Quais os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica?

Desconsideração da personalidade jurídica, basicamente, trata-se de um ato jurídico, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que visa a inibição de eventuais fraudes e atos ilícitos praticados pela pessoa jurídica.

Não deixe de conferir:

  1. O que é a desconsideração da personalidade jurídica?
  2. Quais são os objetivos da desconsideração da personalidade jurídica?
  3. Quando é possível ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica?
  4. Quais são os requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica?
  5. Como é o procedimento de acordo com o novo CPC?
  6. As teorias da desconsideração da personalidade jurídica
  7. Desconsideração inversa da personalidade jurídica
  8. Principais consequências da desconsideração da personalidade jurídica

Muito se tem falado sobre o empreendedorismo no Brasil. Diante deste cenário, até mesmo o governo tem criado políticas públicas para chamar a atenção de novos empreendedores, principalmente para facilitação de crédito e outras vantagens financeiras.

Todavia, ser sócio de uma empresa não é tão simples quanto parece. Existe uma grande responsabilidade àqueles que compõem a sociedade de uma pessoa jurídica, tendo em vista que os bens particulares podem ser atingidos por dívidas do negócio, você sabia?

Isso mesmo. Se a empresa não conseguir satisfazer um crédito pendente na integralidade, será possível desconsiderar a personalidade jurídica e acionar os bens dos sócios em favor de um credor

Da mesma maneira, há legislação vigente sobre a desconsideração inversa da personalidade jurídica, que é o contrário, atingindo os bens da empresa por dívidas particulares de um sócio, no limite da cota parte. 

Dessa maneira, considerando os riscos e os inúmeros casos a respeito de dívidas contraídas pela pessoa jurídica e não pelos representantes dela, elaboramos um conteúdo especial sobre o tema, com tudo que você precisa saber para minimizar eventuais chances de prejuízos financeiros. 

O conceito da desconsideração da personalidade jurídica nasceu da doutrina estrangeira, cuja origem sobreveio do termo “disregard of the legal entity doctrine”. A doutrina surgiu em decorrência do entendimento jurisprudencial americano e inglês. 

Basicamente, trata-se de um ato jurídico, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que visa a inibição de eventuais fraudes e atos ilícitos praticados pela pessoa jurídica.

O ato jurídico apenas é válido mediante decisão judicial e tem o intuito de atingir os bens dos sócios para cumprimento de obrigações da pessoa jurídica. 

Nesse sentido, é oportuno explicar que as pessoas físicas e jurídicas possuem capacidade para os atos da vida civil, ou seja, para contrair obrigações e exercer direitos decorrentes da personalidade própria. 

Às pessoas jurídicas e pessoas naturais, a capacidade é denominada como “personalidade”, possuindo cada uma proteção legal patrimonial.

Enquanto as pessoas naturais adquirem a personalidade civil a partir do nascimento com vida, nos termos do artigo 2º, do Código Civil, resguardando-se os direitos do nascituro, as pessoas jurídicas adquirem personalidade a partir do registro em órgão competente. 

Sendo assim, o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica não se confundem, eis que pertencentes a pessoas distintas, de personalidade distintas, de modo que naturalmente as dívidas de um não podem ser cobradas a outro. A exceção à regra é justamente a desconsideração da personalidade jurídica, eis que não raras vezes há fraude decorrente da utilização do nome da empresa para contração de obrigações. 

Quais são os objetivos da desconsideração da personalidade jurídica?

O objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é atingir o patrimônio particular dos sócios da pessoa jurídica, quando as obrigações contraídas por ela não são cumpridas, desde que a falta de cumprimento esteja relacionada a alguma das hipóteses legais, em geral que causam danos a terceiros mediante atos fraudulentos e/ou ilícitos.

Na legislação, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), foi o primeiro diploma a dispor acerca da desconsideração da personalidade jurídica. No entanto, para a aplicação deste dispositivo, é imperiosa a presença da relação de consumo entre o terceiro prejudicado e o devedor, no caso, a pessoa jurídica.

Nem todas as relações negociais são de consumo. 

O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) acompanhou a tese e passou a dispor no art. 50, acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para as demais relações jurídicas negociais, que não aquelas de consumo, no seguinte sentido, considerando a alteração da redação por lei publicada em 2019:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso

Dessa maneira, da interpretação legal, existem critérios para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 

A finalidade ou objetivo da teoria, ante o exposto, é de atingir o patrimônio particular dos sócios por obrigação contraída pela pessoa jurídica cuja sociedade empresária compreenda em responsabilidade limitada dos sócios, quando presentes atos fraudulentos ou ilícitos. 

