Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?

Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?
Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?

Modernidade, transforma��es sociais e o desenvolvimento

da cultura de tempo livre do trabalhador rio-clarense

Modernidad, cambios sociales y desarrollo de la cultura del tiempo libre del trabajador rioclarense

Modernity, social changes and development of culture of free time of rio-clarense employees

Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?

 

*Professor Mestre pela Universidade Estadual Paulista

**Professor Doutor do Departamento de Educa��o da

Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro

***Professora Doutora do Departamento de Educa��o F�sica da

Universidade Estadual Paulista Campus de Bauru

(Brasil)

Am�rico Valdanha Netto*

Samuel de Souza Neto**

Dagmar Aparecida Cynthia Fran�a Hunger***

 

Resumo

          As transforma��es sociais provenientes da modernidade est�o diretamente ligadas com as mudan�as da rela��o do homem com o trabalho e seu tempo. O Munic�pio de Rio Claro � SP tem em sua hist�ria altera��es significativas oriundas desse momento marcadas pela fixa��o da Companhia Paulista de Estradas de Ferro na cidade, onde, entre diversas influ�ncias sociais e econ�micas, promoveu a forma��o de um clube para seus funcion�rios, o Gr�mio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o qual contribuiu para incutir os valores e ideais da nova ordem social nos habitantes da cidade.

          Unitermos

: Hist�ria do Esporte. Clube Esportivo. Esporte em Rio Claro

Resumen

          Los cambios sociales de la modernidad se vinculan a los cambios relacionados con el hombre con su trabajo y su tiempo. Rio Claro - SP tiene en su historia cambios significativos que vienen marcados desde la creaci�n de la Compa��a Paulista de Ferrocarriles en la ciudad, donde, entre varias influencias sociales y econ�micas, han impulsado la creaci�n de un club para sus trabajadores, llamado Gremio Recreativo de los Empleados de la Compa��a Paulista de Ferrocarriles, que contribuy� a introducir los valores e ideas para el nuevo orden social en los habitantes de la ciudad.

          Palabras clave

: Historia de los Deportes. Sporting Club. Deportes en R�o Claro

Abstract

          The social changes from modernity have been connected to the changes related to the man with his work and his time. Rio Claro - SP County has in its history meaningful changes which came from such moment set up by Companhia Paulista de Estradas de Ferro in the city, where, among several social and economical influences, promoted the development of a club for its employees, called Gr�mio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro which contributed to introduce the values and ideas to the new social order in the city inhabitant.

          Keywords:

History of Sports. Sporting Club. Sports in Rio Claro
 
Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - A�o 14 - N� 133 - Junio de 2009

Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?

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    Este artigo corresponde a uma parte da Disserta��o de Mestrado intitulada �A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o Gr�mio Recreativo e o Munic�pio de Rio Claro: rela��es de trabalho e lazer � um estudo explorat�rio�, defendida no programa de P�s-gradua��o em Ci�ncias da Motricidade da Universidade Estadual Paulista, sob Orienta��o do Prof. Dr. Samuel de Souza Neto e Co-orienta��o da Profa. Dra. Dagmar Aparecida Cynthia Fran�a Hunger.

Introdu��o

    Este artigo faz parte de uma disserta��o que almeja resgatar a mem�ria do esporte no munic�pio de Rio Claro a partir da rela��o da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), uma institui��o fabril moderna, capitalista, inaugurada em 1876, com o Gr�mio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (GRECPEF), o clube de seus funcion�rios, idealizado com o intuito de promover atividades para o tempo livre dos ferrovi�rios.

    O tempo livre tem sido assunto de profundas discuss�es que ocupam e ocuparam consider�vel espa�o entre as publica��es acad�micas, principalmente, a partir da d�cada de 70, per�odo relacionado � reabertura e aprofundamento das discuss�es sobre trabalho e repress�o, quando ensaios, relatos de pesquisas e teses acad�micas, come�am a aparecer em grande quantidade discutindo, �desde quest�es t�cnicas internas ao processo de trabalho, at� as formas de resist�ncia oper�ria e lutas sindicais em torno do controle do trabalho�. (TENCA, 2002, p. 8)

    Trabalho e tempo livre mant�m uma rela��o de depend�ncia, onde o primeiro � quem dita os momentos do segundo. Assim, estudar o tempo livre do trabalhador se faz necess�rio para que seja poss�vel conhecer caminhos que auxiliaram na constru��o da sociedade como a conhecemos nos dias atuais.

    O Munic�pio de Rio Claro tem em sua hist�ria �uma evidente depend�ncia da produ��o fabril no desenvolvimento de sua sociedade urbana� (BILAC, 1978), e dentro deste contexto a CPEF foi presen�a hist�rica marcante nos Munic�pios por onde seus trilhos passaram e estabeleceram esta��es e oficinas. Em Rio Claro a empresa, al�m de instalar sua malha ferrovi�ria, tamb�m implantou suas oficinas de m�quinas e vag�es, e como forma de ampliar seus interesses de organiza��o do trabalho a CPEF incentivou e apoiou seus funcion�rios na funda��o de um clube recreativo para que toda �fam�lia ferrovi�ria� (TENCA, 2002, pg. 260) pudesse se encontrar no tempo livre, desde o trabalhador menos graduado at� os chefes da se��o, sem distin��o de qualquer natureza, o que ajudaria na constru��o de uma unidade fabril de relacionamento. �A Companhia Paulista procurava garantir o entretenimento de seus funcion�rios nas escassas horas de folga, buscando fortalecer os la�os da grande fam�lia� (TENCA, 2002, p. 261).

    Nesse contexto � que se desenvolve o Gr�mio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), idealizado e fundado no s�culo XIX, no ano de 1896, uma �poca em que as grandes institui��es voltadas para o lazer da classe trabalhadora ainda n�o tinham sido criadas no Brasil (o SESC e o SESI datam de 1946).

