que tenham relação direta com o quantum debeatur. Note-se que para fins de conceituação de fato novo é irrelevante o prisma temporal. Fato novo, a rigor, então, é aquele que não está nos autos. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que “fato novo é aquele tendente a demarcar os limites do valor enunciado na sentença liquidanda ou aquele que possibilite a especificação do objeto nela já reconhecido, no entanto, ainda não individualizado”.([11])

Nessa ordem de ideias, seria fato novo, capaz de ser alegado e provado em liquidação pelo procedimento comum, o que tenha surgido antes de ajuizada a demanda condenatória, e que nela não tenha sido alegado; o fato surgido no curso do processo condenatório, mas que nele não tenha sido levado em consideração; o fato surgido após a formação da sentença condenatória, mas antes do ajuizamento da demanda de liquidação; e, por fim, o fato superveniente à própria instauração do incidente de liquidação de sentença. Desde que tal fato diga respeito ao quantum debeatur, revelar-se-á adequada a liquidação pelo procedimento comum.([12])

Exemplo de liquidação pelo procedimento comum ocorre quando uma determinada pessoa, vítima da prática de ato ilícito, propõe ação de indenização em face do agressor sem especificar o quantum debeatur, cuja mensuração demandará o decurso de algum tempo. Por outras palavras: o prejudicado não delimitou a extensão dos seus prejuízos, pois não tem ainda conhecimento de quantas intervenções cirúrgicas deverá submeter-se, de quanto despenderá com medicamentos ou com tratamento fisioterápico. Deduz, então, pedido ilíquido, na forma do art. 324, § 1º, inc. II, do CPC.([13]) A liquidação dessa sentença será feita pelo procedimento comum, cabendo ao credor alegar e provar fatos novos.

Prevê o art. 511 do CPC que:

Na liquidação pelo procedimento comum, o juiz determinará a intimação do requerido, na pessoa de seu advogado ou da sociedade de advogados a que estiver vinculado, para, querendo, apresentar contestação no prazo de 15 (quinze) dias, observando-se, a seguir, no que couber, o disposto no Livro I da Parte Especial deste Código.

Apresentada a contestação, o procedimento da referida liquidação será o comum, com observância dos arts. 347 e seguintes do CPC.

2.3.4 Rito da liquidação por arbitramento

O art. 509, inc. I, do CPC estabelece que “quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação”. As três hipóteses mencionadas no dispositivo, quais sejam, “determinado pela sentença”, “convencionado pelas partes” e “exigir a natureza do objeto da liquidação”, podem ser agrupadas em uma única hipótese. Havendo necessidade de realização de prova pericial para determinação do quantum debeatur, o caso será de liquidação por arbitramento.

Cite-se, como exemplo, hipótese em que uma pessoa tenha causado, ao conduzir a sua embarcação, uma colisão em outra. Proposta a ação de reparação de danos, o autor não delimitou o quantum do seu pedido, em virtude da ausência de elementos para tanto.([14]) Suponha-se que as peças para reparação da embarcação sejam oriundas de outro país. O juiz julga procedente o pedido, condenando o requerido a pagar todas as despesas que foram causadas ao requerente, a serem apuradas na fase de liquidação.

O procedimento da liquidação por arbitramento está previsto no art. 510 do CPC, que prevê que “na liquidação por arbitramento, o juiz intimará as partes para a apresentação de pareceres ou documentos elucidativos, no prazo que fixar, e, caso não possa decidir de plano, nomeará perito, observando-se, no que couber, o procedimento da prova pericial”. O dispositivo merece ser esclarecido porque uma vez requerida a liquidação, o Magistrado, antes de nomear o perito, deverá determinar a intimação da parte contrária, na pessoa do seu advogado ou na sociedade de advogados, para, querendo, manifestar-se sobre o pedido.

Na sequência, o Juiz determinará a intimação do requerente e do requerido para, querendo, apresentar pareceres e documentos elucidativos. Em sendo tais elementos de provas suficientes para decidir, o Julgador fixará desde logo o quantum debeatur a ser pago pelo réu.

É possível, contudo, que os pareceres e os documentos apresentados pelas partes sejam insuficientes para o Juiz fixar o quantum, devendo ser lembrado, no particular, do princípio do convencimento motivado, que norteia a atividade jurisdicional. O art. 371 do CPC prevê que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Diante de tal hipótese, o Magistrado proferirá despacho nos autos nomeando perito e fixará, outrossim, o prazo para entrega do laudo. A propósito, o art. 465 do CPC prevê que “o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo”. De tal despacho, serão as partes intimadas, para os fins do disposto no art. 465, § 1º, incs. I, II e III, do Código de Processo Civil, que estabelece que:

  • 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito:

I – arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso; II – indicar assistente técnico;

III – apresentar quesitos.