Vale dizer que é imperioso compreender as diferenças de quadros societários, haja vista que em alguns modelos de sociedade a responsabilidade dos sócios é limitada, preservando-se, nesse sentido, a separação patrimonial da pessoa natural e da pessoa jurídica. 

Quando é possível ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica?

Primeiramente, é preciso verificar qual a legislação aplicável ao caso concreto, tendo em vista que a ocorrência ou aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é admitida tão somente por meio de uma decisão judicial, cujo respaldo se encontra nas leis e nos requisitos para tanto.

Vale dizer, a desconsideração da personalidade jurídica não se aplicará tão somente aos casos fundamentados com base em descumprimento contratual, portanto. É preciso mais.

Nesse sentido, como falamos anteriormente, há previsão da aplicação da teoria com base no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. O primeiro passo é entender qual legislação deve ser observada. 

Para as relações de consumo, o CDC prevê requisitos mais brandos para a aplicação da teoria, tendo em vista a existência de uma parte vulnerável e hipossuficiente. O art. 28 do CDC, dispõe que se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(…)

            § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Por sua vez, quando não há relação de consumo, a legislação aplicável é o Código Civil, cujos requisitos para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica estão previstos no art. 50, in verbis:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso

Deste modo, sabendo a legislação adequada ao caso em concreto, a parte representada por um advogado deverá promover a medida judicial cujo pedido correspondente à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deverá estar atrelado à prova dos requisitos exigidos legalmente.

Quais são os requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica?

Os requisitos se diferem a depender da natureza jurídica da relação negocial, ou seja, se aplicável o CDC ou o Código Civil. 

Para você entender melhor, o CDC exige o seguinte:

  • se, em face do consumidor, houver abuso de direito; ou,
  • se, em face do consumidor, houver excesso de poder; ou,
  • se, em face do consumidor, houver infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social; ou,
  • quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração; ou,
  • quando a personalidade jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 28, prevê uma ampla margem de hipóteses para aplicação da teoria, em benefício à parte hipossuficiente e vulnerável na relação jurídica.

Já para as relações jurídicas que são regidas pelo Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser concedida pelo juiz quando:

  • For comprovado o abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. 

Em contrapartida, nas relações negociais não de consumo, a aplicação da teoria é mais restrita, como se vê da interpretação do artigo da lei.

Como é o procedimento de acordo com o novo CPC?

Afinal, como deve ocorrer o pedido de desconsideração da personalidade jurídica e como é o procedimento de acordo com o novo CPC?

Vale lembrar que o processo segue uma ordem de atos processuais cronológicos e, por isso, devem obedecer princípios e regras conforme prevê o Código de Processo Civil.  

Pois bem, o pedido da desconsideração deverá ser promovido por incidente processual. O caput do art. 133, do NCPC, prevê nesse sentido que: 

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Ou seja, o advogado deve se atentar ao procedimento em apartado, adequado ao pedido da aplicação da teoria, sob pena de não conhecimento do pedido nos autos em trâmite, que se discute a obrigação. 

Sobre o cabimento do incidente, o art. 134, do CPC, preceitua que:

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Por outro lado, caso o pedido de desconsideração da personalidade acompanhe a petição inicial, quando do ajuizamento da ação principal, a lei dispensa a obrigatoriedade da abertura do incidente, conforme o §2º, do art. 134, do CPC:

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. 

No respectivo incidente, na petição inicial deverá constar os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, principalmente comprovando os pressupostos legais exigidos para a concessão da desconsideração. O procedimento segue as normas processuais para o devido processo legal, oportunizando à parte demandada a apresentação de defesa. 

As teorias da desconsideração da personalidade jurídica

Segunda a doutrina do ordenamento jurídico brasileiro, há duas teorias que se subdividem quanto à desconsideração da personalidade jurídica. São as denominadas Teoria Maior e Teoria Menor. 

O conhecimento das teorias é importante, pois demonstra que há uma que facilita a aplicação da desconsideração, enquanto a outra é um tanto quanto mais rigorosa.

Entenda o que significa cada uma delas a seguir.