    Dessa forma s�o trabalhadas nesse artigo fontes prim�rias e secund�rias, atrav�s de uma pesquisa do tipo explorat�ria e de natureza qualitativa, com o objetivo de refletir sobre as mudan�as oriundas da modernidade e a influ�ncia que essas exerceram na forma��o hist�rica de uma cultura de uso do tempo livre pelo trabalhador rio-clarense. Optar por um modelo de pesquisa do tipo explorat�ria est� vinculado � constata��o do pouco conhecimento acumulado e sistematizado referente ao objetivo desse artigo, haja visto que esse tipo de pesquisa permite �aumentar o conhecimento do pesquisador acerca do fen�meno que deseja investigar em estudo posterior, mais estruturado.� (SELLTIZ et_al, 1974, p. 60).

Modernidade: o tempo, o trabalho, o corpo, o lazer e o esporte

    O nascimento da sociedade industrial � o marco das mudan�as significativas nos modelos de organiza��o do tempo e das atividades di�rias que antes eram conhecidos. Essa nova sociedade se desenvolve do movimento da Revolu��o Industrial, iniciado no s�culo XVIII, na Inglaterra, e marca o per�odo dos tempos modernos, conhecido na divis�o hist�rica do tempo como Idade Contempor�nea. � nesse per�odo que ocorre, entre diversas mudan�as, a mecaniza��o dos meios de produ��o, uma real oposi��o ao meio de produ��o artesanal conhecido e vivido na Idade M�dia.

    Essas mudan�as dos meios de produ��o promoveram profundas altera��es nas rela��es do homem com seu trabalho, a partir delas, novos la�os e modelos surgiram para guiar as rela��es entre as pessoas e construir uma nova cultura.

    O trabalho industrial impunha uma cultura pr�pria, de economia de gestos, de produzir mais no menor tempo poss�vel, de acumula��o de bens, uma cultura absurda para quem vinha do meio rural, onde o trabalho, ainda que longo e cansativo, respeitava os ritmos naturais. (CAMARGO, 1986, p. 35)

    O momento da Revolu��o Industrial faz parte de um per�odo de mudan�as, ainda maior, conhecido como Modernidade. Segundo Berman (1986), a Modernidade compreende um longo per�odo hist�rico, podendo ser divido em tr�s momentos: o primeiro come�a no s�culo XVI e vai at� o s�culo XVIII e � marcado pela transi��o, onde os primeiros passos das mudan�as s�o dados, as pessoas iniciam a experi�ncia com a vida moderna. A segunda fase come�a com a Revolu��o Francesa, uma era que aflora os sentidos revolucion�rios nas pessoas, provocando diversas mudan�as nos meios sociais pessoais e pol�ticos. No entanto, Berman (1986), sugere que esse mesmo p�blico moderno do final do s�culo XVIII e in�cio do s�culo XIX, �ainda se lembra do que � viver, material e espiritualmente, em um mundo que n�o chega a ser moderno por inteiro� (BERMAN, 1986, p. 16), a grande mudan�a de valores acontece no terceiro momento e � marcada pela expans�o da moderniza��o no s�culo XX, apresentando ao mundo a cultura do modernismo.

    Essas passagens representam momentos de diversas modifica��es estruturais que ocorrem na organiza��o social. O homem come�a a vivenciar novas experi�ncias em suas rela��es, seja com outras pessoas, com seu trabalho ou com o uso de seu tempo. A modernidade se apresenta como transformadora de valores, quebrando as particularidades encontradas em diversos grupos, rompendo com costumes, valores e relacionamentos, propondo uma uniformidade em todos os campos.

    Evid�ncias dessas mudan�as estruturais de organiza��o social, oriundas da modernidade, podem ser identificadas ap�s a revolu��o industrial, quando ao sair de um ambiente rural para trabalhar nas cidades, o homem abandona um contexto de vida baseado nos la�os de comunidade para viver no n�cleo urbano atrav�s de um sistema de organiza��o baseado nos la�os de associa��o, em um ideal de sociedade. Para Berman (1986, p. 15) �ser moderno � encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransforma��o, e transforma��o das coisas em redor � mas ao mesmo tempo amea�a destruir tudo o que temos tudo o que sabemos tudo o que somos�.

    Essa mudan�a ser� o ponto mais significativo que ir� alterar a particularidade de vida, de cada pessoa, e representa tamb�m, nesse momento, as transforma��es nas rela��es do homem com seu corpo na modernidade e com as atividades que o envolve, a partir dessa nova organiza��o social decorrente das rela��es entre m�o de obra, trabalho e tempo.

Organiza��o social: as rela��es entre m�o de obra, trabalho e tempo

    Por defini��o, comunidade � um grupo de habitantes irmanados por um mesmo legado cultural e hist�rico, �o termo comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizadas por um grau elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral, coer��o social e continuidade no tempo�. (NISBET in_ FORACHI, 1978, p. 255)

    Evidencia-se que o conceito de comunidade atende a necessidade de explicar o modelo de rela��o entre as pessoas existente at� o momento hist�rico da revolu��o industrial, que gerou um processo de mudan�a que num primeiro momento rompe com as bases tradicionais de relacionamento conhecidos e vividos no �mbito da comunidade. Essa transforma��o de valores ocorre pela implanta��o dos ideais capitalistas no trabalho e pela forma��o do Estado - na��o, onde, �entre tantas altera��es, como as rela��es de vizinhan�a e compadrio, est� a diminui��o da import�ncia do grau de parentesco entre as pessoas em rela��o �s institui��es e aos governos� (HOBSBAWN, 1995, p. 333). � o desenvolvimento do individualismo que move as esferas econ�micas e sociais nas sociedades industriais, pondo fim � seguran�a do coletivo em prol da liberdade individual, onde as rela��es humanas s�o trocadas por rela��es quantificadas, subvertendo a �tica, os valores e as normas tidos at� ent�o como universais. (UGARTE, 2005, p. 4)

    O valor da palavra perde espa�o, dando vez aos contratos. Fazer parte e conhecer o cotidiano de amigos e parentes passa a ser considerado invas�o de privacidade. O apoio que antes se encontrava no seio da comunidade desaparece e � transferido para a sociedade, para o Estado ou o patr�o. Para Dubet (1994, p. 41) a sociedade faz oposi��o � comunidade e � o modo moderno de se viver em conjunto, conduzindo o homem, ao encontrar e participar dessa nova ordem de estrutura social, a n�o perceber que as mudan�as n�o se limitam apenas � maneira de se relacionar com outras pessoas, mas tamb�m a altera��es no modo com que o mesmo lida com o seu tempo di�rio e com seu corpo.