Uma vez apresentado o laudo em juízo por parte do perito, o juiz determinará que as partes se manifestem sobre o tal documento técnico no prazo de quinze dias. O art. 477, § 1º, do CPC orienta que “as partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer.”

Apresentadas ou não as manifestações, o juiz proferirá decisão interlocutória ou determinará a realização de audiência, desde que necessária. Essa necessidade de realização da audiência pode decorrer do requerimento de esclarecimentos apresentados pelas partes, na forma do art. 477, §§ 2º e 3º, do CPC. Os referidos parágrafos mencionam que

O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto:

 I – sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do Ministério Público;

II – divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte.

E que: “se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos”.

Por fim, saliento que, em conformidade com o disposto no art. 479, o Julgador, ao apreciar o laudo pericial, deverá indicar na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

2.3.5 Decisão e recurso cabível                       

O procedimento da liquidação será encerrado por meio de decisão interlocutória, exatamente pelo fato de ser um módulo do processo cognitivo já instaurado. O recurso a ser utilizado em tal caso é o agravo de instrumento porque nos termos do art. 1.015, parágrafo único, do CPC “também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”. A propósito, o preceptivo é amplo, de modo que a melhor exegese a ser feita milita no sentido de que todas as decisões interlocutórias proferidas no módulo de liquidação poderão ser impugnadas por agravo de instrumento.

3 MEMÓRIA DE ATUALIZAÇÃO DA DÍVIDA

O Código de Processo Civil não contempla a liquidação na modalidade cálculos do contador. Incumbe ao credor, quando precisar realizar uma mera atualização monetária da dívida, instruir a sua ação de execução por quantia certa ou seu pedido de cumprimento de sentença que estabelece obrigação pecuniária com o respectivo demonstrativo do débito atualizado, também conhecido como memória de atualização da dívida.

Em relação à execução do título extrajudicial, deve ser lembrado que o art. 798, inc. I, alínea “b”, do CPC prevê que “ao propor a execução, incumbe ao exequente: instruir a petição inicial com: o demonstrativo do débito atualizado até a data de propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa”. Previsão similar é estabelecida para o cumprimento de sentença no art. 524 do CPC, valendo mencionar que o art. 509, § 2º, do referido Código, também prevê que “quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença”.

Ponto de suma relevância previsto no novo Código de Processo Civil diz respeito à necessidade da memória de atualização da dívida ser detalhada, explicitando todos os índices e taxas utilizados. A propósito, o art. 798, parágrafo único, do CPC, prevê que:

O demonstrativo do débito deverá conter:

I – o índice de correção monetária adotado;

II – a taxa de juros aplicada;

III – os termos inicial e final de incidência do índice de correção monetária e da taxa de juros utilizados;

IV – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;

V – a especificação de desconto obrigatório realizado.

Tal preceptivo tem aplicação à execução por quantia de título extrajudicial.

Mas previsão similar também existe no CPC para o cumprimento de sentença. De fato, o art. 525, incisos II a VI, daquele Código estabelece que o pedido de cumprimento de sentença:

Será instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, devendo a petição conter:

[…]

II – o índice de correção monetária adotado;

III – os juros aplicados e as respectivas taxas;

IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;

V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;

VI – especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.

Malgrado o preceptivo mencione a necessidade de indicação daquelas informações na própria petição de cumprimento de sentença, nada obsta que elas constem na própria memória de atualização da dívida, devendo ser aplicados os princípios da instrumentalidade das formas e o de que preconiza não existir nulidade sem prejuízo.

A necessidade de realização desse detalhamento é bem oportuna e privilegia, em última análise, a observância do contraditório, uma vez que o executado terá acesso a todos os dados e critérios utilizados para atualização da dívida, podendo impugná-los pela via processual cabível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O procedimento de liquidação destina-se a atribuir valor a título executivo judicial ilíquido. Trata-se, na verdade, de módulo processual do processo de conhecimento já inaugurado, não configurando novo processo.

De toda sorte, é oportuna a lembrança de que o processo civil moderno deve ser orientado precipuamente pelos princípios da instrumentalidade das formas, celeridade e boa-fé objetiva. Nessa ordem de ideias, afigura-se importante a conscientização dos operadores do Direito quanto à necessidade de otimização do instrumento judicial.

É tempo de operar o processo da maneira menos formal possível, com vistas a imprimir celeridade ao instrumento judicial para obtenção de resultados. Não se pode admitir, por exemplo, que a liquidação de sentença dê origem a um novo procedimento mais lento do que o módulo cognitivo anteriormente instaurado. Nessa ordem de ideias, é de fundamental importância a lembrança para o operador do Direito de que o processo é um mero instrumento de realização do direito material.