Teoria maior

A Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica considera dois pressupostos: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Segundo Felipe Peixoto Braga Netto, jurista civilista, os pressupostos acima destacados se diferem entre uma Teoria Maior subjetiva e a Teoria Maior objetiva. 

A subjetiva impõe a necessidade de ser comprovado o uso abusivo ou fraudulento da personalidade jurídica, caracterizando, então, um desvio de finalidade

A objetiva, por sua vez, compreende-se na ausência de separação de patrimônio da pessoa física e jurídica (confusão patrimonial). 

A Teoria Maior é, portanto, inerente à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica conforme os critérios regidos pelo Código Civil (art. 50). 

Teoria menor

Já a teoria menor é aquela facilitada pela disposição do Código de Defesa do Consumidor (art. 28).

A Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica prescinde de prova do abuso de direito, da fraude ou da confusão patrimonial, bastando mera prova, por exemplo, da insolvência da pessoa jurídica para a permissão da aplicabilidade da teoria. 

Como dissemos no início deste artigo, a Teoria Menor é facilitada e consiste em um rigor menor para a concessão da despersonalização da pessoa jurídica pelo magistrado.

Vale ressaltar que outras normas também se beneficiam da Teoria Menor, como é o caso da Lei de Proteção ao Meio Ambiente (Lei 9.605/98), Lei Antitruste (Lei 12.529/11).

Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Bom, a desconsideração da personalidade jurídica consiste em acionar o patrimônio pessoal dos sócios por dívida da empresa, certo?

A premissa inversa também é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

E o que isso significa?

Que se a pessoa física, também sócia de uma pessoa jurídica, adquirir obrigações particulares e não cumpri-las, poderá ser acionado o patrimônio da empresa para que se dê o devido cumprimento.

Para tal ato, chama-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O sócio que contrai dívidas particulares na vida pessoal, ao ser evidenciado o inadimplemento e os pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, poderá ser atingido perante o patrimônio da empresa, no limite da cota parte de participação no contrato social, mediante aplicação da teoria inversa permitida. 

Sabia disso?

A finalidade é justamente evitar fraudes realizadas por pessoas naturais que forjam a inexistência de bens e patrimônio por meio de uma pessoa jurídica, de personalidade própria.

Principais consequências da desconsideração da personalidade jurídica

A principal consequência da desconsideração da personalidade jurídica é que o patrimônio dos sócios pode ser atingido decorrente de obrigação contraída pela pessoa jurídica. 

Por isso, é importante ter em mente que há o risco do sócio responder pela dívida da empresa e a prevenção é o melhor caminho. 

Agora, outra consequência está disposta no art. 137, do NCPC:

  Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Ou seja, os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica retroagem à data da celebração de negócios jurídicos eventualmente celebrados anteriormente, de forma onerosa, quando for o caso de comprovação da fraude de execução. 

O que isso significa? Que se um bem foi vendido pela pessoa jurídica e, durante o curso do processo incidental, for acolhido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o efeito do negócio é ineficaz, causando mais prejuízos a terceiros, sejam de boa-fé ou não. 

Dessa maneira, é preciso ficar atento com a possibilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e evitar prejuízos.

Recomendamos, diante o exposto, que um advogado especialista, tanto para prevenção quanto para assessoria jurídica durante o processo, seja consultado para mais informações e aplicação das medidas adequadas, judiciais ou extrajudiciais.

Tem dúvidas sobre o assunto? Deixe seu comentário ou entre em contato, será um prazer conversar contigo sobre o tema.

Quais os requisitos da desconsideração?

Pressupostos para desconsideração da personalidade jurídica:.
Pessoa Jurídica constituída regularmente;.
Abuso ou fraude, mitigado na teoria menor..
Prejuízo a terceiros;.
É medida excepcional, somente em último caso, quando não há outra solução, mitigado na teoria menor;.

Quais os requisitos e consequências da desconsideração da personalidade jurídica?

A consequência principal da despersonalização de pessoa jurídica é atingir o patrimônio dos sócios. Ainda que a dívida seja da empresa, eles serão responsáveis por satisfazê-la com seus recursos particulares.

Quais os requisitos da personalidade jurídica?

O conceito geral da personalidade jurídica é que ela possui aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, ou seja, ela adquire seus próprios direitos decorrentes da lei como um todo, não sendo separada ou dividida proporcionalmente, em razão de obrigações, com seus sócios.

Quando cabe incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.