    Na realidade, a id�ia de tempo conhecida, e vivida no seio da comunidade era resumida em dia e noite, ou ainda em esta��es do ano. Tudo era voltado para a colheita (CAMARGO, 1986), a distribui��o do tempo, no decorrer do dia, pode-se considerar, acontecia de maneira natural. Os limites do corpo, do desejo e da necessidade natural do trabalho, era o que determinava o inicio e o fim das tarefas, bem como as pausas que seriam realizadas.

    Elias (1998), explica que nas sociedades mais simples, o c�digo social n�o inclui grandes problemas com o tempo, mas � medida que aumenta a complexidade e a divis�o de fun��es com a chegada da industrializa��o, concomitante ao aumento da necessidade de autodisciplina e do autocontrole, h� necessidade de um controle do tempo, o rel�gio. (ELIAS, in:__UGARTE, 2005, p. 3)

    A Revolu��o Industrial trouxe para o homem uma carga muito grande de trabalho di�rio que era repetitivo al�m de exigir maior rapidez e sincronismo, o que causava uma fadiga mais acentuada do que a atividade artesanal ou agr�cola. O homem rural tinha seu dia distribu�do de acordo com suas necessidades, e sempre havia espa�o para os momentos de descontra��o, seja em fam�lia ou com outras pessoas da mesma comunidade. N�o existia a id�ia de lazer, nem atividades direcionadas para o mesmo, o que existia era a compreens�o da necessidade de um per�odo de descanso e o desejo em participar dos costumes de seu grupo em momentos que diferem do trabalho ou que sejam para comemorar os resultados do trabalho. Na l�gica de racionaliza��o do tempo n�o havia um momento dedicado para o Lazer, esse era considerado desnecess�rio, pois era um tempo onde n�o haveria produ��o. Camargo (1986) aponta que as longas jornadas de trabalho deixavam o tempo apenas para o sono.

    Este fato provocou uma rea��o por parte dos oper�rios, atrav�s de greves e reivindica��es, o que levou a reflex�es sobre trabalho e o tempo, com exig�ncias de maiores per�odos determinados para descanso, dentro do per�odo determinado do dia, e diferente do per�odo determinado para o trabalho. (CAMARGO, 1986, p. 33)

    Com a mobiliza��o dos trabalhadores uma nova mudan�a em sua rela��o com o tempo de trabalho acontece, sendo que, agora, mesmo com as lutas e a conquista de um tempo maior, fora do trabalho, o homem, antes acostumado em locar seu descanso no momento em que fosse necess�rio, teria de adaptar-se ao momento que lhe era dado para isso. Esse tempo � conhecido como tempo liberado, que corresponde ao tempo que existe al�m das obriga��es do trabalho.

    O conceito de Tempo Liberado � definido por Dumazedier (1975, p. 57) como tempo que n�o � dedicado ao trabalho, neste o trabalhador poderia cumprir algumas fun��es do ser humano como aprimoramento intelectual, art�stico, social, familiar, religioso e pol�tico. Essa forma de ocupa��o do tempo teria como objetivo combater o �cio como um estado inerte, vazio. O indiv�duo depois de todas as obriga��es poderia usar este tempo de forma que preenchesse suas necessidades existenciais. Esse tempo, onde h� a aus�ncia de obriga��es, n�o somente do trabalho, mas tamb�m pol�ticas, religiosas, art�sticas, escolares e familiares, foi apresentado por Dumazedier (1975, p. 58) como Tempo Livre, esse � produto do tempo liberado, inserindo nele o lazer.

    Dumazedier (1975) sugere em sua teoria que para o aparecimento do lazer duas condi��es se fizeram necess�rias: uma data��o do tempo livre, onde esse tempo livre sa�sse do conjunto das atividades rituais m�gico-religiosas; e a outra condi��o diz respeito ao corte n�tido entre as horas de trabalho e as horas de descanso, atrav�s de uma regulamenta��o da dura��o do ano de trabalho, com defini��o de final de semana, f�rias, aposentadoria,... Lazer pode ser compreendido como

    um conjunto de ocupa��es �s quais o indiv�duo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informa��o ou forma��o desinteressada, sua participa��o social volunt�ria ou sua livre capacidade criadora, ap�s livrar-se ou desembara�ar-se das obriga��es profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1979, p. 20).

    A conceitua��o de tempo liberado, livre e de lazer faz parte da transforma��o pela qual a sociedade passa com a revolu��o industrial. Por�m as mudan�as n�o se restringem a uma nova organiza��o temporal da vida do trabalhador, mas tamb�m s�o alteradas as rela��es do homem com sua m�o de obra e o produto produzido. Para Camargo (1986), a busca do melhor padr�o de vida das cidades impunha um pre�o duro. Isso � facilmente compreendido quando observamos as linhas de montagem e as longas jornadas de trabalho que n�o obedecem � ordem natural de trabalho e repouso. Al�m disso, os gestos artificiais e repetitivos rompem com a rela��o de tempo e produto do trabalho, pois esse passou a ser fragmentado e de dif�cil compreens�o. O trabalhador n�o � mais respons�vel pelo produto, mas sim por parte dele. Podemos sugerir que, em s�ntese, h� um tempo natural, humano, uno, integral, do campo que a ind�stria op�s a um tempo artificial, alienado da produ��o, que n�o se integra nem � din�mica familiar, torna-se dif�cil explicar para a fam�lia o trabalho que se executa.