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WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDIDA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2006. v. 2.

[1] O referido dispositivo, embora previsto no Livro II da Parte Especial do CPC, que trata do processo de execução autônomo, tem aplicação ao cumprimento de sentença em razão do art. 771, caput, daquele Código, que prevê que “Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva”.

[2] Registra o Professor Cândido Rangel Dinamarco que “não é rigorosamente correto falar em liquidação de sentença, porque os predicados de liquidez ou iliquidez dizem respeito a direitos subjetivos e obrigações, não a sentenças” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, v. 4, 2004. p. 616).

[3] De acordo com o art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal, “O juiz, ao proferir sentença condenatória: fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

[4] Assevera Alexandre Câmara que “Tratando-se de título extrajudicial (como, por exemplo, uma confissão de dívida), a ausência de liquidez da obrigação impede que se reconheça a existência de sua eficácia executiva. Afinal, não se pode promover execução com base em título executivo extrajudicial se este não representa uma obrigação certa, líquida e exigível (art. 783). De outro lado, porém, sendo judicial o título, será possível a instauração de um incidente processual denominado liquidação de sentença” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016. p. 353). Em sentido contrário: cf. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 9. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 630. Marinoni e Arenhart advertem que “excepcionalmente, os títulos extrajudiciais também podem ser ilíquidos, sujeitando-se então à liquidação. É o que ocorre com os compromissos de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85), que por poderem conter prestações ilíquidas – de toda natureza, inclusive de pagar -, devem ser liquidados para que seja viabilizada a execução” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 121).

[5] Reza o art. 879 da CLT o seguinte: “Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculos, por arbitramento ou por artigos”.

[6] AgRg no AREsp 362.491/RS, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05.11.2013, DJe 08.11.2013. Na doutrina, Cândido Rangel Dinamarco assim já se posicionou: “O objeto desse especialíssimo processo de liquidação por artigos é mais amplo que o da autêntica e tradicional liquidação, porque inclui a pretensão do demandante ao reconhecimento de sua própria condição de lesado, ou seja, pretensão à declaração de existência do dano individual alegado” (DINARMACO, op. cit., p. 631-632).

[7] Há precedentes, contudo, em sentido diverso, já tendo sido assentado que é possível “a dispensa de liquidação por arbitramento ou artigos nas execuções coletivas que permitam verificar o valor devido por simples operação matemática com planilha de cálculo. Entretanto, essa possibilidade deve ser analisada caso a caso devido à diversidade de situações fáticas existentes nos processos coletivos” (AgInt no REsp 1602761/RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize, Terceira Turma, julgado em 20.02.2018, DJe 02.03.2018).

[8] REsp 1247150/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.10.2011, DJe 12.12.2011.

[9] O Fundo de Direitos Difusos foi regulamentado pela Lei n. 9.008/95.

[10] Ressalva-se a liquidação imprópria, já mencionada alhures, quando, além do quantum debeatur, será objeto de discussão também a legitimidade ad causam ativa, devendo o autor do pedido demonstrar a sua condição de beneficiário dos efeitos da sentença proferida na ação coletiva.

[11] REsp 1172655/PI, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.05.2013, DJe 04.06.2013.

[12] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 2, 2006. p. 246.

[13] O referido artigo prevê que “É lícito, porém, formular pedido genérico: quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato”.

[14] Se o prejudicado possuir elementos probatórios que atestem o quantum dos prejuízos, deverá delimitar a extensão do dano logo na petição inicial da ação indenizatória, de sorte a imprimir maior celeridade ao processo. Caso contrário, deverá propor a ação de indenização e, uma vez obtida sentença condenatória ilíquida, requerer a liquidação. Na sequência, caso a obrigação não seja cumprida, deverá o credor requerer o cumprimento de sentença, na forma do art. 523 do CPC.

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O que acontece depois de homologada a liquidação?

A homologação funciona como uma confirmação da decisão judicial, já encerradas as contestações. Logo depois de proferir a sentença de liquidação, o juiz homologa os cálculos financeiros relativos ao processo. Depois disso, a parte condenada precisa pagar o que deve.

O que fazer quando a sentença e Iliquida?

Quando houver uma sentença parcialmente ilíquida, o credor pode promover a execução da obrigação líquida e a liquidação da obrigação incerta, de modo que o acesso ao bem do processo seja atingido da maneira mais célere possível.

Quanto tempo dura a liquidação de sentença?

O prazo para apresentação dos cálculos é de oito dias após a publicação da intimação. Após apresentado os cálculos da liquidação, o juízo deve abrir prazo comum de oito dias às partes para impugnação dos cálculos, fundamentada com a indicação dos itens e valores discordantes, sob pena de preclusão.

Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia líquida será necessário proceder sua liquidação?

Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: II - pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.