    Trabalhar, antes da revolu��o industrial, tinha um significado que extrapolava os limites da produ��o. Na fase artesanal, a m�o de obra buscava suprir apenas as necessidades, era um sistema de trocas das mercadorias, ou de produ��o interna do que era preciso na fam�lia e na comunidade. O of�cio seja de artes�o ou das t�cnicas para o trato com o campo nascia a partir das experi�ncias acompanhadas atrav�s dos mais velhos. O filho de marceneiro observava e aprendia com o pai as t�cnicas que este provavelmente deve ter conhecido da mesma maneira.

    Esse conhecimento, que segundo Barata (2004) era um conhecimento do �fazer saber�, um modelo onde � experi�ncia sobressai � teoria � caracter�stico de um per�odo que perde espa�o com as mudan�as da modernidade. Em seu texto o autor ainda salienta que existia um saber das coisas, um saber cuja gram�tica n�o � regida por regras de comunica��o verbal. Portanto, era base das maneiras de troca de informa��o e de inser��o nas atividades cotidianas e utilit�rias para a comunidade. O aprendizado era informal, pois acontecia no ambiente familiar.

    No mundo moderno, industrializado, os espa�os privados da vida familiar deixam de ser valorizados como o lugar do aprender-fazer. O conhecimento � institucionalizado. O of�cio deixa de ser aprendido prioritariamente atrav�s da pr�tica, pois as habilidades passam a ser envolvidas por um conhecimento te�rico. Barata (2004) afirma que essa rela��o entre o of�cio e a aprendizagem � fruto do conhecimento do �saber fazer�, pr�prio do ideal de sociedade.

    No �mbito desse processo a racionaliza��o do trabalho valoriza a compet�ncia, colocando a necessidade de obten��o dos resultados como oposi��o aos la�os familiares, de parentesco, de vizinhan�a, onde o fazer passa a ser sistematizado. Esse � o marco de surgimento dos cursos t�cnicos e profissionalizantes, mas tamb�m de um novo paradigma: o corpo como maquina; e do esporte como espet�culo.

Corpo e atividade f�sica: o esporte

    O esporte contempor�neo, conhecido e apreciado por milh�es de pessoas, apresenta caracter�sticas distintas das conhecidas em suas ra�zes. Altera��es que ao longo do tempo promoveram in�meras transforma��es e tantas interpreta��es, indo das festividades gregas ao consumo em massa de um espet�culo esportivo.

    S�o diversos os estudos que indicam que o desenvolvimento do esporte moderno est� atrelado ao crescimento do capitalismo e sua maneira de organiza��o social, dessa forma

    o esporte moderno pode ser entendido como uma atividade corporal de movimento de car�ter competitivo surgida no �mbito da cultura europ�ia por volta do s�culo XVII e XIX e que com esta expandiu-se para o resto do mundo... O esporte moderno � o resultado de um processo de modifica��o (eu diria de esportiviza��o) de elementos da cultura corporal / movimento das classes populares da Inglaterra (...) e tamb�m de elementos da cultura corporal / movimento da nobreza inglesa. (...) sua expans�o relaciona-se com o processo de industrializa��o e conseq�ente urbaniza��o das popula��es. (PILLATI; HIRATA, 1991, p. 2)

    No entanto, para compreender o esporte moderno e sua import�ncia na sociedade industrial se faz necess�rio apresentar as mudan�as de relacionamento do homem com seu corpo e desse com as atividades f�sicas, para que se tenha claro que o esporte nasce como um fruto da sociedade industrial, momento que o corpo passa a ser considerado uma constru��o social (FINCK, 1994).

    O conceito de corpo remete a quest�o da natureza e da cultura, e n�o apenas a uma entidade natural. Para Paim e Strey (2004),

    a nossa sensa��o f�sica passa, obrigatoriamente, pelos significados e elabora��es culturais que um determinado ambiente social nos d�. O significado de corpo varia de acordo com a sociedade, varia em fun��o do estatuto do indiv�duo naquele contexto. Desse modo, a aparente realidade imut�vel, que significa que todos os indiv�duos t�m corpo, deve ser pensada dentro de um contexto cultural espec�fico. Assim o corpo, n�o fala por si pr�prio, se ele anuncia algo � aquilo que a pr�pria cultura o autoriza a falar.

    Os ind�cios das atividades f�sicas ou de uso do corpo podem ser encontrados por todas as fases da constru��o de nossa sociedade atual. Albuquerque (2001, p. 2) afirma que as representa��es corporais que experimentamos hoje, e que tem para n�s a for�a da natureza, foram gestadas apenas h� quatro s�culos, onde desde os desenhos encontrados nas cavernas, passando pelos textos de Homero, ou ainda marcando a hist�ria pol�tica romana, tamb�m em treinamento de cavalheiros para defenderem seus feudos, fazendo parte das transforma��es apresentadas por Norbert Elias em �O Processo Civilizador� ou ainda na constru��o da revolu��o industrial. Marques (1997) sugere que o corpo tem se forjado sempre na perspectiva da pr�pria hist�ria da humanidade, onde cada grupo, religi�o, classe, fam�lia, cada momento hist�rico da vida do Homem, esteve sujeito �s interpreta��es do corpo, bem como sua utilidade, funcionalidade e existencialidade. Para Da�lio (1995), no corpo est�o inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade espec�fica, por ser ele o meio de contato prim�rio do indiv�duo com o ambiente que o cerca. Dessa forma, Marcel Mauss (1974) evidencia que toda a sociedade, em qualquer tempo e em qualquer lugar, sempre desenvolveu modos eficazes e conseq�entemente tradicionais de trabalhar o corpo do ser humano, em virtude de necessidades emergentes do corpo social. Desde a educa��o dos sentidos at� as t�cnicas simb�licas, o corpo sempre foi alvo de manipula��es f�sicas e simb�licas no interior das sociedades �na inten��o de adestrar os indiv�duos atrav�s da socializa��o a partir de processos de aprendizagem pr�tica moral impostos pelo regime moderno de poder� (FOUCAULT, 1987).

    No per�odo marcado pela Revolu��o Industrial, a Modernidade, o corpo passa ser objeto de um novo sistema, alvo de transforma��es e controles na inten��o da produ��o fabril. As formas de uso do corpo na modernidade foi muito trabalhada por Foucault, e o autor se concentrou nos estudos de poder datados do final do s�culo XVIII at� o s�culo XX e entendeu que a disciplina como t�cnica de poder e controle do corpo � fen�meno t�pico da Idade Moderna, decorrente da industrializa��o e do capitalismo emergente. Para Foucault (1987), o poder tem efic�cia produtiva e isso explica seu alvo, o corpo, mas n�o para censur�-lo, reprimi-lo ou adestr�-lo, pois n�o se explica o poder apenas pelo seu potencial repressivo, mas pelo seu interesse em gerir a vida humana, isto �, controlar a vida humana no sentido de maximizar seu potencial e aperfei�oar sua capacidade. Os conceitos e categorias de Foucault partem da modernidade onde o mesmo apontou para a disciplina como instrumento da dociliza��o do corpo e entendeu que a disciplina � t�cnica de poder, no entanto, ela est� na institui��o como instrumento que permite o controle minucioso do corpo e lhe imp�e a rela��o de docilidade-utilidade (FOUCAULT, 1984).

    Essa manipula��o do corpo visa � disciplina fabril que o homem necessita para adaptar-se � realidade de produ��o da ind�stria e do capitalismo. Esse fen�meno � decorrente da explos�o demogr�fica do s�culo XVIII e da necessidade de utiliza��o racional, intensa, m�xima, em termos econ�micos desses corpos � disposi��o do capitalismo (RODRIGUES, 2006)

    O corpo, (MARQUES, 1997), transforma-se em um objeto de uso, um utens�lio, uma ferramenta a ser utilizada segundo os interesses econ�micos, sociais, pol�ticos e ideol�gicos da classe dominante, (MARQUES, 1997) e a caracter�stica competitiva da modernidade unida aos novos interesses de uso do corpo abre campo para o desenvolvimento de atividades que privilegiassem a concorr�ncia entre as pessoas, esses fen�menos modernos penetram no universo das atividades f�sicas, transformando seu universo.

    Emerge no seio da modernidade um novo conceito para as atividades f�sicas, o Esporte, diferente dos conceitos e fun��es da competi��o que se conhecia at� ent�o. Pilatti (1994) diz que � um equivoco vincular ou correlacionar � hist�ria do esporte moderno com a Gr�cia antiga, sendo que na verdade este per�odo � marcado pela origem de atividades f�sicas similares aos movimentos tamb�m utilizados no esporte moderno. O esporte marca o distanciamento das atividades f�sicas do que chamou Helal de reino l�dico (HELAL, 1990). As atividades passam por um processo de seculariza��o e racionaliza��o, fen�menos t�picos da modernidade,

    que foram levados para dentro do universo esportivo, assim, podem ser considerados fen�menos conjunturais, provenientes de determinadas circunstancias, pr�prios de uma �poca. E eles caracterizam um lado do esporte moderno, justamente o lado que o diferencia do esporte de outras �pocas. (HELAL, 1990, p. 61)

    Dessa forma trata-se de estabelecer um novo ponto de referencia que envolve a transforma��o do corpo na modernidade. O questionamento que prevalece fica por conta de conceituar as atividades existentes antes do esporte moderno. S�o essas as atividades que ainda trazem consigo uma cultura pr�pria, ancestral, trazida pelos grupos, e que apesar de serem dom�nio p�blico e estar presente em varias regi�es, encontramos regras e maneiras distintas de vivenci�-las. Estas atividades corporais conceituam-se como �Jogo� (HELAL, 1990), e esses nasceram com um car�ter religioso e l�dico.

    Os jogos num primeiro momento de sua exist�ncia, foram marcados pelas festividades, sejam elas de fundo ritual, religioso, recreativo, etc. Mas com o tempo esses passaram a ser influenciados pelas condi��es hist�ricas e sociais, ganhando novos significado e fun��o. Entretanto, ao serem submetidos a regras espec�ficas, universais, irredut�veis a qualquer necessidade funcional para sua pr�tica, os jogos deixaram de fazer parte de um calend�rio coletivo - antes relacionado com o per�odo de colheita ou de adora��o aos santos - para estarem inseridos num calend�rio pr�prio, diferente, n�o somente no tempo, mas tamb�m na rela��o do homem com seu empenho e participa��o, passando para um modelo denominado de esporte, que reproduz em suas a��es e objetivos os ideais da nova sociedade industrial e capitalista

    O tempo do esporte tem rela��o com produ��o e trabalho, � o profissionalismo esportivo. A performance do atleta esta condicionada com um maior numero de horas dedicadas ao treinamento (tempo). Podemos identificar a rela��o entre produ��o (performance) e tempo (treinamento) e dinheiro (trabalho) no esporte moderno. (FINCK, 1994, p. 44). O jogo praticado (ferramentas) em s�culos anteriores veio sofrendo transforma��es, surgindo o �esporte moderno� (maquina), vivenciado e consumido por todos, gerando a �ind�stria do esporte�. (MADRID, 1994). Nesse sentido, constitui-se um campo esportivo, proveniente de uma ruptura (progressiva ou n�o) das atividades ancestrais (jogos) at� se constituir num campo de praticas espec�ficas com lutas pr�prias, onde se coloca e investe toda uma cultura ou uma compet�ncia especifica. (PILATI, 1994). Com isso modernamente o esporte se afirma como conjunto de normas restritas, cada vez mais especificas, racionalizadas e pautadas pela disciplina e obedi�ncia as regras codificadas para cada modalidade. O seu sentido moderno o mostra como parte das necessidades geradas pelo modo de produ��o capitalista. (PINTO, 1996, p.175). � poss�vel identificar rela��es entre esporte, trabalho e produ��o, ao tomarmos por base as teorias citadas por Lenk, que s�o de adapta��o e compensa��o.

    A primeira relaciona esporte e trabalho, isto �, o esporte seria um meio de adaptar o indiv�duo ao mundo do trabalho, exercitando-o atrav�s do esporte para que posteriormente possa desempenhar produtivamente sua fun��o como trabalhador. Na teoria da compensa��o o esporte cumpriria entre outras, as fun��es de: suprir, enriquecer, identificar, integrar e libertar o individuo. O mundo do esporte seria uma reprodu��o do mundo industrial, onde o indiv�duo superaria dificuldades. Em outras palavras, o esporte serviria para moldar o homem para o trabalho, para uma produ��o maior, o tempo utilizado na pratica do esporte seria um investimento, que lhe proporcionaria um treinamento e uma compensa��o para desempenhar melhor o seu trabalho. (FINK, 1994, p. 45)

    No Brasil, o esporte � organizado e difundido atrav�s da institui��o club�stica (RODRIGUES, 1994), esses s�o formados por influ�ncia dos Ingleses que chegaram ao pa�s a partir da expans�o da malha ferrovi�ria e de fabricas de tecelagem. Ap�s esse primeiro momento Pinto (1996) afirma que

    como pratica social integrada aos interesses dos governantes em expandir o capitalismo, o esporte passou a se destacar em nosso pa�s tendo seu desenvolvimento motivado por transforma��es econ�micas, sociais, investimentos em novas tecnologias associadas ao desempenho f�sico, cria��o de cursos de p�s-gradua��o em Educa��o F�sica e forma��o de profissionais da �rea no exterior. (PINTO, 1996, 178)

    Em sua fun��o e inser��o o esporte pode ser conceituado de acordo com sua dimens�o social, como sugere Tubino (1992, p. 7), compreendido sob tr�s dimens�es sociais: o esporte-educa��o, o esporte-performance ou de rendimento e o esporte-participa��o ou popular. Resumidamente, pode-se considerar que o esporte-educa��o est� vinculado a tr�s quest�es pedag�gicas importantes: a integra��o social; o desenvolvimento psicomotor e as atividades f�sicas educativas. Quanto ao esporte performance ou de rendimento, considera-se que os seus praticantes s�o talentos esportivos e dedicam parte de sua vida � profissionaliza��o. J� o esporte participa��o ou popular, nasceu efetivamente nos grupos e nas comunidades, sendo considerado uma modalidade de lazer - o seu car�ter desinteressado favorece os princ�pios b�sicos do prazer, da descontra��o, da divers�o e do bem-estar de todos praticantes.

    O esporte participa��o � o que pode ser considerado como mais antigo, devido sua natureza de forma��o, tendo sido consolidado ap�s a revolu��o industrial e utilizado, como apresentado anteriormente, para envolver os trabalhadores em atividades que reproduzissem os valores do novo sistema de organiza��o social e econ�mico, al�m de promover atividades que auxiliassem na capacita��o f�sica do trabalhador para a jornada de trabalho. As outras duas manifesta��es (educa��o e performance) s�o varia��es evolutivas do esporte participa��o. Sobre o assunto, Goellner (2005) discursa sobre esta, apontando as seguintes particularidades...vale ressaltar que o esporte que hoje vivenciamos � aquele que se consolida no fim do s�culo XIX e in�cio do XX e que se traduz como signo de uma sociedade que enaltece os desafios, as conquistas, as vit�rias, o esfor�o individual. � o �esporte moderno�, que se origina no s�culo XVIII e se expressa nas public schools inglesas, espa�o de constru��o dos corpos e dos valores burgueses. O esporte que passa a ser ensinado consoante as regras sociais e morais daquele tempo e que, ao modificar alguns dos antigos jogos populares, imp�e a necessidade de uma educa��o do corpo e do esp�rito dos jovens de forma a despertar lideran�as e a personificar, em carne e osso, os ideais representativos de um grupo social espec�fico. (GOELLNER, 2005, p. 3)

    Dessa forma o esporte moderno aparece vinculado � estrutura de uma sociedade industrial que tem na sua efic�cia e efici�ncia as refer�ncias de um novo paradigma. No �mbito desse contexto o esporte participa��o aparece de maneira privilegiada vinculado ao tempo livre, bem como pode ser considerado como aquele que tamb�m reproduz os valores do novo sistema de organiza��o social e econ�mico, visando desenvolver atividades que auxiliassem na capacita��o f�sica do trabalhador.

Rio Claro, CPEF e o tempo livre do trabalhador

    O Munic�pio de Rio Claro � fundado em 1845, fruto de uma vila originada da passagem de tropeiros que iam a Minas Gerais a procura de ouro. O desenvolvimento socioecon�mico da cidade est� diretamente ligado a expans�o das lavouras do caf� no interior do Estado de S�o Paulo, onde o transporte era um constante problema para os produtores devido os grandes custos, sendo que o caf� percorria todo o caminho com suas sacas amarradas no lobo de mulas, passando pelas estradas prec�rias, o que ocasionava grande perda da produ��o pelo caminho, pois o caf� demorava entre 10 e 15 dias para ir de Rio Claro ao porto de Santos (SANTOS, 2002).

    Quanto mais se interiorizava a produ��o, isto �, quanto mais se expandia � fronteira agr�cola do caf�, os custos elevados se constitu�am num freio natural ao processo de acumula��o. A implanta��o de um sistema ferrovi�rio se fazia necess�rio para que se tornasse a produ��o economicamente vantajosa. Nesse contexto, a ferrovia apresentava-se como a �nica resposta ao grave problema de escoamento da produ��o cafeeira do oeste paulista, principalmente para S�o Jo�o do Rio Claro e munic�pios vizinhos, localizado no sert�o cafeicultor. (GARCIA, 2001, p. 141)

    Os trilhos da CPEF chegaram a Rio Claro em 11 de agosto de 1876 (DINIZ, 1973), como um prolongamento da via f�rrea que unia Jundia� � Campinas. Rio Claro permaneceu como ponta de trilho da Paulista at� 1884, quando, por dificuldades de escoamento da produ��o do caf� de regi�es mais ao interior do Estado, � criada em 15 de outubro de 1884 a Companhia Rio Claro de Estrada de Ferro (GARCIA, 2001, p. 145), que ligava Rio Claro at� a cidade de S�o Carlos, um empreendimento sem subven��o governamental, realizado apenas com investimento dos grandes Bar�es do caf�, o que a diferenciava de todas as ferrovias do pa�s, dando uma medida de desenvolvimento e concentra��o de riqueza na regi�o, como apontado por Diniz (1973) em seu trabalho.

    A chegada da estrada de ferro, logo em seu in�cio, promove um aumento significativo no n�mero de moradores no per�metro urbano da cidade (BILAC, 1978). Era preciso m�o de obra para a constru��o da linha f�rrea e posteriormente para sua manuten��o, al�m dos novos trabalho com cargas e transporte de passageiros. Por�m as maiores altera��es ocorrem a partir de 1882, quando se instalam no munic�pio de Rio Claro as oficinas de repara��o e montagem dos comboios CPEF. A instala��o das oficinas permitiu uma diversifica��o funcional do n�cleo urbano (BILAC, 1978), promovendo os primeiros tra�os de um sistema de organiza��o baseado nos la�os de associa��o, em substitui��o ao modelo rural, firmado nos la�os de comunidade.

    Esse �novo morador da cidade� encontra trabalho com o of�cio que aprendeu dentro de seus la�os familiares. Gra�as a seus conhecimentos, como por exemplo, com ferramentas e marcenaria, as fam�lias eram sustentadas a partir de trabalhos com pequenos reparos de portas, telhados, janelas,... Por�m, o dinheiro ganho era pouco, o que fazia os pais encaminhar seus filhos para um emprego na ferrovia, para Tenca,

    n�o se ganhava bem, mas para uma cidade sem empregos, a Paulista era um porto seguro. E ela, a empresa, n�o fechou os olhos para isso. Ao contr�rio, fez disso um de seus esteios, talvez o mais forte, de sustenta��o de sua estrutura de organiza��o e controle do trabalho: a Paulista tornara-se uma grande fam�lia. (TENCA, 2002, p. 245)

    Fazer da empresa uma grande fam�lia ajudava os trabalhadores a conviver melhor com o dia a dia, onde as rela��es entre as pessoas, antes valorizadas por seu grau de parentesco ou atua��o na comunidade, perdem espa�o para um processo alienante de trabalho que conduz ao crescente individualismo, caracter�stico dos la�os de sociedade. A CPEF construiria sua pr�pria comunidade, ou seja, oferece a seu trabalhador todas a possibilidades de rela��es de uma comunidade. Na verdade, como Rago e Moreira (1992, apud GARCIA) afirmam, essas concess�es fazem parte de um controle dos passos do trabalhador, unindo a estes benef�cios � id�ia de que trabalhadores e patr�es fazem parte da mesma comunidade, lutando por interesses comuns.

    Esta atitude estendia o controle da f�brica ao tempo liberado dos trabalhadores, onde a empresa assume caracter�sticas paternalistas, dando a seus funcion�rios, a impress�o da organiza��o de uma comunidade privilegiada, pois uma das preocupa��es da CPEF era desenvolver entre os funcion�rios, formas de cultura e de lazer. As atua��es da CPEF, como afirma Garcia (1992), eram atrav�s do cineminha da paulista, do teatro ferrovi�rio e do Gr�mio Recreativo dos Funcion�rios da Companhia Paulista de estradas de Ferro de Rio Claro (GRECPEF). Essa atitude contribu�a para incutir nos funcion�rios princ�pios de organiza��o racional do trabalho, oposto ao modelo de produ��o artesanal da comunidade.

    Outro ponto importante � quanto � jornada de trabalho. Na CPEF essa era extensa, o tempo de trabalho ultrapassava �s duzentas horas mensais obrigat�rias, o que resultava em uma jornada m�nima de oito horas, incluindo os s�bados, como afirma Tenca (2002 p. 259). Essa extens�o da jornada de trabalho unida �s raras oportunidades de lazer encontradas na cidade de Rio Claro no final do s�culo XIX, fizeram com que a Paulista apoiasse seus funcion�rios na forma��o de um Gr�mio Recreativo, o que levaria seus funcion�rios a partilharem do mesmo ambiente, mesmo fora do hor�rio de trabalho, buscando fortalecer os la�os da grande fam�lia. O clube � criado em uma �poca que as grandes institui��es voltadas para o lazer da classe trabalhadora ainda n�o haviam sido criadas no Brasil. O SESC e o SESI datam de 1946, o Gr�mio data do final do s�culo XIX.

    O GRECPEF foi e � um projeto que mobilizou o alto escal�o da CPEF desde o momento de sua funda��o, datada em 05 de Agosto de 1886, como afirma Garcia (1992).

    Sua cria��o recebeu todo o apoio das oficinas, no que diz respeito � constru��o, m�o de obra, material, etc. Ele foi constru�do pelos ferrovi�rios e era mantido pelos seus associados, que tamb�m eram exclusivamente ferrovi�rios. Sua diretoria composta por funcion�rios da administra��o da CPEF. (GARCIA, 1992, p. 180)

Considera��es finais

    Uma mudan�a na sociedade compreende uma mudan�a de valores. A passagem para o modo de produ��o Industrial foi determinante para o desenvolvimento urbano em detrimento do setor agr�rio, momento que marca a separa��o do trabalho e n�o trabalho, ambos tendo o "tempo" como principal rela��o para sua exist�ncia. S�o essas transforma��es que propiciam a delimita��o das atividades de tempo liberado.

    No tempo liberado, como apontou Dumazedier (1975), est�o compreendidas atividades que n�o fazem parte do tempo de trabalho, produtivo e racionalizado pela cultura industrial. Esse tempo, liberado, � destinado para que sejam cumpridas outras obriga��es que antes do processo de Revolu��o Industrial j� faziam parte do cotidiano da vida na comunidade. S�o atividades sociais, religiosas, pol�ticas e familiares, que antes da divis�o temporal evidenciada pela modernidade misturavam-se com o tempo de trabalho, haja vista que este era determinado por ciclos e ritmos naturais.

    O modelo de organiza��o social moderno, conhecido como "sociedade", n�o apenas limita o tempo de trabalho e o tempo destinado para outras obriga��es, mas tamb�m abre espa�o para o desenvolvimento de um novo momento, um outro tempo, diferente dos outros, caracterizado pelo descompromisso, conhecido como tempo livre, e nele est�o inseridas as atividades de lazer.

    Na modernidade os "momentos livres", mesmo pertencendo ao trabalhador, s�o determinados pela rela��o capital-capitalismo. Novos valores come�am a se estabelecer entre trabalho e tempo livre do trabalho. As atividades s�o sistematizadas e trazem em seu interior valores que reproduzem os modelos de produ��o. Isso faz com que as empresas comecem a oferecer a seus funcion�rios formas para fazer uso de seu tempo livre.

    No Munic�pio de Rio Claro esse quadro te�rico, representativo das mudan�as de valores da modernidade, encontra fundamento no �mbito da rela��o entre a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF) e a cidade. Os trilhos da ferrovia marcam o in�cio da urbaniza��o e da produ��o fabril, dando base para as altera��es na organiza��o social e de relacionamento dos trabalhadores com seu tempo. A popula��o rio-clarense vai, aos poucos, se tornando parte da CPEF, a maior empregadora do Munic�pio, e a empresa aproveita essa depend�ncia para construir o que Tenca (2002) chamou de "fam�lia ferrovi�rios�, unindo parentes, amigos, e at� mesmo desconhecidos, em um �nico la�o, criando assim a sua pr�pria comunidade, uma caracter�stica t�o forte que marca gera��es de trabalhadores ferrovi�rios da cidade. Para promover essa inter-rela��o entre os funcion�rios e seus familiares a CPEF promovia piqueniques, se��es de cinema e implantou uma cooperativa. No entanto, o principal meio para essa intera��o foi provavelmente o Gr�mio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (GRECPEF), sendo que esse unia os trabalhadores n�o somente em atividades de lazer, mas tamb�m em sua constru��o predial. Pode-se sugerir que esse envolvimento fez com que o trabalhador da CPEF n�o se limitasse a sentir-se satisfeito pela empresa lhe proporcionar um espa�o de social de lazer, mas tamb�m faz com que esse se sinta importante e de certa forma propriet�rio do local, sendo que em suas horas livres ajudava a erguer as paredes do clube.

    Ao longo de seus 112 anos o clube permanece com ra�zes ferrovi�rias, sendo um ponto de encontro para gera��es de trabalhadores da CPEF e da FEPASA, mas desde os anos de 1960 o crescente n�mero de associados que n�o tem rela��o com a ferrovia ganha espa�o e leva para outros lugares do Munic�pio rastros da cultura "Gremista" (como � conhecido o associado do clube). Esse fato atual agregado � constru��o hist�rica da sociedade rio-clarense sugere que o GRECPEF tem significativa import�ncia e influencia na constru��o de uma cultura de tempo livre em Rio Claro.

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Quais as mudanças que ocorreram na estrutura do trabalho a partir da Idade Moderna?

revista digital � A�o 14 � N� 133 | Buenos Aires,Junio de 2009  
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Quais foram as principais mudanças que ocorreram durante a Idade Moderna?

A Idade Moderna, dentro da conhecida periodização da história, estendeu-se de 1453 a 1789. Essa época, como qualquer outra, foi marcada por transformações, destacando-se o desenvolvimento comercial, a expansão marítima, o início da colonização, a consolidação da escravidão, as reformas religiosas etc.

Quais as transformações as sofridas na visão do trabalho na Idade Moderna?

Um dos grandes dramas do processo da Revolução Industrial foi a alienação do trabalhador em relação à sua atividade.Ao contrário do artesão da Antiguidade ou da Idade Média, o operário moderno perdeu o controle do conjunto de produção.

Como se desenvolveu o trabalho na Idade Moderna?

O surgimento das fábricas e os avanços tecnológicos do período geraram a necessidade de se contratar mão de obra. Com isso, muitas pessoas passaram, gradativamente, a trabalhar nas cidades, e não mais no campo. Antes da Revolução Industrial, o trabalho era manual e os trabalhadores não recebiam um salário fixo.

Quais as principais características do trabalho na Idade Moderna?

Além disso, o trabalho na idade moderna envolvia a produção alimentícia e também o comércio e a exploração de novos territórios; havia trabalhos em variados ramos, desde a agricultura até a construção e comércio.